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| Foto: STF/ Divulgação Oficial

Matéria atualizada em 26 de novembro de 2018, às 17h40.

E se a carreira no Judiciário seguisse os mesmos critérios do mundo corporativo? As diferenças são muito grandes. Quanto mais sobe na carreira, mais uma alta liderança do setor privado esquece as noções de horário comercial e dia útil, principalmente em tempos de fechar o ano contábil ou durante situações de crise. A remuneração é alta, mas diretamente ligada à produtividade. A demissão é um risco constante.

Por outro lado, um profissional da área de direito acumula benefícios automáticos na medida em que passam os anos na carreira. Todos os feriados são cumpridos e as férias ultrapassam em muito os 30 dias de um trabalhador com carteira assinada. Os benefícios e ajudas de custo se acumulam. Ainda assim, o Senado aprovou o aumento de 16% no salário de ministros do Supremo Tribunal Federal, que agora passam a ganhar salário de R$ 39.200,00. A medida foi sancionada pelo presidente Michel Temer em 26 de novembro. Esse reajuste vai provocar um efeito cascata de aumentos em todo o judiciário.

O reajuste é merecido? Confira sete motivos que provam: não é.

1. As gratificações não dependem de produtividade

Cada um dos 18.011 magistrados brasileiros julga, por dia, 7,2 processos, em média. É um número alto, que alcança 1.818 casos, por profissional, por ano. Mas é raro um profissional desse ramo ser punido pela falta de produtividade – aconteceu em março de 2018 com o juiz Lúcio Alves Cavalcante, da comarca de Ipu, no Ceará. Ele tinha 55 anos e não foi demitido, mas aposentado. 

O mais comum é que magistrados sejam punidos pelo Conselho Nacional de Justiça e pelo Conselho Nacional do Ministério Público com a pena de aposentadoria compulsória, com direito a receber os vencimentos proporcionais ao tempo de serviço. Em 11 anos, apenas cinco juízes foram demitidos em procedimentos administrativos realizados pelo CNJ. Outras punições possíveis incluem a remoção compulsória, a censura e a advertência.

2. É raríssimo um juiz ser demitido

Quem trabalha em empresas do setor privado está acostumado a ver – e experimentar – demissões. Não é assim com magistrados. Para perder o emprego, um juiz precisa ser condenado criminalmente, sem direito a nenhum recurso. É, na prática, um cargo de grande estabilidade. Por sua vez, nos Estados Unidos, por exemplo, magistrados são eleitos e cumprem mandatos de tempo pré-determinado – com exceção dos ministros da Suprema Corte. 

Entre os ministros do STF, a aposentadoria é compulsória aos 75 anos, o que significa que o ministro Dias Toffoli poderá ficar no posto até 2042 e Alexandre de Moraes, até 2043. É possível que um ministro peça para deixar o cargo ou sofra impeachment, mas nada disso jamais aconteceu ao longo da história do Brasil. Ao longo de 127 anos de história, o STF teve 167 ministros. Apenas um, Barata Ribeiro, foi afastado, em 1894. Ele assumiu antes de ser submetido à sabatina dos senadores e acabou dispensado pelos congressistas.

Já a vida de um alto executivo no Brasil, que alcança os maiores postos da iniciativa privada, é muito mais instável. Segundo um levantamento realizado pela revista Época Negócios entre os líderes de 120 das maiores companhias do país, seis em cada dez CEOs não ficam seis anos no cargo. A permanência média é de 4,9 anos, entre as empresas de capital aberto, e 60% não alcança seis anos no posto. Isso para um cargo para o qual se leva décadas para alcançar – apenas 2,5% dos executivos alcançaram o cargo antes dos 39 anos e 24,2%, antes dos 49; a média de idade entre os CEOs é de 55,5 anos. Na média mundial, 15% das empresas substituem seus executivos ao longo de um ano.

3. São poucas horas trabalhadas e muitas folgas

Além dos fins de semana, os ministros do Supremo contam com 88 folgas. Em comparação, se não precisar fazer plantão em nenhum dos muitos feriados que caem em dia de semana em 2018, um trabalhador comum que vive em Curitiba e vai ao serviço de segunda a sexta acabará descansando bem menos, 18 dias. 

