Não é raro, no decorrer de uma ação trabalhista, que apareçam novas empresas citadas como réus no andamento do processo. Com isso, muitas vezes os efeitos da sentença têm sido executados antes mesmo dessas empresas ou pessoas físicas serem ouvidas. A prática está sendo questionada no Supremo Tribunal Federal (STF) pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), que representa as empresas de transporte e logística, por meio da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 488. O caso é polêmico e a relatora é a ministra Rosa Weber.
Na petição inicial, a CNT afirma que os juízes trabalhistas têm incluído, “no cumprimento de sentença ou na fase de execução, pessoas físicas e jurídicas que não participaram da fase de conhecimento dos processos trabalhistas” por entenderem que esses novos réus, na verdade, não seriam novos, pois fariam parte de um mesmo grupo econômico já citado na ação, com base no artigo 2º, parágrafo 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
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De acordo com a entidade, essa prática viola o direito fundamental do contraditório e da ampla defesa no processo legal, de acordo com o que está previsto nos incisos I, LIV e LV do artigo 5º da Constituição Federal e no Código de Processo Civil, artigo 513 parágrafo 5º: o “cumprimento da sentença não poderá ser promovido em face (...) do corresponsável que não tiver participado da fase de conhecimento”.
Como na fase de execução (penhora de bens, etc.) os mecanismos de produção de provas e as vias processuais são mais restritos, essas empresas ou pessoas físicas posteriormente citadas ficariam prejudicadas no seu direito de ampla defesa. Não teriam, assim, chance de provar não fazer parte do “grupo econômico” interpretado pelos magistrados, sendo obrigadas a sofrer os efeitos da ação. A parte incluída na fase de execução, diz a CNT, “não é citada para se defender, mas para pagar no prazo de 48 horas a quantia determinada em sentença proferido em processo do qual sequer teve conhecimento”.
Esse mecanismo da Justiça trabalhista estaria afetando muitas empresas de transporte representadas pela CNT, incluídas em ações trabalhistas sem conhecimento prévio, com passivos que atingem “a cifra de milhões de reais”, “da noite para o dia”, como diz a entidade, comprometendo a sobrevivência das mesmas.
Análise
Para julgar a questão, o STF deve analisar se todos os procedimentos que preservam os direitos ao contraditório e à ampla defesa são obedecidos nesses casos, afirma Sólon Cunha, professor da Escola de Direito da FGV-SP. “Há procedimentos diversos de execução que devem ser respeitados pelos juízes, nas situações de terceirização, empreita, sócio retirante, fraude, tudo isso deve ser interpretado de acordo com os dispositivos legais”, afirma. “O Código de Processo Civil, que disciplina a ampla defesa e não apenas o mero contraditório, tem de ser cumprido”, lembra. Seria equivocado se os juízes implicassem, por exemplo, ex-sócios, penhorando seus bens, sem antes discutir quais das inúmeras leis que disciplinam essa relação podem ser aplicadas a uma situação concreta e se o ex-sócio citado ainda poderia ser considerado empregador e, portanto, responsável.
A mudança na lei trabalhista, que inclui um parágrafo 3º no artigo 2º da CLT, pode favorecer as empresas ao incluir outros requisitos para que um conjunto de pessoas jurídicas seja considerado um grupo econômico. O texto, que entra em vigor no dia 11 de novembro, indica que “não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração de grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes”.
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O professor Antonio Rodrigues de Freitas Junior, da faculdade de Direito da USP, diz que o STF deve olhar também o outro lado, o do trabalhador, principalmente quando uma grande empresa é suspeita de fraudar a lei, dividindo-se em várias pequenas pessoas jurídicas para cometer atos ilícitos. “Existe uma preocupação na OIT [Organização Internacional do Trabalho], a partir do princípio de que, ‘se me beneficio, me responsabilizo’, de responsabilizar a cadeia produtiva quando se trata, por exemplo, de explorar o trabalho forçado”, afirma. “Se as empresas realmente são diferentes, não podem ser enquadradas como um grupo econômico, mas é preciso ter cuidado ao julgar quando há o desmanche de empresas maiores justamente com a finalidade de exploração e não por mera busca de eficiência empresarial”, acredita.
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