Planos de saúde estão obrigados a reembolsar o Sistema Único de Saúde (SUS) todas as vezes que seus usuários forem atendidos na rede pública. O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira, 7, por unanimidade que a regra, prevista na lei que regulamenta a saúde suplementar, é constitucional, colocando fim a um impasse que já durava quase 20 anos. Segundo o Ministério da Saúde, os valores questionados na Justiça chegam a R$ 5,6 bilhões.
A decisão traz impacto não apenas para os cofres do Sistema Único de Saúde, mas também para aqueles que contratam os planos, na esperança de ter um atendimento que escolheram. “Ao declarar constitucional a cobrança, o STF inibe uma prática muito comum de planos de saúde que é empurrar seus clientes para o atendimento no SUS”, avalia o professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Fmusp), Mário Scheffer.
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A professora da Universidade Federal do Rio (UFRJ), Lígia Bahia, tem avaliação semelhante. “Deixa de ser vantajosa a recusa de atendimento porque mais cedo ou mais tarde o plano terá de arcar com os custos.”
A lei que regulamenta os planos de saúde entrou em vigor em 1998. Naquele mesmo ano, a Confederação Nacional de Saúde-Hospitais, Estabelecimentos e Serviços ingressou com ação, contestando o ressarcimento. Uma liminar foi concedida em 2003, impedindo que a cobrança fosse retroativa à norma. Tal entendimento foi mantido na decisão do STF. “Como o plenário já assentou, a vida democrática pressupõe segurança jurídica. É impróprio interferir nas relações contratuais”, afirmou o relator da ação, ministro Marco Aurélio Mello.
Embora a permissão da cobrança do reembolso já estivesse em prática, restava ainda a esperança das operadoras de que a regra fosse derrubada pelo STF. Lígia disse ser impossível saber o prejuízo com tantos anos de impasse. “O sistema de acompanhamento é falho. Não sabemos ao certo quanto com planos de saúde foram atendidos no SUS sem reembolso.”
Além de acompanhamento deficiente, a cobrança, feita pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), até 2015 era parcial. Era pedido o reembolso só de internações hospitalares. Procedimentos ambulatoriais (como hemodiálises), muitas vezes caros, não entravam nessa conta. Com a decisão desta quarta-feira, fica claro que a cobrança é universal. Vale para todos os atendimentos feitos pelo SUS a usuários de planos, desde que no contrato tenha sido prevista tal cobertura.
“Enriquecimento ilícito”
“É justo que haja ressarcimento”, disse o ministro da Saúde, Ricardo Barros. Para ele, a decisão poderá trazer um reforço para os cofres públicos. O ministro lembrou não ser raro o SUS prestar atendimento a pessoas que têm planos de saúde e, depois de feita a cobrança, operadoras questionarem na Justiça os valores cobrados. “Pelos cálculos, há R$ 5,6 bilhões em cobranças que ainda estão sendo avaliadas pela Justiça”, disse o ministro.
Em 2017, de R$ 1,1 bilhão cobrado de operadoras por prestação de serviços a seus usuários, foram arrecadados só R$ 458 milhões. “Cerca de 60% do reembolso ficou retido, justamente por ações na Justiça”, afirmou Barros. Ele, porém, não acredita que esses recursos cheguem rápido aos cofres públicos por novas contestações judiciais, por exemplo, sobre os valores cobrados. “Algum tipo de discussão ainda permanecerá.”
Em seu voto, Marco Aurélio comparou a ausência do ressarcimento a enriquecimento ilícito. “A norma impede o enriquecimento ilícito das empresas e a perpetuação de modelo no qual o mercado de serviço de saúde se submeta unicamente à lógica do lucro, ainda que às custas do erário. Entendimento em sentido contrário resulta em situação em que os planos de saúde recebem pagamentos mensais dos segurados, mas os serviços continuam a ser fornecidos pelo Estado, sem contrapartida.”
Para Lígia Bahia, da UFRJ, o julgamento de quarta se soma a outras decisões do STF que fortalecem o direito de usuários e, ao mesmo tempo, endurecem regras aplicadas às operadoras.
No julgamento, também foi analisada a variação de preço dos planos de saúde em razão da idade do cliente. O STF manteve a constitucionalidade do artigo que trata do tema. O texto define que a diferença de valores só pode ocorrer caso esteja prevista no contrato inicial, destacando as faixas etárias e os porcentuais de reajuste incidentes em cada uma delas, conforme normas da ANS.
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Resposta das empresas: aumento de mensalidade
A Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) criticou a decisão, em nota, por entender “que todos os cidadãos brasileiros que tenham planos de saúde mantêm o direito de utilizar o sistema público de saúde, sem quaisquer ônus”. Disse ainda que o eventual ressarcimento ao SUS tem reflexo no cálculo da mensalidade.
“O fato de uma pessoa ou empresa decidir contratar um plano de saúde não as exime do pagamento dos seus impostos e contribuições sociais. O entendimento do STF acaba por penalizar justamente esta parcela da população, a partir do momento em que o eventual ressarcimento ao SUS passa a compor o custo atuarial da mensalidade do plano de saúde.”
Já Mário Scheffer, da USP, observa que as decisões ocorrem em um momento em que já se discute alterar a Lei de Planos na Câmara. Entre as propostas está a mudança no ressarcimento. Os recursos, em vez de serem destinados à União, iriam para os Estados. “Seria um passo para a dupla porta. Hospitais também teriam interesse em atender esses pacientes, uma vez que recursos em pouco tempo voltariam para seus cofres”
Mas a mudança é defendida pelo secretário adjunto de Saúde de São Paulo, Eduardo Ribeiro Adriano. “Nosso pleito é de que esse dinheiro volte de modo proporcional para quem prestou o atendimento ao paciente de saúde suplementar. São Paulo é fonte geradora, mas esse recurso do reembolso não volta para nossas unidades.”
Constitucional
No julgamento desta quarta-feira (7), os ministros também confirmaram a constitucionalidade da Lei dos Planos de Saúde, com exceção do artigo 10, parágrafo 2º, que previa a aplicação da lei aos contratos celebrados antes da entrada em vigor da norma, em 1998.
A corte rejeitou outras solicitações das empresas, como a de revogar a proibição do aumento do valor do plano de saúde para consumidores com mais de 60 anos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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