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| Foto: Caroline Groussain/AFP/Getty Images

Em “Reflexões sobre a guilhotina”, Albert Camus escreve que a pena de morte é o mais premeditado dos assassinatos. Para ser equivalente ao crime cometido, ela deveria punir um criminoso que tivesse avisado sua vítima sobre a data de sua horrível morte e que, por meses antes da execução, a tivesse deixado confinada. “Um monstro desses não é encontrado na vida privada”, conclui o escritor. 

Essa lógica, contudo, não é acompanhada por 57% dos brasileiros que, segundo pesquisa do Instituto Datafolha divulgada em janeiro, são favoráveis à aplicação desse tipo de pena no Brasil. O número é 10% maior do que era há 10 anos, quando o apoio não alcançava nem metade da população. Mas não anda a pena de morte na contramão do que se espera da sociedade?

Em artigo publicado no The Conversation, Jeffrey Howard, professor da University College London, afirma que o apoio à punição – de forma geral, não somente à pena de morte – está baseado em dois argumentos: o da dissuasão e o do retributivismo.

Para os defensores da primeira linha, o sofrimento de um ser humano seria justificável se utilizado para proteger inocentes e evitar futuros crimes. “A ideia é bastante familiar: as pessoas ficam tentadas a descumprir a lei; às vezes, as exigências da moralidade e as exigências do interesse próprio parecem divergir. A possibilidade de punição inibiria tais demandas, fazendo da violação à legislação algo irracional”, diz Howard. Nesse sentido, as taxas de crimes violentos deveriam despencar. 

Os retributivistas, por sua vez, acreditam que, ainda que a punição não cause impacto nas taxas de crimes violentos, ela deve ser praticada porque é “a coisa certa a se fazer”. Nesses casos, a pena deveria ser proporcional ao crime cometido. Não se justificaria, portanto, executar alguém por furtar um par de sapatos ou submeter um assassino ao serviço comunitário. Nessa linha, algumas pessoas mereceriam morrer como que para pagar uma dívida pelo mal que cometeram, visto que há crimes tão hediondos que matar o ofensor seria a única resposta plausível. 

Confira:

Há ainda aqueles que acreditam que os criminosos devam ser punidos, mas se opõem à pena de morte por acreditarem que se trata de uma punição leve a alguns assassinos. Howard cita como exemplo a pena de morte decretada a Dzhokhar Tsarnaev, um dos responsáveis pelo atentado a bomba durante a Maratona de Boston, em 2013. Quem se opôs a punição o fez por acreditar que a prisão perpétua seria mais penosa ao terrorista do que a injeção letal. 

Números

Um levantamento da Ong norte-americana Death Penalty Information Center (Centro de Informações sobre Pena de Morte, em português) mostra que, de 1990 a 2016, a taxa de homicídios em estados norte-americanos que permitem a pena de morte foi maior do que o número nas localidades em que essa modalidade de pena foi abolida. Em 2011, por exemplo, o estado do Arizona, que permite a pena de morte, registrou 220 casos a mais que Massachusetts. Ambos contavam com cerca de 6,5 milhões de habitantes à época. O estudo tem como base dados do FBI.

“Levando em consideração que, normalmente, os homicidas se expõem a riscos imediatos muito altos, é muito remota a chance de que uma possibilidade pequena de execução – que só vai ocorrer muitos anos após o crime – vá influenciar o comportamento sociopata do delinquente, que estaria disposto a matar mesmo que sua única punição pudesse ser a prisão perpétua”, escreve em artigo John Donohue, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Stanford.

Trazendo essa questão para a realidade brasileira, é importante ressaltar que a taxa de homicídios solucionados no país é baixa. Dados de 2015, divulgados pelo Instituto Sou da Paz, mostram que 38,6% dos homicídios dolosos consumados ocorridos em São Paulo foram denunciados pelo Ministério Público à Justiça. No Rio de Janeiro, a taxa cai para 11,8%, enquanto no Pará o número despenca para 4,3%.

