A “câmara da morte” da Penitenciária Estadual de Huntsville, no Texas.| Foto: Paul Buck /    AFP

Única nação ocidental desenvolvida a manter a pena de morte, os Estados Unidos têm revisto cada vez mais a prática. Seja por questões burocráticas, como a moratória estabelecida por alguns governos estaduais, pelo boicote da indústria farmacêutica, que desincentiva o fornecimento de drogas para injeções letais, e até por motivos de ordem econômica, uma vez que estudos indicam que é muito mais caro executar um preso do que mantê-lo encarcerado por toda a vida. 

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31 dos 50 estados norte-americanos permitem a pena de morte. Em quatro deles, entretanto – Colorado, Pensilvânia, Washington e Oregon –, a pena está suspensa pelo governo local. Só na última década, sete estados aboliram a medida - Connecticut, Delaware, Illinois, Maryland, Nova Jersey, Novo México e Nova York. O rol de crimes puníveis com a vida varia em cada região, mas, no geral, tratam-se de homicídios com fatores agravantes.

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No começo deste ano, o governador da Flórida, Rick Scott, assinou o projeto de lei número 280 do Senado americano, que exige que um júri decida a favor da pena de morte de forma unânime antes que o magistrado possa determiná-la como sentença. Com a decisão, o Alabama se tornou o único estado do país onde não há a necessidade de um júri uniforme para que seja decretada uma execução. 

A mais recente pesquisa anual da Gallup, empresa estadunidense de opinião, sobre pena de morte, divulgada em outubro de 2016, mostrou que 60% dos norte-americanos são a favor da medida, enquanto 37% são contra e 3% não têm opinião formada. O número pode até parecer alto, mas é o menor registrado desde 1972, quando a Suprema Corte do país julgou o caso Furman v. Georgia e todas as sentenças de morte pendentes até o momento foram comutadas por prisão perpétua. Em 1994, 80% dos cidadãos norte-americanos eram favoráveis à medida. 

Mesmo assim, surpresas de percurso, por assim dizer, acontecem. A Califórnia, considerada um estado progressista, lançou dois referendos sobre o assunto, também em 2016. Enquanto a Proposição 62 pretendia revogar a pena capital, a Proposição 66 tinha o intuito de acelerar os processos dos detentos que estão no corredor da morte californiano. A primeira delas foi negada por 53,15% a 46,85%, enquanto a segunda obteve 51,13% de votos favoráveis. A Califórnia tem o maior número de presos no corredor da morte dos EUA: 750. Acontece que desde 2006 o estado não executa ninguém, sendo que desde 1978 foram apenas 13 execuções. 

Por quê? 

Os referendos na Califórnia são um exemplo de que, mesmo que os EUA sejam uma nação bastante avançada em relação às liberdades individuais, ainda há cidadãos, políticos e juízes que acreditam que determinados crimes podem ser puníveis com a vida do ofensor. Como essa discrepância se justifica? 

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Guilherme Brenner Lucchesi, advogado penalista e mestre em direito pela Cornell Law School, aponta que a população dos estados norte-americanos é muito apegada às tradições e reticente a qualquer espécie de intervenção do governo federal. Isso se explica pelo próprio modelo jurídico e constitucional do país, uma vez que, lá, a federação surge a partir da união de estados pré-existentes. 

“Se você observar quais são os estados que mais executam nos Estados Unidos, vai perceber que a maioria deles têm uma identificação que talvez não seja plena da República. Eles têm uma cultura regional muito própria. Os antigos Estados Confederados são muito refratários à [capital] Washington, que eles veem como influência ianque nos estados sulistas”, afirma o advogado. 

Dos dez estados que mais executaram presos desde 1976, sete fizeram parte dos agrários e escravocratas Estados Confederados da América – Texas, Virginia, Alabama, Carolina do Sul, Arkansas, Mississippi e Louisiana –, dissolvidos ao fim da Guerra de Secessão, em 1865. Na época, Oklahoma integrava o chamado Território Indígena, que teve governos que apoiavam a Confederação, bem como aconteceu com grupos separatistas do Missouri. Delaware, o terceiro estado com maior número de execuções, também era escravista, mas fazia parte da União. Ocorre que em 2016 a Suprema Corte estadual declarou a inconstitucionalidade da pena de morte em Delaware. 

