Até 2017, todos os anos era descontado do salário do trabalhador, geralmente no mês de março, o valor equivalente a um dia de serviço. Tratava-se da contribuição sindical obrigatória, conhecida popularmente como imposto sindical, devida por todo funcionário representado por um sindicato.
Com a entrada em vigor da Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), em novembro de 2017, tal obrigação caiu. Não que o imposto sindical tenha sido extinto, mas seu pagamento foi condicionado à anuência do empregado. Mas foi só em teoria porque, na prática, muitos juízes estão autorizando a cobrança obrigatória, entendendo que a mudança na lei contraria a Constituição. Agora, resta ao Supremo Tribunal Federal (STF) resolver a questão.
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Um levantamento da Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB) mostra que já há ao menos 30 decisões judiciais que obrigam empresas a recolher compulsoriamente a contribuição e repassar aos sindicatos. As ações foram ajuizadas após a entrada em vigor da nova legislação. Na maioria delas, prepondera a linha de que a Reforma foi feita por lei ordinária e, portanto, não poderia alterar a natureza do imposto sindical. Isso só poderia ser feito por lei complementar.
Uma juíza de Lages (SC), por exemplo, que deu uma das primeiras decisões nesse sentido, lançou mão do entendimento de que a contribuição sindical tem natureza parafiscal, ou seja, é um tributo: a Constituição Federal (CF) dispõe, em seus artigos 146 e 149, que o mecanismo para definir tributos é por lei complementar, não por lei ordinária, como é o caso da reforma trabalhista. Segundo a magistrada, o dispositivo também iria contra o artigo 3° do Código Tributário Nacional (CTN), que prevê que “tributo é toda prestação pecuniária compulsória”.
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De fato, os juízes têm a prerrogativa de reconhecer a inconstitucionalidade de uma lei entre as partes de um processo específico, por meio do exercício do chamado controle difuso de constitucionalidade. Ainda que o STF seja considerado o “guardião” da Constituição Federal, por ser o único tribunal capaz de declarar a inconstitucionalidade de uma lei e eliminá-la do direito brasileiro, órgãos colegiados e magistrados, inclusive de primeiro grau, podem analisar se um ato normativo é compatível com as normas constitucionais, deixando de aplicá-lo no caso concreto.
Hoje ministro da mais alta corte do país, Luís Roberto Barroso escreve, em livro sobre o tema, que um dos fundamentos do controle de constitucionalidade é a proteção dos direitos fundamentais, em face das maiorias parlamentares eventuais. “Seu pressuposto é a existência de valores materiais compartilhados pela sociedade que devem ser preservados das injunções estritamente políticas”, diz.
O controle difuso pode ser positivo, mas pode também acabar gerando insegurança jurídica em casos como o da contribuição sindical, que atinge um número muito grande de brasileiros. Diante das discussões discrepantes, o martelo somente estará batido com uma decisão do Supremo, especialmente porque a Reforma Trabalhista, há tão pouco tempo em vigor, polarizou o Judiciário, inviabilizando a condução do país. É preciso que o STF se manifeste o quanto antes sobre a constitucionalidade, ou não, sobre os vários pontos controversos da Reforma.
STF abarrotado
As entidades de classe já entenderam isso e, até o fim de fevereiro, a corte já contabilizava um pacote de 10 ações contra a facultatividade do imposto sindical. O argumento, além da necessidade de lei complementar para a definição de tributos, é de que o fim da obrigatoriedade da contribuição vai “comprometer irremediavelmente a manutenção das entidades que possuem o dever constitucional na defesa do trabalhador”, como coloca a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.900.
Os sindicatos, inclusive os patronais, que apoiaram a reforma, já sentem o peso da nova norma. Pelo fato de o fim do imposto sindical ter derrubado a arrecadação das entidades, organizações se viram obrigadas a reduzir o quadro de funcionários, além de cortar viagens e eventos. A queda de arrecadação chegou a 70% em alguns casos.
Se depender do presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), João Batista Brito Pereira, no posto desde fevereiro, os sindicatos terão de encontrar novas formas de financiamento. Para o juiz, esse é o momento de as entidades de classe demonstrarem que não são frágeis e utilizarem a “inteligência” para se sustentar. “Eles precisam adotar medidas para sobreviver e são os trabalhadores que decidem [se querem contribuir ou não]”, disse.
Tendência
Embora o Judiciário possa ser uma “caixinha de surpresas”, a tendência é que o dispositivo seja mantido após análise do STF.
Em 2009, a ministra Cármen Lúcia, atual presidente da corte, relatou o Recurso Extraordinário (RE) 564.901. Na ação, a BP Brasil, empresa do ramo petrolífero, contestava a desnecessidade de lei complementar para a instituição de contribuição de intervenção no domínio econômico (Cide), prevista no artigo 149 da Constituição Federal – justamente o mesmo dispositivo constitucional que chancela a contribuição sindical.
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Na ocasião, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) havia decidido que a lei complementar somente é imprescindível quando se tratar de impostos discriminados, não atingindo as contribuições. Cármen Lúcia, então, negou seguimento ao recurso, seguindo orientação jurisprudencial da Corte, no sentido de que que, embora as contribuições estejam sujeitas à lei complementar (artigo 146, inciso III, da CF), não significa dizer que deverão ser instituídas por esse tipo de lei.
A BP Brasil chegou a interpor agravo regimental contra a decisão da relatora, negado pela Primeira Turma do STF em 2011 – na época, composta pelos ministros Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Luiz Fux, além da própria Cármen Lúcia, todos ainda integrantes da Corte.
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