Em tempos de eleições presidenciais, é natural que os eleitores se voltem, de forma majoritária, às propostas dos candidatos, em especial nos campos social e econômico. Nesse processo, entretanto, um ponto importantíssimo costuma ser ignorado pelos brasileiros: quantos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) o próximo chefe do Executivo nacional poderá indicar, e qual deve ser o perfil desses indicados.
O presidente eleito em 2018 escolherá a dedo os dois ou até cinco ministros que deverá indicar ao Supremo Tribunal Federal (STF) nos próximos anos. Como o tribunal é peça-chave no julgamento de políticos e partidos nas denúncias de corrupção, quem assumir o Palácio da Alvorada em 2019 estará preocupadíssimo em colocar pessoas de sua confiança.
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O julgamento do mensalão soou um sinal de alerta em todos os partidos: é preciso colocar aliados no Supremo. José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares, João Paulo Cunha, José Borba e outros 20 condenados que o digam.
Tendo como pano de fundo esse cálculo político, Dilma escolheu Luís Roberto Barroso (2013) e Edson Fachin (2015), velhos amigos do Partido dos Trabalhadores. A fim de evitar que a presidente apontasse outros cinco nomes, a oposição votou às pressas a chamada PEC da Bengala, em 2015, que aumentou de 70 para 75 anos a aposentadoria compulsória dos ministros. Em 2017, seguindo o exemplo de sua antecessora, Michel Temer optou pelo aliado Alexandre de Moraes para a vaga deixada por Teori Zavascki, morto em um acidente de avião em fevereiro, que ficará no STF até completar 75 anos, em 2043.
O que se pode esperar, afirmaram especialistas ouvidos anteriormente pela reportagem, nesse cenário, é que se o próximo presidente for, por exemplo, Jair Bolsonaro (PSL), haverá um cuidado grande em relação a nomeações de juristas garantidamente conservadores. Um político de linha mais progressista, como Manuela D’Ávila (PCdoB) ou um nome do PT, certamente se preocupará em indicar nomes mais jovens e de esquerda.
Em relação a Bolsonaro, há ainda outro “agravante”: o pré-candidato afirmou que, caso eleito, vai aumentar de 11 para 21 o número de ministros da Corte. Assim, ele garantiria, para si, a indicação da maioria absoluta dos integrantes do tribunal. Para Bolsonaro, os candidatos ideais seriam pessoas com o perfil do juiz Sergio Moro.
"Com pessoas do perfil dele, a gente muda as decisões do Supremo, que lamentavelmente têm envergonhado a todos nós nos últimos anos (...).. Temos discutido aumentar para 21 [o número de ministros]. É uma maneira de botar dez isentos lá dentro”, disse em entrevista à TV Cidade, de Fortaleza (CE).
Na prática, é difícil que a vontade do presidenciável vá para frente. Seria necessária a aprovação de, no mínimo, uma emenda constitucional.
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Até 2021, dois dos 11 ministros sairão do STF: Celso de Mello e Marco Aurélio. Se Cármen Lúcia se aposentar em breve, como já chegou a dar sinais, serão três ministros escolhidos pelo novo presidente no primeiro mandato. Pensando em uma provável reeleição – desde Fernando Henrique, todos os ex-presidentes foram reeleitos –, o novo presidente escolheria ainda mais dois ministros, já que Rosa Weber e Ricardo Lewandowski completam 75 anos em 2023 (e um segundo mandato presidencial terminaria apenas em 2026).
Ficam na Corte os claramente os mais à esquerda Luís Roberto Barroso e Edson Fachin. Mais à direita, permanecem Gilmar Mendes, escolhido por Fernando Henrique Cardoso, e Alexandre de Moraes. Dias Toffoli e Luiz Fux, indicados, respectivamente, por Lula e Dilma, apesar de designados pela esquerda, têm tomado decisões consideradas mais ao centro. Confira o infográfico.
