Procurador-geral do Texas afirmou que o estado valoriza a dignidade dos restos mortais dos seres humanos não nascidos e que o tecido fetal deve ter uma destinação final apropriada e humana| Foto: Gazeta do Povo

No fim de janeiro, um juiz federal do Texas suspendeu uma lei do estado norte-americano que continha, dentre seus objetivos, a determinação de que clínicas pró-aborto deveriam enterrar ou cremar o tecido fetal decorrente dos procedimentos abortivos. Muitos estados americanos enfrentam problemas com clínicas de aborto que dão destinação indigna aos restos mortais de seres humanos não nascidos.

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Comumente, os fetos humanos são tratados como quaisquer outros tecidos humanos, quando removidos do corpo do paciente. Ou seja, como lixo hospitalar. A maioria dos estados norte-americanos exige que esse tipo de material seja incinerado. Já quando se pratica um “aborto medicinal” – sem recorrer a práticas cirúrgicas, apenas por meio da ingestão de medicamentos que expelem o feto –, o tecido fetal costuma ser dispensado na privada ou no ralo do banheiro da própria casa de quem aborta. 

A luta dos grupos pró-vida para emplacar a legislação não é recente, mas foi só em setembro de 2017 que o governador texano, Greg Abbott, do Partido Republicano, aprovou o texto. Para a organização Texas Right to Life, tratou-se da “maior vitória pró-vida” do período legislativo iniciado em 2015. A matéria deveria ter entrado em vigor no dia 1° de fevereiro, mas foi suspensa pelo juiz federal David Ezra, ao julgar ação ajuizada pelo Center for Reproductive Rights (Centro de Direitos Reprodutivos, em português). Segundo ele, a lei traria muito mais ônus que bônus à sociedade. 

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Um dos principais argumentos contrários à medida era de que seria muito doloroso que mulheres, por exemplo, que sofreram abortos espontâneos ou precisaram se submeter ao procedimento devido a uma gravidez ectópica – quando a gestação é inviável por se desenvolver fora do útero – enterrassem ou cremassem seus fetos “não viáveis”. A lei também foi acusada de “desencorajar” as mulheres ao aborto e até de “punir” as que tivessem passado pela intervenção. 

Ken Paxton, procurador-geral do Texas, afirmou que o estado valoriza a dignidade dos restos mortais dos seres humanos não nascidos e que o tecido fetal deve ter uma destinação final apropriada e humana, além de que sua equipe vai continuar a lutar pela constitucionalidade da lei.

No mesmo sentido, Sherry Colb, professora da Faculdade de Direito da Universidade Cornell, escreve em artigo que “seres humanos não são lixo hospitalar; eles são sagrados e devem ser tratados com reverência, na vida e na morte”. Para ela, o ato de enterrar ou queimar os fetos ou embriões não deveria envergonhar nenhuma mulher. 

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“O movimento pró-vida entende que as mulheres que decidem interromper a gravidez são, assim como seus bebês, vítimas da indústria do aborto. Mulheres que passam por um período difícil costumam se sentir desesperadas (...). Eu não as julgo. É por isso que o movimento pró-vida visa, em última instância, criminalizar a conduta de quem promove e realiza esses procedimentos, não as mulheres que interrompem a gravidez sob a ilusão de que isso vai melhorar suas vidas”, afirma. 

“A lei não visa criar embaraço às mulheres que fazem um aborto. O objetivo, ao contrário, é trazer conhecimento às mulheres, senão antes, pelo menos depois de passarem por um aborto espontâneo ou provocado, de modo que as mulheres entendam o que talvez já saibam no fundo de seus corações: que uma criança não nascida é um ser vivo dotado de valor que merece respeito e reverência, na vida ou na morte”, diz ainda.

Em relatório do Instituto Charlotte Lozier sobre o tema, publicado em 2016, a advogada Kristi Burton Brown argumenta que, sozinhas, leis nesse sentido não representam uma vitória, ainda que “possamos até nos sentir melhor quando impedimos que corpos de bebês abortados sejam mutilados e dispostos em reservatórios de lixo”. De acordo com o relatório, essas medidas devem vir acompanhadas de outras que fomentem uma cultura de respeito à vida humana desde a concepção.

Ao elaborar legislações que visam proteger a vida, a advogada acredita que é preciso responder a quatro perguntas essenciais: 1) O texto promove a dignidade das crianças que ainda não nasceram?; 2) O texto faz com que as clínicas de aborto, mães e sociedade reconheçam a humanidade da vida antes mesmo do nascimento?; 3) O texto salva vidas ou protege os vulneráveis de alguma forma?; 4) O texto nos deixa mais próximos de uma cultura na qual o aborto será impensável? Do contrário, as leis não passarão de soluções meramente “paliativas”.

A lei do Texas também cria um registro para funerárias e cemitérios que queiram prover enterros de graça ou de baixo custo para seres humanos abortados e para organizações que possam dar assistência financeira a famílias que precisem dos serviços.

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Tecido fetal negociável 

Quando se fala em descarte de sers humanos abortados, um assunto que comumente vem à tona é o escândalo de 2015 envolvendo a Planned Parenthood (PP), que realiza cerca de 300 mil abortos por ano nos Estados Unidos, e o grupo pró-vida Center for Medical Progress (CMP). 

Na época, ativistas pró-vida se apresentavam à Planned Parenthood como representantes de empresas biomédicas e de pesquisa, com o objetivo de discutir reembolsos, que giravam entre US$ 30 e US$ 100, recebidos pela PP por vendas de tecido fetal. Esse material seria resultante de abortos realizados pela organização. Essas conversas foram gravadas com câmeras escondidas e divulgadas à imprensa pelo CMP. 

Em determinado momento da filmagem, Deborah Nucatola, à época diretora sênior de Pesquisas Médicas da PP, diz que “nós somos bons em tirar o coração, pulmão e fígado, porque sabemos o que fazer, então não vamos esmagar essa parte, vamos esmagar mais embaixo ou em cima, para que tudo fique intacto”. 

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A Planned Parenthood acusou o grupo pró-vida de ter manipulado e editado as filmagens, e se defendeu afirmando que os valores mencionados nas gravações visam cobrir custos operacionais e de logística de coleta e preservação do material. 

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O caso culminou em diversas investigações, em vários estados norte-americanos, a respeito da PP. No Congresso, uma investigação concluiu que filiais da Planned Parenthood se beneficiaram ao repassar tecido fetal a organizações externas em condições que violam as leis americanas. O relatório completo pode ser acessado aqui.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]