Para Lucchesi, a pena de morte estaria, portanto, muito ligada ao exercício do poder local, aliada ao que o jurista chama de “sociologia do senso comum”, de que, talvez a maioria das pessoas não tenha essa percepção de que tocar um processo de crime passível de pena de morte é muito mais custoso do que possa parecer. 

Doutora em filosofia pela New School for Social Research e professora de Direito Constitucional na UFPR, Vera Karam de Chueiri tem entendimento similar ao do advogado. Ela explica que o fato de mais da metade dos estados norte-americanos ainda adotarem a pena de morte reforça a ideia de federação do país, de os entes terem muita autonomia. Nesse ponto, é importante salientar que a legislação criminal dos EUA é estadual. Mas, na opinião da professora, é muito contraditório que uma democracia como a estadunidense ainda aplique a pena de morte em pleno século XXI. 

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“É uma questão muito delicada e, definitivamente, não existe um consenso na comunidade norte-americana a respeito da pena de morte. Mas, a meu ver, ela jamais deveria ser pautada. É completamente fora de propósito, seja do ponto de vista constitucional, criminal e, mais importante, moral. Não há argumento moral, para mim, que sustente a pena de morte”, diz Vera. 

Na opinião do professor de História de Direito do Unicuritiba e host do podcast Salvo Melhor Juízo, Thiago Hansen, a manutenção da pena de morte nos EUA pode levar à reflexão de que “a conexão apressada entre a tradição liberal e os Estados Unidos é, muitas vezes, forçada”. Basta lembrar que o país manteve a escravidão até meados do século XIX e que uma série de leis de segregação racial, conhecidas como Leis de Jim Crow, vigoraram até 1965. 

O custo da morte 

Alguns anos atrás, o juiz Donald McCartin afirmou, em entrevista à rede de televisão NBC, que “custa 10 vezes mais matar um prisioneiro do que mantê-lo vivo”. McCartin, que morreu em 2012, era conhecido como o “juiz ‘enforcador’ de Orange County”. Durante sua carreira jurídica na Califórnia, o magistrado condenou mais assassinos à execução do que qualquer outro magistrado local: foram nove prisioneiros enviados ao corredor da morte. Só um deles morreu – e não executado, mas devido a um infarto.

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A conta de McCartin pode não ter sido muito precisa, mas é verdade que pesquisas recentes têm demonstrado que a afirmação de que é mais caro executar do que prender é autêntica, ainda que o senso comum possa imaginar o contrário. Segundo estudo da Universidade de Seattle divulgado em 2015, os gastos com um único processo de crime punível com a pena capital chegam a US$ 3,1 milhões, enquanto um processo comum fica na casa dos US$ 2 milhões, em Washington, no noroeste do país. Já o Conselho Judiciário do Kansas apurou que no estado os valores ficam em US$ 396 mil e US$ 99 mil, respectivamente. 

A maior fatia dos valores corresponde às custas processuais e aos honorários advocatícios. O tempo gasto na produção de um recurso de pena de morte, por exemplo, pode ser 40 vezes maior do que o despendido numa sentença de prisão perpétua. Em Idaho, uma equipe da Defensoria Pública estadual incumbida de atuar na segunda instância de um processo de pena de morte vai ter de despender, aproximadamente, 8 mil horas de trabalho. Num caso comum, seriam 180 horas. 

O encarceramento de um condenado à morte também é mais custoso. Esses detentos ficam em alas especiais das penitenciárias, ou em confinamento solitário, que têm um custo diário mais alto do que o restante do presídio por demandar um investimento maior em segurança. No Kansas, um prisioneiro no corredor da morte custa ao Estado US$ 49,4 mil por ano, enquanto os gastos com um preso comum são de US$ 25 mil. 

Nesse ponto, é importante lembrar que a execução de fato pode demorar décadas. A título de curiosidade, na Califórnia, um detento espera há 39 anos. Em 1978, Douglas Ray Stankewitz foi condenado à morte por sequestrar e matar uma jovem, e até semana passada sua defesa tentava um novo julgamento

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O método “humanizado” 

Ainda que alguns estados norte-americanos permitam a execução por câmara de gás, cadeira elétrica, enforcamento e até pelotão de fuzilamento, como ocorre na Indonésia, o método majoritariamente utilizado é a injeção letal. Em meados de 2015, ao julgar o caso Glossip v. Gross, a Suprema Corte dos EUA declarou a constitucionalidade do uso do método, mesmo que o ano anterior ao julgamento tenha sido marcado por uma série de execuções mal realizadas. 

