Na madrugada do dia 3 de maio de 2014, o jovem Emile Wickham, acompanhado de três amigos, decidiu jantar na região central de Toronto, Canadá, para comemorar seu aniversário. O grupo escolheu o restaurante chinês Hong Shing, conhecido na área há cerca de 20 anos, especialmente porque sabiam que o local estaria aberto àquela hora.
Os jovens se sentaram e fizeram o pedido, mas um garçom lhes informou que precisariam pagar adiantado pela comida se quisessem ser servidos. Eram as regras do restaurante, disse o funcionário.
Wickham não engoliu muito bem a exigência, mas mesmo assim ele e seus amigos, os únicos clientes negros do local no momento, fizeram o pagamento. Incomodado, dirigiu-se às outras mesas e perguntou aos consumidores se eles também tiveram que pagar antes de comer. Ninguém passara pela mesma situação.
“Isso é muito errado”, disse um cliente ao jovem depois de Wickham explicar o porquê do questionamento.
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O grupo confrontou o garçom e ele admitiu que eles foram os únicos clientes a quem foi pedido para pagar adiantado. O funcionário, contudo, não ofereceu qualquer explicação acerca do ocorrido. Ele apenas perguntou, defensivo, se Wickham e os amigos queriam seu dinheiro de volta, como se quisesse encerrar o assunto o mais rápido possível.
No ano seguinte, o canadense registrou uma espécie de queixa no Tribunal de Direitos Humanos de Ontario, órgão governamental que analisa casos de discriminação e assédio, sob a alegação de que ele e seus amigos foram vítimas de preconceito racial por parte da equipe do Hong Shing.
Em seu depoimento à Justiça, Wickham disse que o incidente lhe causou um “profundo impacto”. Natural de Trinidad e Tobago, ele emigrou para o Canadá mais de uma década atrás. Na época do ocorrido, ele era estudante na Universidade York, uma das maiores do Canadá.
“[Wickham] alegou que não esperava ser tratado como um cidadão de segunda classe por conta de sua raça, bem como que não está habituado a receber um tratamento negativo devido à cor da sua pele”, apontam os documentos do tribunal. “O autor [do processo] disse que a situação foi particularmente dolorosa porque se tratava de uma ocasião especial, seu aniversário, e também porque ele não tem muitos amigos em Toronto”.
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Inicialmente, um dos advogados que representa o restaurante emitiu um comunicado informando que o Hong Shing adotara, há anos, uma regra de perguntar a clientes “não regulares” se eles poderiam pagar adiantado pelos pratos.
“Devido à sua localização, o restaurante costuma atrair muita gente, e, infelizmente, era muito comum no passado clientes do tipo ‘coma e corra’ - ou seja, que faziam suas refeições e saíam sem pagar”, escreveu o advogado. “Nunca houve qualquer intenção de discriminar o autor [Wickham]; todos os clientes que não vão costumeiramente ao restaurante são tratados da mesma forma”.
O tribunal, contudo, não encontrou nenhuma evidência sobre a suposta política do Hong Shing, tampouco que ela tivesse ficado clara para os jovens. A Corte também não localizou provas de que os outros clientes do restaurante naquela noite fossem “regulares”. Um dos amigos de Wickham, inclusive, comia no local de cinco a sete vezes ao ano.
Agora, quase quatro anos após o incidente, o Tribunal de Direitos Humanos entendeu que o restaurante praticou discriminação contra o grupo, e condenou o Hong Shing a pagar US$ 10 mil - cerca de R$ 35 mil na cotação atual - a Wickham, a título de indenização por danos morais.
Basicamente, foi presumido que o proponente da ação era um ladrão em potencial, ainda que não houvesse nenhuma evidência para tanto, escreveu Esi Codjoe, uma das integrantes da Corte, em seu voto.
“A mera presença de Wickham no restaurante, enquanto negro, foi indicativo suficiente para que a equipe do restaurante acreditasse que ele podia se envolver numa atividade criminosa”, complementou.
Ao Toronto CityNews, o jovem contou que ele e seus amigos saíram do restaurante “sentindo-se frustrados e rejeitados”, pelo fato de os funcionários terem acreditado que eles poderiam fazer algo ruim, baseados apenas em sua cor de pele.
De acordo com os autos, Wickham é “visivelmente afro-caribenho”. Embora nunca tenha experimentado comportamentos preconceituosos enquanto vivia em Trinidad e Tobago, ele sabia que isso poderia acontecer no Canadá. Pensou, contudo, que usar constantemente roupas da universidade onde estudava, como blusões de moletom e camisetas - caso da fatídica noite - o deixaria “imune” a esse tipo de incidente.
“Naquele momento, ele sentiu que ser negro era doloroso. Ele percebeu que não importa o modo como você se veste, fala, que universidade você frequenta, você sempre será visto apenas como um preto [esse é o termo utilizado nos documentos]”, traz o processo.
Condenação e boicote
Além da indenização de US$ 10 mil a ser paga para Emile Wickham, o restaurante Hong Shing também deverá pendurar um pôster com a mensagem de que o estabelecimento “respeita e segue as regras e o espírito do Código de Direitos Humanos de Ontario”.
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A reportagem telefonou para o restaurante, mas a pessoa disse que o dono do local, Colin Li, não se encontrava. Em fevereiro, o jornal Toronto Star publicou um perfil de Li, dono dos fundadores do Hong Shing. No texto, ele falava sobre suas tentativas de reformar o restaurante, inaugurado por seus pais em 1997. Não se sabe se Li estava no restaurante durante o incidente.
O empresário divulgou um comunicado recentemente, em que informava estar “profundamente preocupado com a situação”, ressaltando que ela ocorreu quando o restaurante “tinha gerentes diferentes”. Ele também disse que já havia apelado ao tribunal.
Nas redes sociais, muitos usuários têm proposto um boicote ao restaurante. No Yelp, site que reúne avaliações de restaurantes, um internauta escreveu que “esse é o Canadá em 2018. É inaceitável ser racista”.
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