Não é tão simples
É possível, então, afirmar que se alguém mais à esquerda sair vitorioso nas eleições de 2018, teremos no STF sete ministros progressistas contra dois conservadores e dois centristas? Ou se Bolsonaro vencer o pleito de outubro teremos sete ministros conservadores, dois progressistas e dois centristas?
Não é bem assim, basicamente por dois motivos. Primeiro porque depois de assumirem uma cadeira no tribunal, os ministros ganham garantias para votar contra aqueles que o nomearam – e de fato o fazem. Isso se verificou não apenas no mensalão, mas também em várias outras decisões.
‘É razoavelmente difícil aparelhar o tribunal. O cargo de ministro dá garantias suficientes contra isso. Quem quer agir partidariamente faz porque quer’, afirmou anteriormente ao Justiça Rubens Glezer, professor da Escola da Direito da FGV-SP.
O segundo motivo pelo qual essa equação não é assim tão linear é que, ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos, não é possível etiquetar cada um dos ministros como “puro conservador” ou “puro progressista”.
O mesmo Gilmar Mendes que votou a favor do ensino religioso nas escolas, deu um parecer favorável à união homossexual e, ao contrário do que se esperaria de um conservador convicto, não é nada duro com os criminosos (principalmente se são políticos).
Já Barroso, herói dos progressistas e da esquerda, é rigoroso nas questões carcerárias, sendo ferrenho defensor do cumprimento da pena de prisão após condenação em segunda instância. Um mesmo ministro pode ser conservador nos costumes e liberal na economia, por exemplo, ou liberal nos costumes e conservador em questões trabalhistas. E por aí vai.
Também é possível acrescentar outros motivos que impedem prever como votarão os ministros, como a importância de determinado caso para a opinião pública.
“Há situações específicas de processos, ou como foram decididos, como o da união homossexual que, mesmo dando declarações contrárias na imprensa, os ministros votaram a favor. Isso acontece porque, em alguns temas, o ministro tende a não querer ser o único dos 11 que votou contra a história”, disse à reportagem Ivar Hartman, da FGV-RJ.
E o cidadão comum?
Para o eleitor, existe um grande risco caso os próximos ministros da Corte sejam escolhidos apenas para controlar operações como a Lava Jato: o de serem fracos para julgamentos mais importantes com impacto direto na vida cotidiana, como a liberação do aborto até a 12ª semana de gestação (ADPF 442) e a descriminalização do porte de pequenas quantidades de maconha para consumo pessoal (RE 635659).
Recentemente, por exemplo, a Corte precisou decidir sobre um ponto importante da reforma trabalhista, que foi o reconhecimento da constitucionalidade do fim da obrigatoriedade da contribuição sindical obrigatória. O assunto mexe com a vida de milhões de trabalhadores brasileiros.
“Processos de corrupção são uma parcela mínima das responsabilidades de um ministro do STF, e é um perigo escolher alguém que vai ficar muitos anos no cargo apenas pensando só no papel que ele terá na Lava Jato”, alertou Jefferson Mariano Silva, também da FGV-SP. “Essa escolha pode ter repercussões não esperadas em outras agendas, uma miopia com prejuízos no futuro”.
Democracia em risco
O Supremo vem se fortalecendo nos últimos anos por mudanças na legislação, no regulamento interno da Corte e pela postura dos próprios ministros, cada vez mais políticos. Como nunca antes na história do país, os ministros conquistaram a competência de tomar muitas decisões monocráticas, sem a necessidade de outra opinião, e o plenário do tribunal passou a interpretar além da letra da lei em alguns assuntos, tentando, à la Robin Hood, fazer justiça com as próprias mãos para resolver demandas não contempladas pelo Congresso.
Entre os estudiosos, há um consenso de que, cada vez mais, os ministros têm extrapolado suas funções e acabam assumindo o papel de legisladores, ferindo a divisão de três poderes estabelecida na Constituição, lei que se comprometeram a defender. Um risco para a democracia.