Em Oklahoma, Clayton Lockett sofreu diversas convulsões e agonizou por cerca de meia hora até morrer. Já a execução de Dennis McGuire foi a mais longa da história recente de Ohio: durou 25 minutos. O caso mais chocante, porém, foi o de Joseph Wood, que estava no corredor da morte do estado do Arizona. Wood demorou cerca de duas horas para morrer e, nesse período, recebeu 15 injeções. Na época, especialistas afirmaram que todo o procedimento deveria ter durado, no máximo, dez minutos. 

Para cinco dos nove juízes que atuaram no caso, a injeção letal não contraria a Oitava Emenda à Constituição dos Estados Unidos, que prevê a impossibilidade de serem impostas penas “cruéis ou incomuns”. O debate, contudo, acabou centrado mais na pena capital em si. Os juízes Stephen Bryer e Ruth Ginsburg questionaram se “é a própria pena de morte constitucional?”, enquanto o ultraconservador Antonin Scalia, morto em 2016, disse que “ao contrário do casamento gay, a pena de morte é permitida pela Constituição”. 

Guilherme Lucchesi e Vera Karam lembram que Scalia, assim como outros juízes do país, era um originalista. Isso significa dizer que o magistrado acreditava que a Constituição deveria ser interpretada da forma como foi pensada por quem a escreveu. A Declaração dos Direitos dos Estados Unidos, como são chamadas as dez primeiras emendas à Constituição dos EUA, foi ratificada em 1788. 

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Lucchesi tende a acreditar que a pena capital é, sim, cruel ou incomum, como dispõe a Oitava Emenda, “mas como era aceita à época [da elaboração da Constituição], uma interpretação originalista entenderia que ela ainda pode ser aplicada”. Vera, contudo, opina que “se pensarmos sempre assim, as leis vão ficar inoperantes”. 

Apesar do amparo constitucional, o método tem encontrado barreiras na própria indústria farmacêutica. Em 2015, a Associação Americana de Farmacêuticos adotou uma política que visa desencorajar, por parte de seus mais de 62 mil membros, o fornecimento de drogas para execuções. Para a associação, a participação de profissionais da área vai contra o papel essencial dos farmacêuticos na sociedade, que é de cuidado com a saúde. 

Um ano depois, a gigante Pfizer anunciou, na esteira de outras companhias americanas e europeias, a implementação de controles sobre a distribuição de seus produtos para garantir que nenhum deles fosse utilizado em injeções letais. Isso tudo associado ao estoque cada vez menor – e a ponto de ter a validade expirada – por parte dos estados norte-americanos. 

Se em 1999 o número de execuções nos EUA foi de 98, com queda para 52 dez anos depois, o problema com as injeções letais derrubou a estatística para 20 em 2016, a menor desde 1991. Considerando o contexto político atual, porém, com o governo Trump, a probabilidade é de que haja um movimento forte para a sustentação desse tipo de pena. Resta saber se com a pressão popular, da indústria farmacêutica e até da própria burocracia, ele vai prosperar. 

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E como é no Brasil? 

Thiago Hansen explica que a pena de morte foi formalmente abolida no sistema penal brasileiro com a Constituição de 1891, a primeira do sistema republicano, ressalvados os crimes cometidos por militares em período de guerra. 

“Apesar da abolição formal, sua aplicação marginal e informal se manteve em eventos muito conhecidos, como na Guerra de Canudos, na Revolta Federalista e em situações de indisciplina militar, como a morte por envenenamento dos marinheiros que participaram da Revolta da Chibata, em 1910”, conta o professor. 

Atualmente, a pena de morte é vedada no Brasil. A exceção é trazida pela Constituição Federal de 1988 que, assim como a primeira Carta Magna da República, prevê que a pena capital pode ser aplicada em caso de guerra declarada. O rol de crimes passíveis desse tipo de punição está elencado no Código Penal Militar, que também traz qual será o método de execução utilizado: fuzilamento. 

Conheça a lei 
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Constituição Federal 

Art. 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: 

(...) 

XLVII - não haverá penas: 

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; 

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(...) 

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: 

(...) 

XIX - declarar guerra, no caso de agressão estrangeira, autorizado pelo Congresso Nacional ou referendado por ele, quando ocorrida no intervalo das sessões legislativas, e, nas mesmas condições, decretar, total ou parcialmente, a mobilização nacional. 

Código Penal Militar 

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Art. 56. A pena de morte é executada por fuzilamento. 

Colaborou: Mariana Balan.