A Suprema Corte dos Estados Unidos reverteu por unanimidade a decisão de um tribunal de instância inferior que havia cancelado a pena de morte de um detento, no estado de Alabama, nos EUA. A suspensão tinha sido determinada porque Vernon Madison, que está no corredor da morte, não consegue mais se lembrar do assassinato que cometeu.
Os juízes disseram que, como o Supremo nunca considerou um prisioneiro desqualificado para ser executado por não recordar-se de seu crime – em oposição a ser capaz de entender os conceitos de crime e castigo –, o Tribunal de Apelações do 11º Circuito errou quando sustou a execução do detento.
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Três dos membros liberais da Suprema Corte disseram que a questão era digna de ser discutida pela Corte, mas concordaram que o caso de Madison não representa o veículo apropriado para essa análise.
E o juiz Stephen Breyer disse que o caso ilustra uma questão diferente: como as esperas prolongadas pela execução de sentenças de morte criaram um contingente de condenados à morte que estão idosos e geram novos questionamentos constitucionais sobre a pena capital.
Em abril de 1985 Vernon Madison deu dois tiros na parte de trás da cabeça do policial Julius Schulte, que havia atendido uma chamada doméstica. Madison hoje tem 67 anos, e os esforços para executá-lo pelo crime se arrastam há décadas.
“Madison já passou quase metade de sua vida no corredor da morte”, escreveu o juiz Breyer. “Durante esse período, ele sofreu acidentes vasculares cerebrais graves que o deixaram com demência vascular e vários outros problemas físicos e mentais importantes. Ele é legalmente cego. Sua fala é confusa. Ele não consegue caminhar sozinho. Sofre de incontinência. Sua incapacidade física o deixou sem memória do fato de ter cometido um crime capital.”
Breyer, que já tentou no passado levar o Supremo a reexaminar a constitucionalidade da aplicação da pena de morte, disse que os 21 detentos executados em 2017 aguardaram em média 19 anos no corredor da morte.
“E é muito possível que precisemos avaliar como o encarceramento por longo período entre o anúncio de uma sentença de morte e a execução da mesma pode aprofundar a crueldade da pena capital, ao mesmo tempo em que enfraquece a sua justificação.”
“Em vista dessa tendência, podemos prever cada vez mais casos de esforços de Estados para executar presos que sofrem das doenças e incapacitações da velhice”, disse o juiz. “E é muito possível que precisemos avaliar como o encarceramento por longo período entre o anúncio de uma sentença de morte e a execução da mesma pode aprofundar a crueldade da pena capital, ao mesmo tempo em que enfraquece a sua justificação.”
Nenhum outro juiz assinou o parecer de Breyer, e nenhum juiz conservador rebateu seus argumentos. No passado, os juízes do Supremo alegaram que são os muitos recursos e a criatividade dos advogados de defesa que geralmente adiam a execução da pena de morte.
O caso de Vernon Madison é incomum. Quando o momento de sua execução se aproximava, em 2016, seus advogados disseram que o fato de ele ter sofrido vários derrames cerebrais recentes prejudicara sua memória e que ele não se lembrava mais do crime que cometeu.
Numa audiência, um psicólogo do Estado disse que Madison “sofreu declínio significativo pós-AVC”, mas que “certamente” compreendia que o Estado pretendia executá-lo como punição pelo homicídio que ele cometeu.
Mas um psicólogo que depôs em defesa de Madison disse que, embora o detento soubesse que o Estado queria executá-lo, ele não se recordava “da sequência dos fatos, do crime à sua prisão, o julgamento ou qualquer outro desses detalhes”.
Um tribunal estadual negou a petição de Madison dizendo que, sob os precedentes definidos pela Suprema Corte, ele teria direito a ter sua sentença sustada apenas se pudesse demonstrar que sua doença mental o impede de “compreender que será executado como castigo por um crime”.
O tribunal federal de recursos discordou. Sem contestar que Madison não se recorda do crime, o tribunal decidiu por dois votos a um que ele “não compreende racionalmente a conexão entre seu crime e sua execução”.
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Foi essa decisão que o Supremo, na segunda-feira, qualificou como errada. Em parecer não assinado, os juízes da Suprema Corte disseram que o tribunal de recursos excedeu sua autoridade segundo as leis federais – a Lei de Antiterrorismo e Pena de Morte Efetiva, de 1996 – que regem a revisão de sentenças de morte.
O Supremo diz que as cortes federais só podem se envolver quando a decisão de um tribunal de instância inferior contraria leis federais claramente definidas ou as aplica de maneira não razoável. Os juízes disseram que não existe precedente que determine claramente que um detento precisa se recordar de haver cometido seu crime.
“O tribunal estadual não indicou [os precedentes da Suprema Corte] sem razão quando determinou que Madison é qualificado para ser executado porque, não obstante sua perda de memória, ele reconhece que será executado como castigo pelo homicídio que foi constatado que ele cometeu”, escreveu a Suprema Corte.
Os juízes acrescentaram que “não expressam nenhuma opinião sobre os méritos da questão subjacente”.
Breyer e as juízas Ruth Bader Ginsburg e Sonia Sotomayor escreveram que a questão – se o Estado pode executar uma pessoa que não se recorda de seu crime – merece ser discutida a fundo. Mas concordaram que as restrições impostas pela Lei de Antiterrorismo e Pena de Morte Efetiva tornam isso desnecessário no caso de Madison.
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