Claire Andre e Manuel Velasquez, da Universidade de Santa Clara, na Califórnia, afirmam que encarcerar os assassinos já é suficiente para que novos crimes não sejam cometidos, sem que seja preciso ceifar mais uma vida. “A Justiça não exige que punamos assassinatos com morte. Ela exige que os crimes mais graves recebam a punição mais severa que nossos princípios morais permitam [no caso, a prisão perpétua]”.

A respeito do retributivismo, a Anistia Internacional reconhece que se trata de um argumento poderoso. Mas, ao mesmo tempo, se legitimado, invalidaria toda a base em que se fundamentam os direitos humanos – que, não custa lembrar, são inalienáveis, e se aplicam “tanto aos piores de nós quanto aos melhores de nós, porque protege a todos”, de acordo com a organização. Para a Anistia, essa justificativa mascara o desejo de vingança como um princípio da Justiça. É compreensível que exista tal desejo – o que não se pode fazer é exercitá-lo. A história do Direito mostra como a vingança como punição foi substituída pela pena de reclusão. 

“Se os sistemas de Justiça penal atuais não punem o estuprador com estupro, o torturador com tortura, não é porque eles toleram crimes. Na verdade, é porque as sociedades compreendem que devem ser construídas com base em um conjunto de valores diverso dos ofensores. Uma execução não pode ser usada para condenar a morte; mata-se do mesmo jeito. Um ato assim do Estado é a imagem espelhada da vontade do criminoso, de usar a violência física contra uma vítima”, afirma a Anistia. 

Andre e Velasquez defendem que a sociedade tem a obrigação moral de proteger a vida humana, não de retirá-la. Assim, seria incompatível a pena de morte com o modelo de sociedade atual, pois o intuito deste é o de minimizar sofrimento e dor sempre que possível. Se existe uma alternativa menos severa à pena de morte e que atinja os mesmos objetivos, é essa a que deve ser seguida. Impunidade e violência revoltam, mas não justificam o retorno à barbárie.

Problemas práticos

Mesmo que se diga que o método majoritariamente utilizado para a pena capital na atualidade – a injeção letal – é o mais humanizado possível, a realidade mostra o contrário. Em 2014, uma série de execuções malsucedidas escancarou a crueldade do método. Em Oklahoma, Clayton Lockett sofreu diversas convulsões e agonizou por cerca de meia hora até morrer. A execução de Dennis McGuire foi a mais longa da história recente de Ohio: durou 25 minutos. Joseph Wood, que estava no corredor da morte do estado do Arizona, recebeu 15 injeções e demorou cerca de duas horas para morrer. O procedimento deve durar cerca de 10 minutos. 

A própria indústria farmacêutica tem desencorajado a prática. Na visão da Associação Americana de Farmacêuticos, a participação de profissionais da área em execuções contraria o papel essencial dos farmacêuticos, que é de cuidado com a saúde. Em 2016, a Pfizer anunciou a implementação de controles sobre a distribuição de seus produtos para garantir que nenhum deles fosse utilizado em injeções letais. 

Pesquisas recentes também têm demonstrado que é mais caro executar do que prender, ainda que o senso comum possa imaginar o contrário. Segundo estudo da Universidade de Seattle divulgado em 2015, os gastos com um único processo de crime punível com a pena capital chegam a US$ 3,1 milhões, enquanto um processo comum fica na casa dos US$ 2 milhões, em Washington, no noroeste do país. Já o Conselho Judiciário do Kansas apurou que no estado os valores ficam em US$ 396 mil e US$ 99 mil, respectivamente. 

A maior fatia dos valores corresponde às custas processuais e aos honorários advocatícios. O tempo gasto na produção de um recurso de pena de morte, por exemplo, pode ser 40 vezes maior do que o despendido numa sentença de prisão perpétua. O encarceramento de um condenado à morte também é mais custoso, já que esses detentos ficam em alas especiais das penitenciárias e a execução pode demorar décadas.

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