Crescendo tendo ao lado apenas irmãs, e não irmãos, aprendemos a aspirar a tudo aquilo de que somos capazes, sem “mas” nem “se”. Por isso, ainda que Ruth Bader Ginsburg não seja minha ministra favorita da Suprema Corte se o quesito for a sua jurisprudência, admiro profundamente o modo como ela provou ser tão capaz quanto qualquer homem de sentar-se na mais alta Corte dos Estados Unidos.
É por isso que fiquei tão empolgada ao assistir à sua recém-lançada cinebiografia, “Suprema” (On the Basis of Sex), que dramatiza o início de sua carreira e a sua luta para superar a discriminação sexual, não apenas em sua própria vida, mas também na legislação. No Brasil, o filme estreia no dia 14 de março.
O que me chamou a atenção no longa é o que ele não faz: reinterpretar o termo “sexo” na expressão “discriminação sexual” para que signifique “identidade de gênero”.
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No filme, Ginsburg escreve seu parecer no caso Moritz vs. Comissário da Receita Federal, defendendo que um solteiro havia sido discriminado por ser homem – ele teve negada uma dedução fiscal para ajudá-lo a custear o cuidado de sua mãe. Uma das alunas de Ginsburg na Universidade Rutgers fica responsável então por datilografar o texto final em uma máquina de escrever.
No fim da tarefa, a aluna timidamente comenta com a professora que, depois de datilografar o parecer página por página, uma palavra parecia saltar aos olhos ao longo de todo o texto: “sexo”. Ginsburg concorda que a conotação provocativa da palavra pode distrair demais e sugere trocá-la pelo termo “gênero”. Daí em diante, todos os personagens substituem o termo “sexo” por “gênero”.
Isso faz sentido se considerarmos o desenvolvimento histórico do termo “gênero”, que emergiu nos anos 1960 como uma distinção em relação a “sexo”, para indicar as expectativas sociais tradicionalmente associadas a um dos sexos.
Não me surpreendi de todo com a observação da aluna de Ginsburg sobre o parecer. De fato, a palavra “sexo” estava saltando aos olhos na primeira versão justamente porque a forma como determinados o sexo de qualquer espécie sexualmente dimórfica, incluindo os humanos, é observando a sua organização em relação à reprodução. O filme, assim, confirma essa realidade científica.
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Mais tarde no filme, Ginsburg está praticando a defesa de seu cliente em uma simulação de tribunal. Nesse encontro ficcional, uma das juízas é Pauli Murray, uma advogada afro-americana e ativista pelos direitos das mulheres, que alguns especulam que nos dias de hoje se identificaria como transgênero.
Ainda que a inclusão de Murray no filme tenha tido a intenção de sugerir que a identidade de gênero é a “nova fronteira” da igualdade, o diálogo atesta a natureza biológica do sexo.
No meio da calorosa arguição, Ginsburg é solicitada a explicar se a discriminação sexual é similar à discriminação racial. Ela responde pontuando que o sexo, como a raça, é um traço biológico e imutável. Tem razão.
A Ginsburg da vida real levantou esse argumento em seu parecer no caso Estados Unidos vs. Virgínia, em que ordenou que o Instituto Militar da Virgínia, a escola militar do estado voltada apenas para garotos, se tornasse aberto a garotas. Ela escreveu que “diferenças físicas entre homens e mulheres (...) são permanentes” e, citando o caso Ballard vs. Estados Unidos, acrescentou que “os dois sexos não são intercambiáveis”.
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O filme também tem razão a respeito da discriminação sexual. Historicamente falando, as mulheres tiveram negadas muitas das mesmas oportunidades que os homens tiveram devido a estereótipos nocivos sobre homens e mulheres. Estereótipos, como o de que homens são melhores em matemática ou de que mulheres são emotivas demais para atuar no campo jurídico, minam diretamente a igualdade entre os sexos – e as mulheres são aquelas que geralmente saem perdendo.
“Suprema” faz um belo trabalho retratando as maneiras sutis pelas quais a discriminação sexual pode se manifestar – do tratamento diferente dado a Ginsburg na Escola de Direito de Harvard aos comentários depreciativos do chefe do seu marido.
O filme realmente captura as mudanças para as mulheres com o passar dos anos – Ginsburg, por exemplo, diz aos juízes no julgamento de Moritz que 100 anos antes ela não teria permissão sequer para estar diante deles.
A realidade histórica da discriminação sexual e a realidade ontológica do sexo como uma característica biológica e imutável são exatamente as razões pelas quais seria errado reinterpretar o termo “sexo” em leis antidiscriminatórias.
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Infelizmente, isso não impede organismos estatais, ativistas e litigantes de argumentar que “sexo” pode significar “identidade de gênero” – um termo que por sua própria definição é fluido e subjetivo.
Reinterpretar “sexo” para que signifique “identidade de gênero” seria um erro tanto desde a perspectiva legal quanto em relação às políticas públicas. Legalmente falando, para que a nossa legislação permaneça inteligível, não podemos reinterpretá-la à vontade para conquistar novas finalidades políticas.
Ninguém sequer havia pensado em questionar o significado da palavra “sexo” na legislação antidiscriminatória exceto nos últimos anos, o que sugere que – para emprestar uma metáfora do filme – esse por assim dizer “novo sentido do termo” é uma mudança que se deve à temperatura do dia e não ao clima da cultura.
Do ponto de vista das políticas públicas, temos o dever de parar para pensar seriamente antes de implementar amplas políticas que têm graves implicações para mulheres e meninas – seja reinterpretando o termo “sexo” ou acrescentando “identidade de gênero” a leis antidiscriminatórias, como proposto pela assim chamada Lei da Igualdade.
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Quando mulheres são obrigadas a compartilhar espaços destinados a elas com homens biológicos, isso as torna menos propensas a relatar casos de abuso sexual e torna a aplicação da lei menos eficaz devido ao medo de acusações de discriminação.
Mulheres – e homens – têm o direito à privacidade em relação ao sexo biológico oposto. No caso Estados Unidos vs. Virgínia, Ginsburg escreveu que o Instituto Militar da Virgínia “deve indubitavelmente providenciar as alterações necessárias para garantir aos membros de cada sexo a privacidade em relação ao outro sexo em seus alojamentos”.
Qualquer política que almeje gerar igualdade para todos precisa levar em conta essas preocupações seriamente.
Então, qual é o veredito do filme? Eu o achei um filme agradável, que nos lembra que homens e mulheres são mais do que estereótipos – e que mulheres são igualmente humanas e por isso igualmente qualificadas para fazer grandes coisas.
Sou extremamente grata àquelas que me precederam e lutaram pelo meu direito de votar, estudar e trabalhar – e isso inclui Ginsburg. Postas à parte as diferenças judiciais, a considero um grande exemplo daquilo que as mulheres são capazes – e “Suprema” faz um belo trabalho ao retratar isso.
* Monica Burke é pesquisadora assistente no Centro DeVos para Religião e Sociedade Civil na The Heritage Foundation.
©2019 The Daily Signal. Publicado com permissão. Original em inglês.
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