Sem estar ciente disso, Vernon Madison pode se tornar uma nota de rodapé no Direito Constitucional. Por mais de 30 anos, o Alabama vem tentando executá-lo por um crime que, sem dúvidas, ele cometeu: o assassinato, em 1985, de um policial. Por duas vezes o Estado o condenou à morte inconstitucionalmente (primeiro ao excluir afro-americanos do júri, depois por insinuar que o processo contemplava evidências inadmissíveis).
Num terceiro julgamento, o juiz responsável, que durante seu período na magistratura converteu mais prisões perpétuas (seis) que qualquer outro juiz do Alabama, desconsiderou a recomendação de prisão perpétua apresentada pelo júri e condenou Madison à morte.
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Os moinhos da Justiça trabalham vagarosamente quando o assunto é a pena capital, já que os tribunais a envolveram em protocolos jurídicos labirínticos. Enquanto isso, a vida de Madison, 68 anos, chegou ao fundo do poço. Após sofrer múltiplos derrames graves, ele desenvolveu demência vascular, doença degenerativa irreversível. Ele também é considerado legalmente cego (com campo de visão bastante baixo), sua fala é arrastada, tem diabetes tipo 2 e hipertensão crônica, não consegue caminhar sem ajuda e também tem incontinência urinária.
Devido à demência, ele não se lembra mais do crime que o colocou no corredor da morte pela maior parte de sua vida adulta. Agora, a Suprema Corte dos Estados Unidos vai analisar a constitucionalidade de sua execução.
Bryan A. Stevenson chefe em Montgomery (Alabama) da Equal Justice Initiative, ONG que fornece representação jurídica a prisioneiros que possam ter sido erroneamente condenados, diz que é incontestável o fato de que no terceiro julgamento pelo qual passou Madison já “sofria de uma doença mental marcada por delírios paranoicos”. Stevenson diz que Madison, que possui doenças neurológicas desde a adolescência e a quem no decorrer dos anos foram prescritos “diversos medicamentos psicotrópicos”, não consegue se lembrar de “diversos eventos” dos últimos 30 anos, “incluindo o episódio que culminou em sua prisão”. Ele também não se lembra do nome do policial que baleou.
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A mera formulação do assunto em questão – se Madison é “mentalmente capaz para ser executado” – nos leva a uma espécie de vertigem moral. Uma Turma de três juízes do 11º Circuito de Apelações dos EUA atestou, de forma unânime, que o condenado não preenche o requisito da capacidade por não compreender qual é a conexão entre seu crime e sua execução. A questão que se coloca diante da Suprema Corte é se a execução de Madison violaria a proibição da Oitava Emenda à Constituição dos EUA de “punições cruéis e incomuns”.
O tribunal afirmou que “talvez devêssemos questionar seriamente o valor retributivo de executar uma pessoa que não compreende por que lhe foi retirado o direito fundamental à vida”. Para muitos, a pena de morte para crimes especialmente hediondos satisfaz um senso de simetria moral. A retribuição – expressão catártica da sociedade para uma resposta proporcional à quebra de normas – não é, no entanto, a única justificativa que se dá para a pena de morte. A dissuasão é outra. Mas tal poder é muito pequeno, pois a pena de morte é tão esporádica. Como o processo que antecipa uma execução é bastante demorado, com duração média atual de 15 anos, os idosos no corredor da morte vão se tornar um problema.
O caso de Madison nos obriga a olhar para a pena de morte em sua realidade granular: auxiliar para que alguém que é desorientado mentalmente, e não recebe tratamento médico, seja amarrado a fim de que o carrasco possa encontrar uma veia – um problema comum com idosos – que vai receber a injeção legal. A pena de morte está desaparecendo porque o processo é caro e, portanto, desproporcional a qualquer melhoria palpável na segurança pública. Mas também por um escrúpulo saudável que nos fará bem.
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60 anos atrás, Earl Warren, então Chefe de Justiça dos EUA, escreveu que a Oitava Emenda – em especial a ideia de punições “cruéis” – “deve extrair seu significado dos padrões evolutivos de decência que marcam o progresso de uma sociedade em amadurecimento”. Duas ressalvas são apropriadas: “evoluir” não é sinônimo de “melhorar”, e uma sociedade pode se tornar, como está acontecendo com a América, infantilizada à medida que “amadurece”. Dito isso, certamente é verdade que os padrões de decência realmente evoluem e que os EUA melhoraram espantosamente desde 1958. Pense em vagões de trens separados por raça e todo o resto.
Os conservadores têm seus próprios padrões, inclusive esse: o Estado já está tão cheio de si que investi-lo com o poder de infligir a morte a alguém exacerba seu senso de majestade e delírios de adequação.
*George Will é jornalista vencedor do Prêmio Pulitzer.
©2018 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.
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