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Porcaria! Droga! Deus do céu!

Quem poderia imaginar que, em um país tão liberal quanto os Estados Unidos, um estado proíba seus moradores de falar palavrão em público. Mas é verdade. 

Uma lei no estado da Virgínia considera que fazer uso de “xingamentos profanos” é uma infração considerada de “Classe 4”, punida com uma multa de US$ 250, a mesma determinada contra aqueles que causam desordens públicas em decorrência da embriaguez. 

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A lei é de antes da Guerra Civil (1861), mas, mesmo assim, os bocas-sujas dos tempos modernos ainda podem ser multados. As quantias são consideradas pequenas, mas juristas e políticos, em nome da liberdade de expressão, apresentam preocupações sobre a norma e tentam revogar a lei. 

Um deles é Michael Webert, representante do Partido Republicando em Fauquier, um criador de gado que entende que, de vez em quando, falar um palavrão pode ser necessário. “Quando você está trabalhando com vacas e um animal de 630 kg não faz o que você quer, ou pisa no seu pé, de vez em quando algumas palavras diferentes saem da sua boca”, disse Weber, de 38 anos. 

Conservador na maioria das questões, Webert diz que o seu objetivo é proteger a liberdade de expressão e ajustar uma legislação de exigências desproporcionais sobre os cidadãos. Segundo ele, a lei que proíbe falar palavrões já foi considerada inconstitucional há décadas por decisões do Tribunal de Apelações da Virgínia e da Suprema Corte dos EUA. 

“Quando eu falava palavrão, a minha mãe dizia para eu não fazer isso e me dava uma barra de sabão”, disse. “Você não deveria receber uma infração de Classe 4 por isso.” 

Resistências 

O fim da lei, porém, parece estar distante. A revogação não é garantida, nem mesmo na capital do estado, cidade projetada pelo maior defensor da liberdade de expressão nos Estados Unidos, o lendário Thomas Jefferson. Isso por dois motivos: um deles, pelo interesse dos legisladores pela autopreservação política em uma região dominada por conservadores; o outro, porque muitos consideram a lei, de fato, necessária. 

Daniel Post Senning é tataraneto da finada Emily Post, cujas reflexões sobre etiqueta ditavam o tom de uma sociedade elegante em uma época mais formal. Senning, que dá continuidade aos negócios da família por meio do Emily Post Institute, acredita que há motivos suficientes para impedir a linguagem crassa. 

“É necessário algum tipo de padrão público de decoro”, disse Senning, que realiza seminários de etiqueta sobre profanidades no ambiente de trabalho. “Nós, definitivamente, somos defensores de consciência e consideração.” 

Mas acadêmicos que fazem pesquisas científicas sobre palavrões – sim, isso existe – dizem que tais proibições são inúteis. Elas tentam “forçar polidez, e isso não é algo que a lei pode fazer”, disse Jesse Sheidlower, lexicógrafo, professor da Universidade Columbia e autor do livro “The F-Word” (“A Palavra com F”, em tradução livre), uma história didática da palavra “fuck” (cuja tradução mais próxima do português é “foda-se”). 

Jonathan Hunt, professor de linguística da Universidade de São Francisco que pesquisou xingamentos, disse que o que é considerado profanidade sempre muda. Em uma época mais religiosa, blasfêmia era considerada o maior tabu. Em tempos seculares, era “qualquer coisa que tivesse a ver com funções fisiológicas”. E hoje, são ofensas racistas ou sexistas. 

“Há sempre alguns tabus na linguagem, uma percepção de que essas palavras têm um poder estranho e mágico, geralmente o poder de machucar”, disse. “E isso se modifica.” 

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Multas 

Não está claro quantas pessoas são multadas pela lei de Virgínia todo ano. Estatísticas estaduais são difíceis de serem conseguidas, pois o decreto inclui palavrões e a chamada intoxicação pública (mau comportamento decorrente da embriaguez), e não existe um levantamento específico apenas para os palavrões. Os números parecem ser pequenos com base em prisões no condado Arlington, que tem uma norma local inspirada na lei estadual. Nesse local, onde vivem 23 mil pessoas, a polícia multou apenas três cidadãos por falar palavrão nos últimos dois anos. 

Isso não significa que a lei está esquecida. O Conselho do Condado de Arlington votou em 2015 para aumentar a multa local de US$ 100 para se igualar à penalidade nacional. Virginia Beach, que também tem um ordenamento jurídico local, instalou placas nas suas calçadas dizendo que está proibido falar palavrões, em um esforço para aumentar a atmosfera familiar. 

O condado Fairfax chamou atenção à sua própria proibição de palavrões no final de outubro, quando a polícia imobilizou um repórter da mídia local, no chão, após uma discussão cheia de palavrões registrada em vídeo. 

“Se você xingar novamente, você irá para a prisão”, diz um policial no vídeo. 

A resposta do repórter – “Foda-se!” – provocou uma prisão agressiva, apesar de no final ele ter sido fichado por conduta desordeira e resistência à prisão. 

Claire Guthrie Gastañaga, diretora executiva da afiliada na Virginia da American Civil Liberties Union, considera que a lei é uma violação da Primeira Emenda. 

“Essa é uma questão interessante, em parte porque (apesar de serem obrigados a emitir uma multa para infrações leves) a polícia geralmente usa essa lei ou normas locais parecidas como desculpa para prender alguém, ou pelo menos para detê-lo por um tempo, e então fazem uma investigação para que eles possam prender a pessoa sob outras acusações”, disse Gastañaga. 

A aversão de Virginia à profanidade remonta à infância da nação, quando o filho nativo George Washington ordenou que suas tropas parassem de falar palavrões em agosto de 1776. 

A lei estadual proíbe palavrões em público pelo menos desde 1860. A multa na época era de US$ 1 por transgressão.

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