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É raro quem nunca tenha se perdido nos meandros do processo judicial. O assunto é difícil até para quem estudou direito. Um juiz concede ou nega uma liminar: cabe recurso? Para quem? Por que se apela da sentença, mas não se a apela do acórdão? Quem é esse tal de relator do processo? O que há de tão excepcional nos Recursos Especial e Extraordinário? Não passa muito tempo antes de alguém logo dizer que a Justiça brasileira é lenta porque há muitos recursos. 

Antes de avaliar se isso é verdade ou não, é preciso conhecer os recursos possíveis, a razão de cada um existir e onde é possível encontrá-los nos caminhos do processo. Teresa Arruda Alvim, advogada e professora de Processo Civil na PUC-SP, colabora para ser o fio de Ariadne nesse labirinto. Ela foi relatora da comissão que elaborou o novo Código de Processo Civil, em vigor desde 2015. 

Todo processo surge no Judiciário devido a uma controvérsia jurídica. Alguém alega um direito ou pede alguma coisa à Justiça, a outra parte contesta o pleito. A regra geral é que um juiz de primeiro grau cuide da disputa, ouvindo todas as partes do processo, colhendo as provas e tocando os procedimentos em direção à sentença, que deve colocar fim à primeira fase do processo, resolvendo o mérito da questão. Você confere essa etapa em verde no esquema acima. 

Mas nem só de sentença vive um processo no primeiro grau: no meio do caminho, antes de proferir a sentença, o juiz pode tomar outras decisões, que são chamadas decisões interlocutórias – por exemplo, deferir ou não um pedido liminar. 

Agravo de instrumento 

“O agravo de instrumento é um recurso manejado que pode ser interposto contra certas decisões interlocutórias, independentemente do andamento do processo. É como se ele virasse um ‘processinho’ que corre separadamente. No meu instrumento, eu vou juntar a decisão interlocutória da qual estou recorrendo e a minha irresignação – o meu recurso, o porquê de eu querer ver a decisão reformada –, e com isso eu formo meu instrumento, só com as peças necessárias para o tribunal julgar o agravo”, explica Teresa. As decisões interlocutórias das quais se pode recorrer estão listadas no artigo 1015 do CPC. Há algumas outras hipóteses espalhadas pela lei. 

No esquema acima, a barrinha em verde mostra uma decisão interlocutória do juiz da qual se possa recorrer e, a partir daí, abre-se um ramo do processo que pode chegar até os tribunais superiores, se for o caso, seguindo os caminhos de qualquer processo. “O agravo de instrumento sobe para o tribunal e o processo continua correndo no primeiro grau. Se o tribunal decidir de forma contrária, isso volta e substitui a decisão original do juiz de primeiro grau”, afirma Teresa. Nada impede que o Supremo Tribunal Federal (STF) precise decidir sobre uma liminar que chegue até a corte antes mesmo que o juiz de primeiro grau profira sua sentença. 

Nem toda decisão interlocutória pode ser questionada por agravo de instrumento. “As decisões interlocutórias que não são agraváveis de instrumentos são impugnáveis na própria apelação. Por exemplo, eu peço a produção de uma prova e o juiz nega: eu apelo e, na minha preliminar de apelação, eu peço a impugnação dessa decisão”, explica Teresa. “Eu digo ‘Olha, eu pedi a produção de uma prova e o juiz negou e por isso eu perdi o processo’. Se o segundo grau entender que a prova tem de ser produzida, nem se examina o resto. O processo volta para o primeiro grau, a prova será produzida e o juiz vai dar uma nova sentença da qual caberá uma nova apelação”, diz. 

Apelação 

Falando nela, a apelação é o recurso que cabe contra a sentença. “A apelação é o recurso por excelência. Todas as regras que dizem respeito à apelação dizem respeito a todo o sistema recursal. Ela não tem nenhum tipo de restrição [no mérito], como no caso de outros recursos, que só podem ser manejados em determinadas circunstâncias. Na apelação a parte pode alegar tudo”, diz Teresa. 

A apelação é colhida pelo juiz de primeiro grau, que pede para a outra parte se manifestar também – apresentar as contrarrazões –, organiza tudo e manda o processo para o segundo grau. São, via de regra, os Tribunais de Justiça dos estados ou os Tribunais Regionais Federais. É o relator do processo nesses tribunais – o desembargador marcado em azul escuro no esquema – que vai fazer o juízo de admissibilidade do recurso, conduzi-lo no tribunal e decidir o mérito da apelação, em conjunto com mais dois colegas desembargadores, marcados em azul claro no esquema. A decisão colegiada do segundo grau chama-se acórdão

A rigor, a garantia do duplo grau de jurisdição se cumpre com o acórdão, no segundo grau. Quando uma apelação é julgada, a controvérsia jurídica inicial terá sido analisada pelo juiz de primeiro grau e não por um, mas três desembargadores. Pode ser até analisada por ainda mais gente, caso um dos desembargadores divirja dos colegas de turma e o placar fique 2x1. Nesse caso, o artigo 942 do Código de Processo Civil prevê que, de acordo com o procedimento determinado no regimento interno do tribunal, outros julgadores devem ser chamados a decidir. É o chamado incidente de ampliação da colegialidade. Com dois novos desembargadores convocados a decidir, o placar da apelação, que estava 2x1, pode virar para 3x2. 

