A prisão para condenados em segunda instância voltou ao centro do debate. Desta vez, a polêmica envolve o estudo do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação Nacional do Ministério Público, que saiu em defesa do pacote anticrimes do ministro Sérgio Moro e reagiu contra o posicionamento da advocacia. Afinal, por que as entidades divergem sobre a prisão em segunda instância?
O debate sobre o tema teve o ponto alto durante o julgamento do processo envolvendo o ex-presidente Lula, condenado no caso envolvendo o triplex do Guarujá (SP). Lula foi condenado pela 13º Vara Federal Criminal da Justiça Federal, em primeira instância, com decisão confirmada em segunda instância pelos desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4).
No entanto, a discussão voltou à tona a partir da divulgação do estudo da OAB intitulado “Análise do Projeto de Lei Anticrime OAB Nacional”. No documento com 81 páginas entregue ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a OAB quer amenizar a prisão em segunda instância sugerindo condições para que isso ocorra. A entidade ainda pede o “aprofundamento da discussão” de outros temas previstos no projeto de Moro.
O conselheiro federal e coordenador do estudo da OAB sobre o projeto anticrimes, Juliano Breda, diz que o governo não abriu a proposta para discussão na sociedade.
“Na verdade, não houve debate. Nenhuma discussão pública, aberta, aprofundada com a comunidade acadêmica ou mesmo com as entidades do sistema de justiça. E, infelizmente, o ministro [Sérgio Moro] não aceita debater publicamente o seu projeto”, contesta.
Breda garante que a segurança jurídica é cumprir a Constituição e não ceder à pressão popular e da mídia. “Todos somos a favor do cumprimento da lei. Mas de todas as leis, inclusive e especialmente aquelas que contrariam o senso comum e o discurso fácil que atende ao clamor público”, alerta.
O conselheiro diz que não há acordo, pois “o que é inconstitucional é inegociável” e que a OAB “vai ao STF contra a aprovação de qualquer proposta inconstitucional”.
Já a associação que reúne membros do MP reagiu contra o estudo da OAB, por entender que, reverter o atual entendimento, traz insegurança jurídica.
De acordo com o presidente da entidade Victor Hugo Palmeiro de Azevedo Neto, o Ministério Público defende a prisão em segunda instância há muito tempo. “O direito se desmoralizou à medida que os processos não chegam ao fim. Nós sempre defendemos como questão de dignidade do direito penal, efetividade, para que possa exercer o papel de intimidação”, opina.
Para Neto, a Constituição não foi feliz na hora de estabelecer a presunção de não culpabilidade. “Temos que reafirmar o entendimento do STF. Se for o caso, regulamentar melhor, para restabelecer o papel intimidatório do direito penal. Com o reforço do projeto do ministro [Moro], tornaria mais clara a questão processual”, explica.
Sobre o posicionamento da OAB, o presidente da associação dos membros do MP acredita que é possível chegar a consenso. “Tem alternativas intermediárias, desde que não sejam impeditivas para o cumprimento da prisão em segunda instância. É natural que eles [advogados] queiram uma situação jurídica mais benéfica para aqueles que eles defendem, assim como o MP quer a responsabilidade criminal dos acusados”, ressalta.
STF e a segunda instância
Hoje, a Constituição prevê que ninguém pode ser preso senão em flagrante, ou, então, considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória – quando não há mais recursos.
Desde 2016, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) entendem que condenados em segunda instância possam iniciar o cumprimento da pena.
É o caso de processos que tramitam nos tribunais de Justiça, antes de recursos aos tribunais superiores, como Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo. A alteração proposta por Moro quer tornar lei a jurisprudência do STF.
Para o professor de direito penal da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Davi Tangerino, a prisão em segunda instância só será decidida com um posicionamento final do Supremo.
“Eu entendo que o texto constitucional é muito claro. Faz sentido uma lei estabelecer a prisão em segunda instancia? Eu entendo que não. Enquanto o Supremo não firmar, de uma vez por todas a correta interpretação da Constituição, a aprovação da lei fica sem sentido”, opina.
De acordo Tangerino, a mudança na lei proposta por Moro tem caráter político e pouco prático. “A lei é mais simbólica do que efetiva, e de impacto juridicamente pouco relevante. A bola está com o Supremo”, afirma.
Sobre o posicionamento do MP, o professor entende que é um discurso do exagero. “É muito comum dizer que aqueles que defendem trânsito julgado completo [para cumprir a pena] se alinham à impunidade. Eu discordo. Se no caso concreto houver motivos para prisão provisória, ele vai continuar apenando o preso”, ressalta sobre crimes envolvendo organização criminosa, por exemplo.
Já para o doutor em Direito e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), Aury Lopes Jr., a decisão do Supremo que autorizou a prisão em segundo grau de jurisdição é um grande erro.
“Ela viola a Constituição. A decisão gerou insegurança jurídica, além de equivocada, principalmente, porque representa 25% dos presos no Brasil em execução antecipada da pena”.
Para Lopes Jr., não há como chegar a uma decisão intermediária sobre a prisão em segunda instância. Ele cita o posicionamento do presidente da Suprema Corte, Dias Toffoli.
“Uma alternativa seria a execução após a decisão do STJ, que seria a mais adequada de política processual. Mas, tecnicamente, continuaria sendo uma execução inconstitucional porque não houve trânsito em julgado. Seria uma costura, para dar uma resposta politicamente adequada, mas processualmente inadequada”, explica.
PEC altera prisão em segunda instância
Uma das alternativas é a alteração via Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Na Câmara, dois projetos de autoria dos deputados Alex Manente (CD-SP) e Onyx Lorenzoni (DEM-RS) alteram o texto constitucional e dão novo entendimento: “ninguém será considerado culpado até a confirmação de sentença penal condenatória em grau de recurso”.
Para ser aprovada, uma PEC precisa de 308 votos dos 513 possíveis, em dois turnos, em cada uma das casas legislativas. Já o projeto de lei apresentado por Moro precisa apenas da maioria simples no plenário para ser aprovado.
No entanto, para juristas, alterar o artigo da Constituição utilizando a PEC traz mais segurança jurídica.
Acesse o estudo da OAB Nacional.
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