Um retrocesso. Foi como Raquel Dodge se referiu a uma possível revogação do entendimento de que réus condenados em segunda instância comecem a cumprir, de imediato, a pena. A Procuradoria-Geral da República (PGR) encaminhou manifestação ao Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o assunto na última quinta-feira (16). Mas quais são as chances reais de a Corte mudar seu entendimento a respeito da questão?
Em outubro de 2016, o tribunal reconheceu, em Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) propostas pelo Partido Ecológico Nacional (PEN) e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que a execução provisória da pena não é inconstitucional. Assim, réus condenados em segunda instância já podem ficar presos, mesmo que ainda haja a possibilidade de recorrer da sentença. O entendimento seguiu decisão proferida pelo Supremo em fevereiro do mesmo ano, ao analisar um habeas corpus, no sentido de que pena pode ser executada depois da condenação pelo tribunal da instância anterior.
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Em fevereiro, a votação foi de 7 a 4, enquanto em outubro a diferença ficou mais apertada: 6 a 5 (veja como votou cada ministro). O único a revisar o voto foi Dias Toffoli, que em fevereiro votou a favor da execução provisória e em outubro se manifestou de forma contrária.
Na época do julgamento, contudo, o ministro relator das ações da OAB e do PEN no STF, Marco Aurélio, ressaltou que a decisão foi a respeito da medida cautelar, e não sobre o mérito dos processos. Haveria, portanto, a chance de o tribunal “voltar atrás” em seu entendimento, daí a preocupação de Raquel Dodge. Além da PGR, manifestaram-se sobre as ações a Advocacia Geral da União (AGU) e o Senado Federal – ambos contrários à execução da pena após a condenação em segunda instância.
O fator Gilmar
A maior preocupação de quem defende o atual entendimento do tribunal é a mudança de posicionamento de Gilmar Mendes, que votou a favor da prisão imediata do condenado em segunda instância. Mas no último mês de maio, o jurista defendeu abertamente que o STF reveja a questão. Gilmar estaria convencido dos argumentos apresentados por Dias Toffoli – que também já esteve do “outro lado” – no julgamento de outubro de 2016. Para o juiz, a pena só poderia começar a ser executada após o julgamento de recurso especial encaminhado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
“O ministro Toffoli fez um avanço que eu estou a meditar se não devo também seguir, no sentido de exigir pelo menos o exaurimento da matéria no STJ. Nós tínhamos aquele debate sobre a Defensoria Pública, que dizia que muda muitos julgamentos ou consegue uniformizar em sede de STJ. De modo que esse é um tema que nós temos talvez que revisitar”, afirmou Gilmar.
Importante salientar que meses após essa afirmação, o ministro suspendeu a execução da sentença de um empresário condenado em segunda instância a quatro anos e dois meses de prisão. Ocorre, porém, que há a incógnita Rosa Weber. Num primeiro momento contrária à imediata execução da pena do condenado em segunda instância, a ministra indicou que tem refletido sobre o tema. É possível, portanto, que ela também mude de lado.
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Caso isso aconteça, estará nas mãos do substituto de Teori Zavascki, morto no primeiro semestre deste ano, desempatar a questão. Alexandre de Moraes, que assumiu sua cadeira na Corte em maio, tem decidido como seu antecessor, que votou com a maioria. Moraes justifica seu posicionamento, entretanto, por este ser o entendimento que prevalece – e defende que a discussão seja retomada.
“O que não se pode no direito é loteria. O que não se pode no direito é a figura mais importante ser o computador, que distribui para o ministro A ou para o B. Se for para o A, tem liminar. Se for para o B, não. Alguns ministros concedem liminar, outros não concedem para casos absolutamente idênticos”, afirmou em um evento realizado no mês passado.
O assunto, no entanto, vai esperar mais um pouco. É que Cármen Lúcia, presidente da Corte, não deve pautar nenhuma ação que faça com que a questão seja revista. Até lá, que siga a insegurança jurídica.
Linha editorial
Conheça melhor o posicionamento da Gazeta do Povo a respeito da execução da pena após a condenação em segunda instância:
“A decisão do STF restabelece o bom senso e demonstra um respeito à própria Justiça – especialmente aos magistrados dos TJs e TRFs, cujo trabalho, por sua enorme relevância, jamais deveria ser algo sempre dependente da chancela de uns poucos ministros em Brasília. De um lado, assegura precisão e segurança ao manter o duplo grau de jurisdição. De outro, garante a duração razoável do processo, tornando a justiça efetiva e permitindo que o Judiciário desempenhe verdadeiramente seu papel.” [Leia mais ]