Um “aborto jurídico”. Assim foi classificada por juristas a ação ingressada pelo PSOL e pelo Instituto Anis no Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar descriminalizar o aborto no Brasil até a 12ª. semana de gestação. Os especialistas participaram de uma audiência pública realizada nesta quarta-feira (30) na Câmara dos Deputados, com a presença de deputados e senadores.
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Além do mérito da ação, os especialistas questionaram o instrumento utilizado para conseguir esse fim, um atalho não previsto pelo Estado Constitucional de Direito: que o STF defina, à revelia do que diz a letra da lei, que o aborto seria aceitável até o terceiro mês, como pede a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442. O caminho previsto na Constituição para mudar uma lei é o Congresso Nacional, e não o STF.
“Chama muito a atenção que um partido, chamado a discutir com os seus iguais, recorra ao paternalismo, ao STF, para legislar sobre um tema de tal importância jurídica”, afirmou a advogada e doutora em Filosofia do Direito Angela Vidal Gandra Martins. A iniciativa, segundo a advogada, frustraria a vontade política de milhões de brasileiros, como mostram as últimas pesquisas de opinião sobre o tema.
O PSOL também foi criticado por postar fotos de deputados com a inscrição “ousadia necessária [a de procurar o STF, sem este ter legitimidade para isso] para aprovar o aborto no Brasil”, com uma propaganda que não explica como é um aborto – em geral, essas campanhas nunca mostram imagens intrauterinas, de como é um feto nas poucas semanas de vida.
“Será que os deputados tirariam a mesma foto, segurando a cabeça e outros membros dos fetos abortados com a mesma frase, ‘ousadia para aprovar o aborto no Brasil?’”, disse João Paulo Leão Veloso Silva, procurador-geral de Sergipe
Messianismo do STF
Na audiência , lembrou-se ainda a famosa decisão do ministro Luís Roberto Barroso, ao dar um habeas corpus em novembro de 2016 para médicos de uma clínica de abortos. Em seu voto, ele incluiu uma interpretação original, juridicamente equivocada, que não estava citada na ação, defendendo, ao contrário do que diz a lei, que o aborto até o terceiro mês de gestação não seria crime.
Nesse ponto, a lei é clara: o Código Penal , em seus artigos 124, 125 e 126, afirma que o aborto é crime, com pena de um a três anos de detenção, se provocado pela gestante e com o seu consentimento, e de reclusão de um a quatro anos se provocado por terceiro com o consentimento da gestante. A legislação prevê ainda dois casos em que o aborto não é penalizado, quando a gestação é resultado de um estupro ou existe risco de vida para a mãe. O STF também criou um terceiro caso de não penalização, quando a gestação é de um bebê com anencefalia.
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Em seu voto, Barroso manifestou que, em sua opinião, entendia que a legislação vigente estava ultrapassada em relação à Constituição e feriria os direitos das mulheres. À época, juristas como a doutora em Direito pela USP, Regina Beatriz Tavares da Silva, consideraram que Barroso teria violado flagrantemente a divisão de poderes. Não fazia sentido, afirmou a advogada, o argumento do ministro de que o trecho do Código Penal não teria sido recepcionado pela Constituição porque o artigo 5.º garante o direito à vida.
“Onde a Constituição mudou a preservação do direito à vida? O texto constitucional fala que a vida é um direito fundamental, e não diz se começa com dois ou três meses de vida”, critica a advogada. Lembrou-se ainda que o Código Civil, no artigo 2º, defende os direitos do nascituro desde a concepção.
Na audiência, o procurador João Paulo Leão Veloso Silva apontou os riscos de atitudes como a do ministro Barroso. “Há certo messianismo na visão que o STF tem de si próprio, que os faz pensar que só eles possam dar boas soluções para o Brasil, sentimento de superioridade de preparo e avaliação em relação aos outros”, afirmou.
“O ministro Barroso acredita que será melhor para o Brasil a descriminalização do aborto, que para ele é um valor. Ele sempre diz que tenta ser uma pessoa boa, mas em nome disso viu a possibilidade de impor aos outros o que ele considera ser o melhor”, considerou. “Se o Parlamento erra, recorre-se ao STF. Mas se o STF erra, recorre-se a quem? O STF tem instrumentos para se tornar um órgão arbitrário. O STF é o local para preservar direitos, não para criá-los. O local para a conquista de direitos é aqui, no Congresso”, disse.
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