Uma das queixas contra a Justiça do Trabalho – e daqueles que pedem o seu fim – é a de que, desde a reforma trabalhista, vários magistrados se rebelaram contra a norma e, simplesmente, continuam julgando as ações trabalhistas com os mesmos critérios anteriores, criando insegurança jurídica. Mas a mesma arma da discórdia poderá redimir a Justiça do Trabalho. E a oportunidade está nas mãos do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Desde que a reforma trabalhista entrou em vigor, há pouco mais de um ano, em 11 de novembro de 2017, o número de ações trabalhistas ajuizadas na Justiça reduziu em 36%. Entre janeiro e setembro de 2018 foram 1.287.208 reclamações trabalhistas, contra 2.013.241, no mesmo período de 2017.
Essa queda representa alguns avanços trazidos pela lei. Antes, por exemplo, como os trabalhadores não tinham que pagar nada caso entrassem injustamente com uma ação contra os patrões, a chamada litigância de má-fé, muitos arriscavam e congestionavam a Justiça do Trabalho de processos. Era uma verdadeira indústria de ações trabalhistas. Agora, com a obrigação de pagar os honorários dos advogados dos patrões, caso seja comprovada a litigância de má-fé, muitos desistiram de procurar a Justiça levianamente, o que deve ter impactado no número de ações ajuizadas.
Mas tal diminuição também é provocada por um motivo problemático: como não se sabe se o juiz que vai julgar a causa é favor ou contra a reforma trabalhista, muitos patrões e empregados, com conflitos reais, temem procurar a Justiça por enquanto. E as dúvidas não pairam apenas sobre como será julgada a causa, mas também como o TST, a última instância, decidirá no momento derradeiro – cenário inseguro que também não leva em conta os temas levados ao Supremo Tribunal Federal (STF), ainda sem data para julgamento.
O TST, nesse cenário, tem a missão de pacificar esses julgamentos, tirar qualquer resquício de subjetividade nos tribunais, e honrar o seu papel de justiça especializada – e, portanto, indispensável ou, ao menos, muito desejável. Para isso, precisa consolidar a jurisprudência que estiver sob sua responsabilidade e obedecer, com objetividade, ao que vier a ser decidido no STF sobre a lei.
Engatinhando
O presidente do TST e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), ministro João Batista Brito Pereira, assumiu a presidência do tribunal, no início de 2018, dizendo que o estudo da legislação referente à reforma deveria ser uma das suas prioridades. Em março, reiterou que os sindicatos terão de melhorar para sobreviver, sem oferecer chance alguma de contornar a reforma trabalhista e favorecer, de alguma forma, a volta da contribuição sindical compulsória.
Após pressões de associações de magistrados, porém, recuou um pouco da iniciativa. Para esses sindicatos de juízes, o TST deve esperar várias decisões de primeira e segunda instância para fechar um entendimento geral para toda a Justiça do Trabalho.
Mais precisamente em dezembro passado, Brito Pereira adotou um tom mais moderado em relação ao tema. Disse que os ministros do TST só vão pensar na revisão de súmulas e entendimentos consolidados no tribunal depois que cada tema for discutido no colegiado, a partir do julgamento de casos concretos. “Já há decisões de mérito no primeiro e no segundo graus sob a égide da nova lei, mas eventuais recursos contra essas decisões estão chegando aos poucos ao TST”, ressaltou.
A prudência é compreensível. Porém, as pressões da sociedade continuam.
Instrução de junho de 2018
Em junho de 2018, o pleno do TST, formado por 27 ministros, aprovou a “Instrução Normativa 41”, dando uma recomendação para todos os magistrados da Justiça do Trabalho em um dos pontos delicados da lei: se a reforma trabalhista valeria ou não para ações trabalhistas iniciadas antes de 11 de novembro de 2017. O tribunal decidiu que era melhor não, que as normas processuais da reforma trabalhista só valessem para contratos novos, principalmente porque as formas processuais antes e depois da reforma mudaram significativamente.
A decisão, porém, não tem efeito vinculante e não trata do direito material, ou seja, dos bens jurídicos tutelados – as questões trabalhistas propriamente ditas. Sendo assim, na prática, ações que tramitam antes de 11 de novembro de 2017 podem ser julgadas conforme for o entendimento do juiz julgador do processo concreto. Caso as ações cheguem ao TST, a tendência, segundo a Instrução Normativa, seria julgar de acordo com o tempo (antes ou depois da reforma), mas como ainda não há jurisprudência comprovada, seria preciso ver, em casos concretos, como isso funcionaria.
Outro tema polêmico incluído na Instrução Normativa foi garantir a possibilidade de encerrar a ação trabalhista caso uma das partes não cumpra algum dos prazos ou exigências legais previstas, a prescrição intercorrente – o que não existia antes para a Justiça do Trabalho e foi incluído no artigo 11-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) pela reforma trabalhista. No TST, o corregedor geral da Justiça do Trabalho, ministro Lelio Bentes Corrêa, no entanto, em 31 de julho, publicou uma recomendação de que um processo trabalhista só pode ser encerrado com expressa intimação da parte – o que não se faz em nenhum outro ramo da Justiça brasileira, e tampouco está previsto na reforma trabalhista.
Ainda há dúvidas também sobre como o TST vai modificar centenas de súmulas editadas nos últimos anos, regras internas do tribunal que serviam como base para julgar temas como férias, tempo à disposição do empregador, teletrabalho, reparação por dano extrapatrimonial, trabalho intermitente e extinção do contrato por acordo entre empregado e empregador. Muitas dessas súmulas, atualmente, precisam ser revistas, à luz da reforma trabalhista.
“A Comissão de Jurisprudência e Precedentes Normativos apresentará estudo com o fim de propor a edição, a revisão ou o cancelamento de súmula, precedente normativo ou orientação jurisprudencial depois da avaliação de julgamentos destes casos concretos e depois de várias decisões do TST sobre a mesma matéria”, afirmou o presidente do tribunal.
Em defesa da Justiça do Trabalho
Operadores do Direito, mesmo os mais entusiasmados com a reforma trabalhista, reconhecem que o TST precisa ter cuidado com pontos obscuros e trechos mal escritos na lei, como a parte referente ao trabalho insalubre de grávidas e lactantes ou àquela que trata do chamado “autônomo exclusivo”, em que o escrito dá margem para a chamada “pejotização” dos funcionários. E por isso, juízes especializados impediriam uma má compreensão da lei por parte dos empresários - mais um ponto a favor da sobrevivência da Justiça do Trabalho.
Como um ano ainda é muito cedo para criar um modus operandi sem falhas ou retrocessos, a Justiça do Trabalho poderia receber um voto de confiança para ver se conseguiria adaptar seus mecanismos para que os processos tramitassem da forma mais justa, objetiva e rápida possível.
Resta saber se, nos próximos anos, o TST conseguirá pacificar os casos concretos, aguardar as decisões ainda em aberto no Congresso e no STF, convencer os juízes rebeldes e aplicar a reforma trabalhista com objetividade e bom senso. Caso seja assim, a reforma trabalhista poderá ser um argumento a favor da Justiça do Trabalho e reafirmar que esse braço do Judiciário tem, sim, um papel importante na sociedade brasileira.
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