Muitas pessoas buscam planos de saúde para ficar seguras nos momentos mais difíceis da vida, mas quase ninguém lê os contratos que assina e acaba se deparando com algumas surpresas desagradáveis. Nesses casos, as disputas acabam indo parar na Justiça. Os dados mais recentes disponíveis no portal da Saúde do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram que, até junho de 2014, 392 mil ações envolvendo saúde tramitavam nas justiças estaduais e federal. Dessas, 2609 estavam no Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR).
Uma pesquisa sobre o comportamento da Justiça paranaense, que analisou 830 acórdãos proferidos entre janeiro e outubro de 2016 em casos envolvendo planos de saúde, revelou que os beneficiários têm seus pedidos totalmente atendidos em mais da metade dos casos em primeira instância e em segunda instância. O estudo, feito pelo escritório Vernalha, Guimarães e Pereira Advogados, mostra ainda que as três Câmaras do TJ-PR que julgam casos de saúde apresentam posições discrepantes na apreciação dos recursos. A maior disparidade está entre a Oitava e a Nona Câmara. Enquanto a Oitava desprovê 80% dos recursos ajuizados pelos planos de saúdes e 40% dos recursos dos beneficiários, a Nona desprovê apenas 55% dos recursos de planos de saúde e 51% dos de beneficiários.
O TJ-PR foi consultado sobre os resultado da pesquisa, mas não quis se pronunciar.
Silvio Guidi, advogado de operadoras de planos de saúde, coordenou a pesquisa, que revelou que 80% dos casos na Justiça paranaense são disputas sobre a cobertura dos planos. Com os embates sobre fornecimento de medicamento, chega-se a quase 90% das ações. “O que se discute muito é que o beneficiário quer ter cobertura de um tipo de tratamento ou medicamento e, quando vai buscar esse tipo de cobertura, ele encontra alguma negativa da operadora”, afirma Guidi.
A experiência de Gabriel Schulman, professor da Universidade Positivo que advogada para beneficiários dos planos, confirma o achado. “Hoje, as discussões mais comuns são na oncologia – no tratamento de câncer –, no homecare e em alguns materiais em cirurgia”, diz Schulman.
O regramento dos planos de saúde é um campo especialmente complexo. Além da Lei 9.656/1998, que disciplina o tema, há mais de 400 resoluções da Agência Nacional de Saúde (ANS). Para a cobertura, o artigo 12 da lei 9.656/1998 estipula as exigências mínimas para planos ambulatoriais, hospitalares, odontológicos e obstetrícios. Já a Resolução ANS 387/2015 oferece o atual “rol de procedimentos e eventos em saúde”, que baliza mais detalhadamente a cobertura dos planos contratados a partir de janeiro de 1999. Além disso, é preciso observar as estipulações de cada contrato entre planos e beneficiários.
A disputa começa na interpretação dessas previsões todas. “O problema está em entender o que está na cobertura do plano”, resume Schulman. “Há o rol da ANS, o contrato específico que o beneficiário assina com o plano, e as situações que precisam de interpretação: o contrato de plano de saúde tem um caráter dinâmico que em nenhuma outra área existe, porque ele é assinado em um momento e aplicado em outro”, explica.
“As operadoras têm uma vinculação muito fixa à orientação da ANS e ao conteúdo do contrato: raramente se vê uma negativa muito abusiva; porém, é muito comum que o Judiciário siga como referência não a ANS, e sim os próprios precedentes do Judiciário”, pondera Guidi. Para o advogado, essa é a grande explicação para o número de condenações das operadoras no Judiciário.
Schulman faz uma ressalva: “A questão é que os planos de saúde entendem que esse rol da ANS é taxativo. Os consumidores defendem que o rol da ANS é a cobertura mínima. E o Judiciário tem entendido assim também”.
“A lei dos planos de saúde, por exemplo, diz que as operadoras não estão obrigadas a oferecer medicamentos de uso domiciliar, e ela faz algumas exceções, especialmente quando o medicamento é um prolongamento do tratamento hospitalar, no caso de câncer. Mas os tribunais têm aberto outras exceções, como quando o medicamento é muito caro”, aponta Guidi. O advogado lembra ainda que, muitas vezes, os médicos prescrevem medicamentos e tratamentos pouco usuais e os planos decidem, para se proteger de eventuais efeitos adversos, aterem-se às resoluções da ANS. Desde 2002, por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), as operadoras respondem solidariamente nos casos de erro médico.
“A instabilidade jurídica acaba influenciando no preço, tornando o serviço mais caro e menos acessível”, Silvio Guidi, advogado.
Para tentar diminuir a distância entre a jurisprudência dos tribunais e os procedimentos da ANS na hora de os juízes decidirem se obrigam ou não um plano de saúde a oferecer determinados medicamentos ou tratamentos em situações concretas, o CNJ tem patrocinado a instalação dos Comitês Estaduais de Saúde e dos Núcleos de Apoio Técnico do Judiciário (NAT-Jus). De acordo com informações da assessoria de imprensa do CNJ, já há comitês instalados em todos os estados do Brasil e 20 núcleos em funcionamento.
Os Comitês Estaduais de Saúde começaram a ser criados em 2010, a partir da instituição do Fórum Nacional da Saúde para acompanhamento e resolução de demandas de assistência à saúde pela Resolução 107/2010 do CNJ. O objetivo desses comitês é conceber e coordenar iniciativas para melhorar os sistemas de saúde na interface entre poder Judiciário, agentes privados e poder público. Desde 2016, os comitês têm auxiliado na instalação dos NAT-Jus, constituídos de profissionais de saúde que oferecem pareceres técnicos para auxiliar juízes e desembargadores a decidir demandas na área.
Uma pesquisa de 2015 do próprio CNJ, no entanto, concluiu que ainda são poucas as decisões judiciais que citam as orientações dos comitês.
Danos morais
De acordo com a pesquisa sobre a justiça paranaense, em 75% dos casos envolvendo planos de saúde, os beneficiários pediram indenização por danos morais na ação. Segundo o levantamento, a primeira instância do Paraná gerou um montante de R$ 6,8 milhões condenações por danos morais entre a janeiro e outubro de 2016, reduzido para R$ 5,3 milhões pelo TJ-PR.
“Um caso clássico: o paciente pede um exame ‘PET-Scan oncológico’ e a operadora nega, alegando que não é para todos os casos de câncer que a ANS recomenda esse tipo de exame. Aí o paciente bate na porta da Justiça pedindo a realização do exame e a condenação em razão dos danos morais pelo sofrimento decorrente da negativa”, conta Guidi. “A média das condenações das operadoras pelo TJ-PR é entre R$ 10 mil e 15 mil. O que fugir muito disso, o tribunal tende a reformar”, completa.
Entre os fatores que os advogados apontam que o Tribunal leva em conta na análise dos pedidos de danos morais estão a legalidade ou não da negativa; a falta de informação por parte do plano; o tempo de espera do paciente pelo procedimento; a idade do beneficiário; o tipo de doença. “O mero descumprimento em abstrato de um contrato não gera danos morais, mas a própria situação da pessoa, sim. Uma pessoa que tem uma negativa de pedido de tratamento de câncer, por exemplo, entra em desespero com toda a família”, diz Schulman. “A dor que pessoa sente cria o dever de reparar”, completa.
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