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Há muitas sugestões para tentar melhorar a qualidade da Corte, como mudar a forma como 11 pessoas adquirem tanto poder perante a nação, que é por meio da escolha presidencial com aprovação do Senado, fórmula utilizada por outros países. E também estabelecer uma idade mínima para a entrada no STF (Dias Toffoli, por exemplo, entrou no Supremo pouco antes de completar 42 anos e ficará no cargo por 33 anos) ou criar um limite para o mandato, como 12 ou 15 anos.
Uma comparação com os EUA
A situação brasileira é bem diferente se comparada com a dos Estados Unidos, mas a análise do que ocorre por lá pode iluminar as discussões no Brasil. Nos EUA, é fácil definir a linha ideológica dos juízes da Suprema Corte com base em suas decisões. A importância da nomeação dos magistrados pelo chefe do Executivo do país também já foi percebida há tempos pela sociedade, tendo sido pauta importante nas eleições norte-americanas de 2016.
Mais do que uma “batalha” entre o masculino e o feminino, um candidato conservador e uma progressista, republicanos e democratas, mais receite pleito para o Executivo nacional no país elegeria um presidente com a prerrogativa de indicar, no mínimo, um nome à Suprema Corte.
A vaga certa era a aberta com a morte do conservador Antonin Scalia em fevereiro de 2016 – apesar da possibilidade de aposentadoria, se assim o juiz desejar, nos EUA o cargo é vitalício. Como Scalia morreu enquanto Obama ainda estava no poder, cabia ao democrata nomear alguém ao cargo.
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Ocorre que o Senado, de maioria republicana, recusou-se a sabatinar o liberal* moderado Merrick Garland, escolhido pelo ex-presidente, e a indicação foi arquivada ao fim da legislatura de Obama. Quem acabou ocupando a vaga foi Neil Gorsuch, indicado por Donald Trump em janeiro deste ano e confirmado pelo Senado em abril. Gorsuch, assim como seu antecessor, é um conservador.
Com o anúncio da aposentadoria do juiz Anthony Kennedy, feito no dia 27 de junho, no entanto, Trump ganhou a chance de dar uma guinada conservadora à Corte. Até o momento, o tribunal vive uma situação de equilíbrio. Dos nove juízes que o compõe, quatro são liberais, quatro são conservadores e Kennedy, que fica no cargo até o fim de julho, é o que se chama de swing voter. Esse juiz é alguém cujas decisões não são tão fáceis de prever, mas que exercem papel fundamental no resultado de uma discussão.
Como a nova indicação de Trump certamente será conservadora, a balança vai pender para esse lado por mais uns bons anos. O republicano pode, ainda, nomear outros dois ministros para o tribunal. Isso porque dois dos magistrados liberais, indicados por Bill Clinton, Ruth Bader Ginsburg e Stephen Breyer, têm, respectivamente, 85 e 79 anos. Durante sua campanha, uma das principais promessas de Trump foi a de nomear magistrados mais conservadores.
Uma mudança na composição ideológica do tribunal, priorizando o conservadorismo, poderia indicar a revisão – e consequente reversão – da agenda mais progressista, vez que existe a possibilidade de o juízo superar precedentes por meio de uma nova decisão da Corte.
Um exemplo é o caso Roe v. Wade, decidido em 1973 e por meio do qual o direito ao aborto foi reconhecido, por 7 a 2, nos EUA. A possibilidade de interrupção voluntária da gravidez tem sido questionada na Suprema Corte desde então, com a manutenção do parecer de que a escolha final cabe à mulher. Com maioria conservadora na Suprema Corte, no entanto, mudanças no entendimento podem acontecer.
* Nota das editoras: Importante ressaltar que no cenário norte-americano o termo liberal é usado também para quem se identifica com pautas progressistas nas áreas de comportamento e costumes.
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