• Carregando...
 | Reprodução/Flickr/Cellula Nucleo
| Foto: Reprodução/Flickr/Cellula Nucleo

Um projeto para tornar o funk crime contra a saúde das crianças, dos adolescentes e da família tramita no Senado Federal. A Sugestão Legislativa (SL) 17/2017 está na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, sob a relatoria do senador Romário (PSB-RJ). Embora ainda não exista um projeto de lei que atenda a sugestão, o tema despertou polêmica sobre os limites da liberdade de expressão no Brasil. 

No site e-cidadania do Senado Federal, é possível decifrar que o autor da ideia, o paulista Marcelo Alonso, considera os pancadões “recrutamento organizado” para traficantes, “prática de crime contra a criança e o menor adolescentes (sic)”, além de “agenciamento, orgia e exploração sexual, estupro e sexo grupal entre crianças e adolescente, pornografia, pedofilia, arruaça, sequestro, roubo e etc.”. 

Liberdade de Expressão 

Para Ronaldo Porto Macedo Junior, professor titular de Filosofia do Direito da USP e da FGV-SP, embora as leis e a jurisprudência brasileira aceitem a restrição da liberdade de expressão em alguns casos, a proposta de criminalizar o funk seria inconstitucional. Macedo Junior publicou recentemente um artigo sobre liberdade de expressão no Brasil. “Essa ideia, como está proposta, não faz sentido”, diz. 

“Não é possível restringir o conteúdo de uma expressão cultural dessa forma”, afirma o professor. “Se uma letra de música ofender especificamente alguém, já há os limites impostos pela legislação que protege a honra”, diz Porto Macedo. “Mas a doutrina e a jurisprudência brasileira são um pouco oscilantes sobre isso, porque alguns dispositivos legais autorizam algum tipo de controle de conteúdo, como racismo, com base num entendimento amplo do que significa ‘incitar’ ou ‘fazer apologia’ de algo”, ressalva. 

Igualdade 

Para o professor da USP, uma proibição genérica dos bailes funk ou da veiculação das músicas em rádios seria não só uma violação da liberdade de expressão, mas também do princípio da igualdade. “Ainda não sabemos o que será esse projeto, mas uma proibição abstrata do funk poderia ser vista como uma política discriminatória por ser voltada a determinado grupo social, em que predominam pobres e negros. Isto precisa ser discutido pelo debate político: ainda que se admitam restrições à liberdade de expressão, você poderia ter um olhar especialmente censor e repressor contra o funk?”, pondera. 

O que é possível de forma genérica, segundo Macedo Junior, são algumas medidas que a legislação já prevê, como o controle da presença de menores de idade nos bailes funk, restrições à poluição sonora ou limites ao incômodo, nos termos da legislação de vizinhança. “O limite legal além disso, no que entendo possível, seriam campanhas públicas contra certos tipos de conteúdo que porventura apareçam nas letras de música, como o uso de maconha ou o sexo prematuro, mas nada que seja semelhante à censura”, opina. 

Poder do Estado 

O filósofo Francisco Razzo, autor do livro A Imaginação Totalitária, enxerga com preocupação a Sugestão Legislativa 17/2017 e questiona a intenção de lidar com questões estéticas e culturais invocando o aparato repressivo do Estado. “O funk tem problemas estéticos e morais, mas proibi-lo seria uma ingerência excessiva do Estado”, diz. “O meio correto para aperfeiçoar o senso estético e o senso moral das pessoas não é através da coerção estatal”, completa. 

“O problema da sexualidade, do mau gosto, é um problema da família, de alguma associação de amigos do bairro, das igrejas. Nunca do Estado, que não pode ser policial até esse ponto. Isso apagaria qualquer limite aos poderes do Estado”, opina Razzo. 

Sugestão Legislativa 

De acordo com a Resolução 19/2015 e o Regimento Interno do Senado, toda ideia legislativa que alcança a marca de 20 mil assinaturas de apoio dentro de um prazo de quatro meses deve ser encaminhada como sugestão legislativa à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa da casa.

As sugestões vão então para um relator, que apresenta um parecer sobre a ideia. Se a Comissão aprovar, a sugestão é transformada em proposição legislativa e segue para a Mesa do Senado, começando a tramitar como um projeto de lei ordinária. 

Atualmente, há 26 ideias legislativas com mais de 20 mil assinaturas de apoio.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]