Subprocurador-geral da República, Paulo Eduardo Bueno parece mais gostar de ouvir do que falar. Mas ao ser perguntado sobre o Ministério Público Federal (MPF), instituição que pretende chefiar caso seja escolhido procurador-geral da República (PGR), é que Bueno se revelou nas prioridades: segurança pública no plano externo e diálogo no plano interno.
"Para o público externo, o Ministério Público (MP) deveria ter uma participação maior na formulação das políticas de Segurança Pública", afirma. O subprocurador defende uma revisão do tribunal do júri, o enxugamento do processo penal, o ativismo do MP em estados e municípios para resolver o problema urbano brasileiro, e um maior envolvimento da sociedade civil na educação moral das crianças.
Mas critica o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a execução da pena após condenação em segunda instância: "Não é isso que está na Constituição. Lei é lei, ou senão muda", diz.
Bueno também não poupou críticas nem aos figurões da República: "Acho que ele [Sergio Moro] foi muito bom como juiz, mas como ministro ele parece estar meio perdido", afirmou. "O ministro anterior de Segurança Pública tinha apresentado um plano excelente – e o que o ministro atual fez?", questiona.
Na carreira, Bueno quer abrir mais canais de diálogos com procuradores de primeira e segunda instância (procuradores regionais) e com os servidores do MPF, que são mais de 12 mil "[Quero] ter um diálogo maior com as associações de servidores, que têm um papel muito importante dentro do MP", inclusive fomentando "uma política de combate ao assédio moral".
- Blaul Dalloul: “Tudo que é polêmico no MPF não é bom”
- Robalinho Cavalcanti: Entorno de Raquel Dodge está desesperado
- Vladimir Aras: Forças-tarefa não podem ser único método do MPF para problemas graves
- Luiza Frischeisen: CNMP precisa seguir exemplo do CNJ
- Bonifácio: “Estou mais para Janot do que para Raquel”
Favorável à legalização do aborto, mas não pelo STF, Bueno ainda vê espaço para a flexibilização das relações do trabalho no Brasil. E critica a discussão do Escola Sem Partido: "Tentar limitar isso [a liberdade dos professores] é um tipo de fascismo, querer colocar em caixinhas as ideias de professores".
A eleição para a lista tríplice ocorre no dia 18 de junho. O mandato da atual PGR, Raquel Dodge, termina em setembro. O presidente Jair Bolsonaro (PSL) não se comprometeu em seguir o resultado da lista tríplice. O nome indicado pelo presidente precisa ser aprovado pela maioria do Senado.
Concorrem à lista os procuradores regionais Blal Dalloul, José Robalinho Cavalcanti, Vladimir Aras e Lauro Cardoso, e os subprocuradores-gerais Luiza Frischeisen, José Bonifácio de Andrada, Paulo Eduardo Bueno, Antonio Carlos Fonseca Silva, Nívio de Freitas e Mário Bonsaglia.
O PGR chefia o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público Militar (MPM), Ministério Público do Trabalho (MPT) e Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).
O espaço da Gazeta do Povo está aberto a todos os candidatos à PGR. Confira a íntegra da entrevista abaixo:
Gazeta do Povo: Considerando a percepção de que as ações penais avançam mais devagar no STF, o senhor tem propostas para dar mais celeridade e eficiência às investigações conduzidas pela PGR?
Bueno: Proposta concreta é um pouco complicado, mas o problema é mais amplo. Há um foco contra o Supremo, mas o Judiciário inteiro é lento. Essa história de acabar com o foro privilegiado vai complicar mais: hoje um parlamentar é julgado no Supremo – imagina, se ele for denunciado no juiz de primeira instância, o tempo que vai levar para chegar ao Supremo, e vai acabar chegando ao Supremo. Mas por que o Supremo tem muitas ações? Porque ele tem uma competência muito grande, alargou-se muito o conceito de causas constitucionais. O negócio seria diminuir os processos no Supremo. Ele tem muitos processos, mas não é lá que estão prescrevendo os processos. Minha proposta é cobrar agilidade de todo o Poder Judiciário. A função do MPF é fiscalizar o Poder Judiciário.
Qual a posição do senhor sobre a legalização do aborto?
É uma questão polêmica e difícil. Eu posso ter uma posição pessoal e, como procurador-geral, vir a ter outra. Nós temos o problema da Igreja Católica... Antes de Santo Agostinho, havia uma concepção de que a alma se formava aos três meses. Até então se permitia o aborto. Nós temos uma realidade muito triste no Brasil: são feitos milhares de abortos diariamente e em condições ilegais, com risco de vida para a paciente, perseguição da polícia. Nesse sentido, é uma crueldade deixar como está. Então, sou a favor da legalização do aborto por causa disso. Esse é o tipo da lei que não funciona na prática. É pior do jeito que está do que com a legalização do aborto – não que eu seja a favor do aborto, que é uma coisa muito triste.