Agravo interno 

Assim como cabe agravo de instrumento contra certas decisões do juiz na condução do processo no primeiro grau, cabe agravo interno contra as decisões do desembargador relator no curso do segundo grau ou contra decisões dos ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do STF que sejam relatores dos processos nesses tribunais. 

Nos tribunais superiores, esses recursos às vezes são chamados de agravos regimentais ou, simplesmente, de agravos. “O agravo interno é o recurso que cabe contra as decisões dos relatores. Por exemplo, se o relator de um processo no segundo grau não admite um recurso, dessa decisão cabe um agravo interno, que leva a discussão para o órgão colegiado”, explica Teresa. 

Recurso Especial e Recurso Extraordinário 

O Recurso Especial, dirigido ao STJ, e o Recurso Extraordinário, dirigido ao STF, têm esses nomes porque, em tese, devem ser excepcionais mesmo. Eles não servem para continuar discutindo o caso depois do julgamento da apelação, mas para evitar eventuais ofensas à lei federal ou à Constituição. Afinal, até os tribunais podem errar. E se dois tribunais estão divergindo na interpretação da lei ou da Constituição, um deles têm que estar errado. Caberá ao STJ e ao STF resolver o impasse. 

“Os tribunais superiores, nos recursos especiais e extraordinários, só examinam matéria de direito, e não matéria de fato. Os tribunais superiores não reexaminam a matéria conforme constantes dos autos. Eles reexaminam o quadro fático conforme descrito na decisão e só examinam questões jurídicas. As questões de fato morrem no segundo grau”, resume Teresa. 

Esses recursos devem ser manejados simultaneamente e quem faz seu juízo de admissibilidade é o desembargador presidente ou vice-presidente do tribunal onde a apelação foi julgada. Você pode encontrá-lo de chapéu na parte azul clara do esquema. Há uma série de requisitos para que os recursos subam para os tribunais superiores. Só para ficar em um exemplo, desde 2004, o STF julga recursos extraordinários apenas se houver, além de ofensa à Constituição, repercussão geral na matéria. 

“Uma diferença entre o cabimento do Recurso Especial e do Recurso Extraordinário é que este precisa ter repercussão geral. Isso é um filtro que foi criado em 2004 basicamente para diminuir o trabalho do STF, que tinha um número absurdo de recursos para julgar. A compreensão, hoje, é que o Supremo deve julgar questões que sejam relevantes para o país, cuja importância ultrapasse o interesse das partes A e B”, explica Teresa. 

Se tanto o Recurso Especial quanto o Recurso Extraordinário forem admitidos, os autos sobem primeiro para o STJ julgar e depois, se for o caso, para o STF se pronunciar sobre a questão constitucional. Nesses tribunais, a tramitação dos recursos ocorre como no segundo grau: um ministro relator, destacado no esquema, conduz o processo e toma decisões sozinho se necessário. As partes podem recorrer da decisão do ministro relator por agravo e, de acordo com o regimento do STJ e do STF, a decisão final caberá a uma turma, seção ou ao plenário. No esquema, são os ministros em conjunto – a ilustração não representa o número exato de ministros que varia conforme o âmbito em que a decisão for tomada. No STJ, pode ser em uma turma, seção ou no plenário. No STF, há as turmas e o plenário. 

Embargos de Declaração 

No esquema acima, dá para notar que cabem embargos de declaração (“ED”) em face de toda decisão judicial, seja do juiz de primeiro grau, do desembargador relator, do colegiado do segundo grau ou das decisões dos tribunais superiores, marcados em vermelho. É isso mesmo. “Os embargos de declaração cabem de todo e qualquer pronunciamento judicial. Quem julga os embargos de declaração é o próprio juiz que proferiu a decisão que está sendo questionada”, diz Teresa. 

O objetivo desses recursos é esclarecer eventuais obscuridades, corrigir contradições, suprir omissões ou corrigir algum erro material de qualquer pronunciamento judicial. “Na verdade, os embargos de declaração garantem aquilo a que as partes têm direito desde o início do processo: as partes não têm direito a qualquer decisão, mas a uma decisão correta, isenta de contradições”, explica Teresa. 

A ideia dos embargos de declaração não é recorrer, dizendo que o juiz aplicou a lei de maneira errada, mas pedir que o magistrado ou o colegiado explique com clareza e de forma racional o que talvez não tenha ficado assim na primeira versão da decisão. Isso pode ser importante, inclusive, para a parte decidir se recorre, e com base em quais fundamentos vai recorrer de determinada decisão. Afinal, como recorrer de uma decisão confusa ou contraditória?

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