Brett Kavanaugh foi anunciado por Donald Trump como indicado à Suprema Corte dos EUA no dia 9 de junho.| Foto: Alex Edelman/AFP

Em meio ao chororô e ranger de dentes da esquerda e ao alarde triunfalista da direita em relação à indicação de Brett Kavanaugh à Suprema Corte, uma pergunta importante parece ter sido esquecida: como, exatamente, a Suprema Corte vai ficar assim que Kavanaugh se juntar a ela? 

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Tanto a direita quanto a esquerda sugerem que Kavanaugh é uma escolha transformacional. Eles acreditam que Roe* está em perigo, que a Citizens United** se fortalecerá de forma drástica, que religiosos terão carta branca para tudo, e todo o resto. 

Aqui está a verdade: se há um ponto que distingue Kavanaugh de seus colegas mais militantes é sua capacidade única de preferir decisões específicas, detalhadas, capazes de deixar florestas intactas ao mesmo tempo em que árvores são derrubadas. As opiniões de Kavanaugh tendem a não soar como censura, como eram as de Antonin Scalia ou como são as de Clarence Thomas. Elas tendem a ser decisões originalistas que lembram as de John Roberts, atual Chefe de Justiça, e William Rehnquist. 

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Agora, é possível que Kavanaugh esteja escondendo o ouro, porque ele é um juiz de apelações que se vincula a precedentes. Parece-me mais óbvio que ele seja um fã da autocontenção judicial***, como é Roberts, o que significa que, ao se deparar com uma lei que viola a Constituição, é mais provável que ele lhe aplique uma poda em vez de dizima-la e utilizá-la para salgar a terra. 

Tome-se Roe v. Wade como exemplo. Os conservadores têm expectativas altas de que Kavanaugh – ao lado de John Roberts, Neil Gorsuch, Samuel Alito e Clarence Thomas – vão trabalhar para reverter tal monstruosidade legal. Isso é extremamente improvável. Primeiramente, é necessário que haja quatro votos para a Suprema Corte concordar em rever um caso específico de instância inferior, e é improvável que Roberts e Kavanaugh concordem numa reanálise direta de Roe

É muito mais provável que vejamos Roberts e Kavanaugh revisando casos que se afastam de Roe por meio do argumento do “fardo indevido”, articulado em Planned Parenthood v. Casey (1992) – um caso em que a Corte sustentou que leis referentes ao aborto só seriam defensáveis se não representassem um “fardo indevido” a qualquer mulher que desejasse se submeter ao procedimento. 

Em Gonzalez v. Carhart (2007), por exemplo, o ministro Kennedy decidiu que a Lei de Proibição do Aborto com Nascimento Parcial era constitucional, pois as mulheres tinham a possibilidade de fazer um aborto antes do estágio mais avançado da gestação, então a lei não se configuraria em um fardo indevido. Nós podemos ver que essa lógica tem se incrementado ao longo do tempo, deixando Roe em seu lugar, mas tirando pedacinhos desse caso. 

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Esse tipo de incrementalismo é menos propenso a angariar ódio contra a Corte – uma grande preocupação de Roberts, ao menos. Mas também é provável que faça com que os nascituros fiquem mais vulneráveis ao longo do tempo, deixando aberta a possibilidade para que, caso a Corte dê uma guinada à esquerda, a lacuna do “fardo indevido” seja fechada. 

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Peguemos outro exemplo: a recente decisão da Corte no caso do Masterpiece Cakeshop. O tribunal decidiu, por 7 votos a 2, que a Comissão de Direitos Civis do Colorado violou os direitos de um confeiteiro religioso ao ordenar que ele criasse um bolo exclusivo para uma festa de casamento entre pessoas do mesmo sexo. 

O caso, contudo, não foi decidido com base na liberdade religiosa, mas em razão da aberta discriminação praticada pela comissão contra o confeiteiro. Juízes reconheceram a possibilidade de o governo forçar confeiteiros religiosos a preparar bolos desde que as autoridades não sejam tão cruéis ao visar pessoas religiosas. O incrementalismo protegeu aquele doceiro religioso em particular, mas não outros. 

Decisões que se atêm aos fatos são menos controversas e podem ser transformacionais ao longo do tempo. Mas me parece que a esquerda está sempre pronta para decidir de forma abrangente, reescrevendo a Constituição, enquanto a direita sofre para evitar interpretar a Constituição conforme escrita – tudo por conta da estabilidade e do incrementalismo. 

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Isso não significa que Kavanaugh é uma má escolha. Ele provavelmente vai julgar de modo correto, com embasamento consistente. Mas aqueles que esperam mudanças relacionadas a questões já decididas pela Corte podem estar esperando em vão. Em vez disso, provavelmente veremos uma mudança gradual do tribunal ao longo do tempo, o que abre espaço para os legisladores, mas não implode as fundações inconstitucionais favoritas da esquerda. 

*Nota da editora [1]: Roe v. Wade é o caso julgado pela Suprema Corte dos EUA em 1973 que reconheceu o direito ao aborto, também chamado de “interrupção voluntária da gravidez”, no país. 

**Nota da editora [2]: A Citizens United é um ONG conservadora dos EUA. Em 2010, a entidade foi parte vencedora em processo movido na Suprema Corte, que reconheceu a inconstitucionalidade de uma lei federal que impunha um teto para o financiamento de campanhas eleitorais por sindicatos, associações e empresas. 

***Nota da editora [3]: Trata-se de conduta pela qual o Judiciário busca reduzir sua interferência na atividade dos outros Poderes. É o oposto do ativismo judicial.

©2018 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.

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