Mas o senhor entende juridicamente possível uma decisão pelo STF que legalizasse o aborto?
Não, teria que ter uma lei própria. Nós temos a separação dos poderes, e aí está um dos problemas do Supremo. Ele tem legislado demais. Eu sou radical neste ponto, a separação de poderes precisa ser observada.
O senhor enxerga algum ponto inconstitucional na reforma trabalhista?
A princípio, não, mas não é minha especialidade. Em princípio, achei muito positiva a reforma trabalhista, na medida em que ela deu uma trancada no costume de judicializar demais, e à toa – o trabalhador vai demais ao Judiciário, pede um absurdo de coisas e sem qualquer responsabilidade. Realmente, não vejo onde haveria inconstitucionalidade. Foi um filtro, e a prova é que diminuiu bem o número de processos trabalhistas. Aliás, não sei por que o Brasil tem tantos processos – é para essas questões que as autoridades brasileiras deveriam entrar.
Então, em linha de princípio, o senhor acha que há espaço constitucional para flexibilizar as relações trabalhistas no Brasil?
Sim, perfeitamente.
Qual a posição do senhor sobre o tema da doutrinação em sala de aula, na educação básica, e sobre o Escola Sem Partido?
Acho que todo ser humano tem sua posição política. Agora, a escola pública ter que ser o mais neutra possível, mas é claro que isso depende de cada professor. Mas isso é uma falsa questão: você não pode obrigar um professor a ter uma determinada posição política. Se o nível cultural do Brasil melhorar, as coisas melhoram. Esse negócio de partido na escola é uma falsa questão. Por exemplo, acho que o PT pode ter cometido algum excesso, nos livros infantis – talvez –, mas se querem partir para o outro extremo, está errado. As faculdades deveriam preparar melhor os professores, mas sei que há uma tendência de certas faculdades, houve uma ideologização muito grande nos últimos anos, mas, em linha de princípio, cada docente tem a sua liberdade.
Mas na educação básica o senhor entende que deve haver algum limite para essa liberdade?
Não sei como fazer esse limite. Tentar limitar isso é um tipo de fascismo, querer colocar em caixinhas as ideias de professores. Eu não colocaria nenhum limite, mas pediria bom senso dos professores. É a comunidade escolar que deve impor esses limites, digamos assim, mas nunca um governo central, o Ministério da Educação. Isso é completamente contra a democracia e a Constituição.
O senhor entende cabível alguma medida jurídica contra esse fenômeno que tem sido chamado de “fake news”?
Juridicamente, cada um que for prejudicado pode tomar as medidas cabíveis. O problema é encontrar as fontes. Mas seria interessante o MP agir nessa área, talvez por meio de inquérito, de Ação Civil Pública. Acho que o MP pode e deve atuar nesse campo, sim. Realmente é um absurdo isso que tem acontecido. Mas as próprias empresas já estão agindo. Tecnicamente é difícil, mas apoiaria uma legislação que fornecesse mecanismos mais sofisticados para lidar com isso. Agora, isso também é um pouco [reflexo] da falta de cultura do brasileiro. Fico muito irritado quando recebo aquelas mensagens com “repasse para 20 pessoas”. É o efeito manada.
O senhor entende cabível alguma restrição às imunidades parlamentares previstas pela Constituição?
É democrático, o Poder Legislativo precisa ter certas imunidades para poder desempenhar bem seus papeis. Qual a ameaça? Deixa os deputados falarem. Restringir isso é restringir a democracia, e não é da nossa tradição.
O senhor enxerga alguma inconstitucionalidade na atual proposta de reforma da Previdência?
É uma PEC, não vejo como afetar as normas rígidas da Constituição.
Nem a alíquota progressiva?
Pois é, pode resvalar, pode acontecer. Aí é uma questão de número. Tem que haver algum limite para a alíquota, mas é difícil definir.
Mas a reforma é positiva para o senhor?
É inevitável. E nós vamos cair novamente na questão dos bancos, que serão os grandes beneficiados, porque todos vão ter que correr para a previdência privada, e com um risco: no passado, essa previdência privada deu muito problema. Quantas empresas dessas de previdência privada quebraram? Até a década de 1960, havia um sistema pulverizado de previdência, de fundos que eram geridos pelos sindicatos. Aí houve a criação desse monstro chamado INPS, que também sempre foi muito mal administrado. Mas esse modelo que está aí também se exauriu. Corremos riscos, embora ache que o sistema financeiro brasileiro está um pouco mais maduro.
O senhor defende alguma reforma estrutural ou mudança de gestão no Ministério Público?
Em primeiro lugar: acho que o MP está indo bem. Não faço grandes críticas, mas alguma coisa sempre pode ser melhorada. O que se pode melhorar internamente, é [haver] um diálogo maior. Gostaria de abrir um diálogo maior da PGR com os procuradores regionais e, principalmente, com os procuradores de primeira instância. Nós temos uma carreira extremamente pulverizada.
