Os juízes federais Abel Gomes e Paulo Espírito Santo utilizaram dois principais argumentos para a suspensão do habeas corpus concedido pelo juiz federal Ivan Athié ao ex-presidente Michel Temer (MDB).
Nesta quarta-feira (8), em votação no TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região), eles defenderam a existência da contemporaneidade dos fatos e do risco à ordem pública, requisitos da prisão preventiva. A posição foi considerada controversa por especialistas ouvidos pela reportagem.
Os dois itens foram rejeitados por Athié ao final de março, que afirmou que os supostos atos ilícitos, inclusive a lavagem de dinheiro, teriam ocorrido há, no mínimo, quatro anos.
Nesta quinta (9), a Justiça Federal do Rio de Janeiro expediu a ordem de prisão de Temer e decidiu que ele tem até as 17h para se apresentar "espontaneamente".
Na votação de quarta, que durou mais de seis horas, Abel Gomes dedicou a maior parte de sua fala para expor os indícios de materialidade e autoria dos crimes, necessários para a decretação da prisão.
Em seguida, discordou de Athié ao sugerir que estão presentes contemporaneidade e risco à ordem. Gomes foi acompanhado por Espírito Santo em seu voto.
Gomes argumentou que a prisão preventiva é decretada sempre depois do fato, e que a prática dos supostos atos ilícitos poderia ter continuado, não tivesse sido interrompida pelo advento da Operação Lava Jato. "[Os fatos] só se tornaram antigos por causa da Lava Jato", disse.
O juiz federal também lembrou que Temer é alvo de seis denúncias, o que indicaria a reiteração dos delitos. "São fatos antigos ou são fatos reiterados que nunca cessaram?", questionou.
Gomes afirmou, ainda, que quando o ex-presidente viola a ordem pública, dá um mau exemplo para todos os cidadãos. "Não se trata de perigo à ordem pública (...). Se trata de lesão, abalo, dúvida, mau exemplo", disse.
Especialistas consultados pela reportagem discordam dos argumentos apresentados pelos juízes federais. O advogado criminalista Davi Tangerino, professor da FGV-SP, diz que supor que as supostas práticas ilícitas teriam continuado se não tivessem sido interrompidas pela operação é um "exercício de futurologia".
"Não dá para prender hoje por uma suposição de que, se não fosse a Lava Jato, [o crime] teria continuado", afirma.
Tangerino defende que, para a decretação da prisão preventiva, seriam necessários elementos contemporâneos que a justificassem, como coação de testemunhas, destruição de provas, tentativa de fuga ou notícia de que Temer continuasse praticando fatos semelhantes aos investigados na ação penal.
Ele também diz que o citado mau exemplo do ex-presidente não justificaria sua prisão. "Não existe hipótese de prender para passar um recado para a sociedade. Não é um fundamento legal."
Gustavo Badaró, professor de direito penal na USP, concorda que a exemplaridade é função da pena, e não da prisão preventiva. "Quando [a Justiça] quer prender preventivamente para dar exemplo, é uma confissão de que o Poder Judiciário falha em julgar as pessoas em prazo razoável", afirma.
O professor argumenta que o pedido de prisão preventiva despachado pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Criminal, não demonstra que a liberdade de Temer seria um risco para o processo. "A decisão tem 40 páginas falando de indícios e uma página e meia dizendo que é contemporâneo, mas não consegue demonstrar", diz.
Para defender a prisão preventiva, o Ministério Público Federal apresenta outros argumentos que não foram citados pelos juízes nesta quarta. A Procuradoria diz que os escritórios da empresa Argeplan, do coronel João Baptista Lima Filho, passavam por limpeza diária e que os funcionários eram orientados a manter os ambientes vazios, o que indicaria a ocultação de provas.
"A busca na Argeplan foi em 2017. Se fizeram em 2017 e não encontraram prova nenhuma, qual a contemporaneidade que existe para prender o Temer em meados de 2019?", questiona Badaró.
O Ministério Público expõe, ainda, o que entende como outra tentativa de atrapalhar a investigação. A Procuradoria diz ter encontrado com os envolvidos documentos que continham informações sobre os investigadores.
O advogado criminal Pierpaolo Cruz Bottini, professor da USP, argumenta que a prisão se justificaria somente se os agentes estivessem sendo ameaçados, subornados ou corrompidos.
"Ter informação sobre o policial, o delegado, o que ele pensa... A gente faz isso o tempo todo com o juiz. É absolutamente legítimo para montar a estratégia processual."
Por fim, o órgão defende a contemporaneidade dos supostos atos ilícitos ao afirmar que a lavagem de dinheiro representa um crime contínuo até o branqueamento dos valores.
Pierpaolo lembra que o entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal) é de que a lavagem de dinheiro é, sim, um crime permanente. Ainda assim, ele ressalta que a continuidade do crime acaba quando as autoridades identificam os valores.
"Ou encontraram e não está mais oculto, assim não tem permanência, ou não encontraram, e aí é uma tese da acusação que não pode ser entendida como verdadeira nesse momento do processo." Assim, segundo ele, a prisão preventiva não estaria justificada.
A defesa de Temer, por sua vez, nega que o ex-presidente tenha cometido qualquer ato ilícito, o que afastaria sua prisão. Seus advogados argumentam que não há elemento comprobatório para a colaboração premiada que foi ponto de partida para a denúncia.
Temer foi preso preventivamente no dia 21 de março, acusado de chefiar uma organização criminosa que recebeu R$ 1 milhão em propina sobre o contrato de construção da usina nuclear de Angra 3.
O Ministério Público Federal afirmou que chega a R$ 1,8 bilhão o montante de propinas solicitadas, pagas ou desviadas pelo grupo de Temer. Segundo a Procuradoria, a organização age há 40 anos obtendo vantagens indevidas sobre contratos públicos.
No dia 2 de abril, Bretas aceitou duas denúncias contra o ex-presidente, que se tornou réu na Lava Jato do Rio. Ele responderá sob a acusação dos crimes de corrupção, peculato e lavagem de dinheiro.
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