Sofrer uma injustiça é bastante doloroso e revoltante. Estimar os sentimentos de uma pessoa vítima de atos cujos danos podem ser irreversíveis, então, é tarefa quase impossível. Os erros médicos se enquadram nesta situação.
Em muitos casos, não é possível desfazer as sequelas de um procedimento mal planejado ou mal executado. Isto não significa, porém, que a vítima deva suportar esses danos calada, sem que haja qualquer reparação.
A lei brasileira é clara com relação aos deveres dos médicos e instituições em garantir os direitos dos pacientes que sofreram algum tipo de erro médico. Entre outros pontos, está prevista a reparação integral do dano, seja ele material (valores gastos, que serão gastos e que se deixou de ganhar por causa deste evento), dano moral (caso haja a lesão à integridade moral do paciente) e danos estéticos. Os últimos importam não necessariamente na diminuição da beleza, mas sim na deformidade causada à integridade física do paciente em comparação ao corpo antes da intervenção. Ou seja, os danos estéticos visam reparar a lesão à integridade física do indivíduo.
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Muitas pessoas, no entanto, desistem de buscar seus direitos, considerando toda a morosidade que um processo pode ter, baseadas na ideia de que o médico, mesmo sendo um mau profissional, irá continuar intocável.
Segundo estudo realizado no final de 2017 pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em parceria com o Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), três pessoas morrem a cada 5 minutos nos hospitais no país em decorrência de alguma falha médica. Em 2016, o número de mortos chegou a 302,6 mil.
Em paralelo, de 2010 a 2017, o Conselho Federal de Medicina puniu 2,1 mil médicos. No entanto, 59% das punições foram sigilosas e 96,3% dos punidos continuaram a exercer a medicina. Ou seja, a despeito da gravidade das falhas, as punições têm sido, no mínimo, frágeis e desproporcionais. O erro médico mata mais que câncer no Brasil. Em contrapartida, apenas uma pequena fração destes profissionais são punidos.
Mas como reverter esse quadro? Acredito que o primeiro passo é o de informar o cidadão, que deve saber identificar o erro médico, para que seja possível combatê-lo e repará-lo. Dessa maneira, aumentam as chances de o causador do dano ser punido de maneira exemplar.
Resumidamente, erro médico é um ato, praticado pelo médico no exercício de sua função, que causa danos à pessoa. Para caracterizá-lo, é preciso identificar, inicialmente, se a obrigação do profissional era de meio ou de resultado, pois isso gera reflexos intrínsecos na apuração da responsabilidade do profissional.
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A obrigação de meio é aquela em que o médico é impossibilitado de garantir o resultado. Ele irá empenhar todo o seu conhecimento e melhor técnica para tentar chegar à “cura” do paciente. Já a obrigação de resultado se dá quando o médico garante o resultado. Um exemplo seriam os casos de intervenções estéticas, cirurgias plásticas, etc.
Caso a obrigação seja de meio, deve ser apurada a culpa do médico - isto é, verificar se houve negligência, imprudência ou imperícia na sua atuação. É a chamada responsabilidade subjetiva. Nos casos das obrigações médicas de resultado não haverá a necessidade de verificar a culpa, pois ele está obrigado a entregar o resultado prometido. Qualquer resultado diverso do esperado deverá ser reparado, tratando-se aqui de responsabilidade objetiva.
O médico deverá ser responsabilizado em outras situações, como por exemplo ao não informar o paciente dos possíveis resultados negativos que a intervenção pode ocasionar, pois essas informações afetam diretamente sua decisão de se submeter ao tratamento ou cirurgia. O profissional também deverá indenizar o paciente quando agir de forma contrária à sua vontade manifestada, como, por exemplo, o paciente não querer realizar um procedimento de uma determinada maneira e o médico realiza-o mesmo assim.
Vale lembrar também que o erro médico pode ser advindo de três espécies de conduta: 1) erro de diagnóstico, 2) erro de procedimento ou 3) erro no procedimento.
O diagnóstico é equivocado quando destoa da realidade do paciente. Ele irá direcionar o procedimento ou tratamento errado que, embora executado com correção, não produzirá o efeito desejado, pois o diagnóstico da doença foi equivocado.
Erro no procedimento escolhido é quando se acerta o diagnóstico mas se erra no tratamento sugerido. É falha no tratamento em si, na intervenção invasiva na medicação prescrita.
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Já o erro no procedimento significa que o diagnóstico foi correto, o procedimento escolhido também é o adequado, mas houve falha ou má execução do profissional durante a aplicação desse procedimento. Como, por exemplo, fazer intervenção cirúrgica no joelho errado, perfurar um órgão durante a cirurgia, entre outros.
Outro ponto muito importante é identificar o responsável pelo erro. É possível que tanto o médico, como o hospital e o plano de saúde respondam individual ou solidariamente pelo erro praticado pelo médico. As instituições respondem quando há vínculo e a responsabilidade se divide por uma série de circunstâncias, como, por exemplo, o atendimento ter ocorrido via plano de saúde em hospital credenciado ou a falha ter relação com os três agentes envolvidos. No entanto, a depender do caso, é possível que ainda nessas situações a responsabilidade seja individualizada, não só em situação de dano como até de falecimento do paciente.
A exemplo, podemos ter causas em que a responsabilidade saia da esfera de atuação do próprio médico, como são os casos de infecção hospitalar, acomodações sem condições de uso, instrumentos inadequados, má prestação de serviço de enfermagem, má prestação de serviço na hotelaria ou dano resultado de atitudes de omissão médica são algumas das possibilidades mais recorrentes.
Em resumo, o paciente deve saber que a lei está com ele e que é possível obter reparação em caso de erro médico. Penso, inclusive, que a busca da reparação destes danos traz benefícios em uma via de mão dupla, pois além de assegurar os direitos daquelas pessoas que foram lesadas, coibindo futuros atos lesivos praticados por estes profissionais, valoriza o bom profissional da área da saúde, que atua sempre alinhado com os princípios éticos-legais decorrentes da prática da medicina.
* Caio Guimarães Fernandes é sócio-fundador da Bonatto & Guimarães Fernandes Advogados Associados. Formado pela FAAP, é especializado em Direito Processual Civil pela PUC-SP, Mestrando em Direito Civil pela USP.
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