Gostaria de saber o que esses procuradores pensam, o que eles estão precisando, abrir canais de comunicação com todos os membros, principalmente os de primeira instância – quase todos nasceram depois que eu entrei na carreira [em 1982]. Hoje nós temos um MP completamente diferente. E outra coisa: também ter um diálogo maior com as associações de servidores, que têm um papel muito importante dentro do MP. Também defendo estímulo a uma política de combate ao assédio moral. Outra coisa: a região amazônica tem problemas, estão fazendo, mas é preciso prestigiar ações por lá. Sou a favor de formas modernas de trabalho, de regulamentar o teletrabalho.
Para o público externo, o MP deveria ter uma participação maior na formulação das políticas de Segurança Pública. Veja esse pacote do [ministro Sergio] Moro, não vou criticar o pacote em si, mas pelo que eu saiba, ele não ouviu o MP, que é um dos principais agentes no combate à criminalidade. Aliás, o ministro anterior de Segurança Pública tinha apresentado um plano excelente – e o que o ministro atual fez? Acho que ele foi muito bom como juiz, mas como ministro ele parece estar meio perdido. Precisamos exigir uma participação do MP na formulação das políticas de Segurança Pública, que acho o maior problema do Brasil hoje.
A questão da violência é o maior problema do Brasil hoje. Há uma série de medidas que podem ser tomadas. Por exemplo, o tribunal do júri. Você não acha um luxo um processo de júri hoje? É um teatro que não funciona. Nos últimos trinta anos, foram assassinadas 1,3 milhão de pessoas no Brasil. Como vamos julgar 1,3 milhão de processos? Será que ninguém pensa nisso? Também precisa simplificar o processo penal: há muito embargo, muito agravo [nomes técnicos de tipos de recursos]. Um processo mais ágil é mais condenação, mais sentença e mais gente na cadeia – mas de forma legal. O Estado tem que agir dentro da lei, dar todas as garantias de defesa, mas sem esse processo todo. Isso sem contar outras propostas, como unificação das informações da polícia.
Outra coisa em que o MP poderia agir: uma das causas da criminalidade é essa desorganização urbana que se vê no Brasil, toda cidade média e grande no Brasil tem problemas nas periferias. O Estado deveria voltar a tomar conta desses lugares, senão as milícias tomam. Como? O MP teria que obrigar, através de diálogo, proposta ou ação civil pública, prefeitos e governadores a resolver problemas de habitação, saneamento, etc.
E outra coisa: quando eu era mais jovem, havia muitas palestras, em escolas, clubes. Eu gostaria de incentivar esse tipo de coisa. Gostaria de incentivar um movimento nesse sentido: explicar o que é o crime, por que o crime não compensa, os efeitos das drogas. Deve-se tentar esse tipo de coisa, que não tenho visto. Não tem a ver com repressão, religião, mas que a própria sociedade civil se volte para fazer campanhas para as crianças. Acho que o pessoal se esqueceu da ética no Brasil.
Já que falou nos recursos, o senhor é favorável ao atual entendimento do STF sobre execução da pena após confirmação da condenação em segunda instância?
Não, porque não é isso que está na Constituição. Lei é lei, ou senão muda.
Quais são os perfis que o senhor buscará para os ocupantes dos seguintes cargos: vice-procurador-geral da República, vice-procurador-geral eleitoral, Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), secretário-geral, e coordenadores de Câmaras de Coordenação e Revisão?
Primeiro, a questão da lista tríplice. Estou saindo candidato porque acredito na lista tríplice. Então, buscaria [esses] nomes integrantes da lista tríplice, que se dispuseram a concorrer, desde que eles aceitassem. E [buscaria] fazer uma gestão colegiada, muitos colegas dizem que sei ouvir as pessoas, apontaram uma característica minha que talvez nem tivesse percebido. É um momento em que a sociedade brasileira está muito árida de ideias.
E secretário-geral, PFDC e coordenadores de Câmaras?
Veja que há dois nomes que já foram secretário-geral, um deles poderia voltar a ser, mas acho que o atual está indo bem. Não pensei nisso, mas seria realmente uma consulta com os membros da carreira, ouviria muito a atual procuradora [Raquel Dodge] e outros procuradores também. E tem que ser muito transparente com a imprensa, ter um canal aberto.
Mas em relação à PFCD existe um incômodo, talvez porque tenha posições muito marcadas em alguns temas, como direitos humanos, ou sobre a velocidade em emitir notas técnicas e recomendações. O senhor tem alguma avaliação sobre isso?
Realmente ainda não tenho. Se for o caso, acho que procuraria o perfil de alguém menos autoritário, digamos assim. Mas procuraria garantir a independência funcional de cada um. Se esse problema surgir das bases, vou levar em consideração.