“Vale anotar que o réu não possui estereótipo padrão de bandido, possui pele, olhos e cabelos claros, não estando sujeito a ser facilmente confundido”. O trecho parece até conteúdo de esquete humorística de crítica ao Judiciário brasileiro, mas faz parte de uma sentença proferida em 2016, por uma magistrada da Justiça de São Paulo, e que nos últimos dias passou a circular em grupos de WhatsApp de advogados e viralizou.
No caso em questão, a juíza Lissandra Reis Ceccon, então da 5ª Vara Criminal de Campinas (SP), foi designada para julgar um latrocínio denunciado em 2013. Segundo os autos, o réu abordou a vítima, um homem de meia idade, enquanto ela estacionava o carro em via pública, acompanhada de seu filho e nora. O assaltante e a vítima acabaram entrando em luta corporal, sendo que o réu efetuou disparos de arma de fogo que atingiram não só o proprietário do veículo, mas seu filho. O motorista acabou falecendo e o filho foi hospitalizado, mas sobreviveu.
Leia também: Juíza que comprou lanches a acusados é punida pela Justiça
Para justificar sua decisão de condenar o acusado a 30 anos de reclusão, a juíza reforçou que ele foi reconhecido pelo filho e nora da vítima, chamada ao processo como testemunha. Para reforçar a validade do reconhecimento do assaltante pela testemunha, a magistrada afirmou que seria muito difícil que tivesse ocorrido algum tipo de confusão no procedimento, já que a imagem do réu seria marcante por ele não possuir “estereótipo de bandido”.
“Em juízo, diga-se que o réu foi colocado entre outras pessoas, e vítima [sobrevivente] e testemunha em nenhum momento apresentaram qualquer hesitação no reconhecimento. Ao contrário, a testemunha apresenta um depoimento forte e contundente, dizendo que antes do réu sair da caminhonete a atirar contra seu pai e seu filho, olhou nos olhos dele, não se podendo duvidar que está filha/mãe jamais o esquecerá. Vale anotar que o réu não possui o estereótipo padrão de bandido, possui pele, olhos e cabelos claros, não estando sujeito a ser facilmente confundido”, escreveu na sentença.
Confira: Negros são condenados a mais tempo de prisão que brancos pelos mesmos crimes
Procurado pela reportagem da Gazeta do Povo, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) afirmou se tratar de uma ação judicial em que há a decisão de uma juíza, somente. Confira a íntegra da nota:
Trata-se de uma ação judicial na qual há a decisão de uma magistrada. Não cabe ao Tribunal de Justiça de São Paulo se posicionar em relação aos fundamentos utilizados na decisão, quaisquer que sejam eles. A própria Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman), em seu artigo 36, veda a manifestação do TJSP e da magistrada. Cabem aos que, eventualmente, sintam-se prejudicados procurar os meios adequados para a solução da questão. A Corregedoria Geral da Justiça do TJSP está sempre atenta às orientações necessárias aos juízes de 1ª instância, sem, contudo, interferir na autonomia, independência ou liberdade de julgar dos magistrados.
Deixe sua opinião