O STF não trabalha às segundas e sextas, amplia o feriado da Páscoa para quarta a domingo e tem direito a 60 dias de férias por ano, mais o recesso de 17 dias entre 20 de dezembro e 6 de janeiro. Além disso, todo magistrado tem 18 feriados por ano, seis a mais do que o restante da população. No ano passado, como o Dia do Servidor Público caía num sábado, o STF transferiu a folga para uma sexta-feira.

Além disso, a carga horária da maioria dos tribunais é de sete horas. Enquanto isso, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), um homem brasileiro trabalha 8,7 horas diárias e uma mulher, 7,8 horas em média. Um CEO fica 11,3 horas por dia no serviço, em média, mas 5,5% deles vão muito além e passam mais de 15 horas diárias trabalhando.

4. Os processos caminham muito devagar

De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, o ano de 2017 terminou com 80,1 milhões de processos em tramitação, 244 mil casos a mais do que em 2016 – é o saldo entre o número de casos encerrados na comparação com os novos. Por conta do excesso de processos que chegam às instâncias superiores, mas também da falta de produtividade, o STF tem pendentes mais de 44 mil processos, incluindo pelo menos 200 ações que tramitam há mais de duas décadas

Por incrível que pareça, isso ainda representa uma evolução – eram 57.995 casos pendentes em 2016. Ao longo do ano passado, o STF julgou 123.008 processos. “A iniciativa privada em geral tem controle de produtividade de seus colaboradores de qualquer nível hierárquico”, afirma Leonardo Beling, diretor da GGV consultoria. “O desempenho e os benefícios são calculados com base nesses critérios objetivos. Já o Judiciário trabalha com o conceito de direito adquirido: eu posso, simplesmente porque em algum momento do passado eu consegui esse direito”.

5. O Judiciário já custa muito caro

Mesmo sem reajuste, o Judiciário brasileiro já é tão caro quanto pouco produtivo: custa 1,8% do Produto Interno Bruno (PIB) do país. O francês custa 0,2% do PIB. O inglês, 0,32% e o alemão, 0,35%. Mesmo demandando muito mais dinheiro, proporcionalmente, o Brasil tem 8,2 juízes por 100 mil habitantes, perto da média mundial, mas muito abaixo dos 24,7 juízes por 100 mil pessoas da Alemanha. Em outras palavras: o Judiciário alemão tem muito mais juízes, na proporção por habitantes, e custa muito menos ao país. Em parte, isso acontece porque um magistrado alemão ganha 73.670 euros, contra 126.138,61 euros dos brasileiros, em valores convertidos em 2017.

6. Não se sobe na carreira por mérito

Essa foi a conclusão a que chegou Frederico Normanha Ribeiro de Almeida, em sua tese de doutorado “A nobreza togada – as elites jurídicas e a política da justiça no Brasil”, apresentada à Universidade de São Paulo em 2010. O pesquisador analisou as biografias e os currículos das principais lideranças do Judiciário brasileiro, incluindo o STF, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), tribunais estaduais, Ministério Público, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Concluiu que grupos de juristas influentes formam alianças e controlam a distribuição de cargos para funções que, em tese, deveriam ser delegadas por mérito e antiguidade – é o que o pesquisador chama de “campo político da administração da justiça”.

7. Os salários já são muito altos

Segundo o Conselho Nacional de Justiça, antes do reajuste, cada juiz já custa R$ 47.700 reais por mês, ou 50 salários mínimos. Com isso é possível, se o teto salarial definido pela Constituição é muito menor (reajustado, vai chegar a R$ 39.200,00)? A manifestação de juízes de março a favor da manutenção do auxílio-moradia ajuda a explicar essa diferença. Auxílio-moradia (mesmo para quem já tem residência própria na cidade onde atua), auxílio-alimentação, auxílio-escolar, auxílio-saúde, retroativos... Os benefícios são muitos, muitos deles federais e outros específicos, previstos nos estados. A análise é reforçada pelo fato de que os tribunais superiores não escolhem seus representantes por provas ou concursos, mas por indicação política seguindo um critério subjetivo de “notório saber jurídico”.

“O salário já é extremamente alto, qual a necessidade de tantos benefícios?”, pergunta Leonardo Beling. “Muitas grandes empresas, para se manter competitivas, tiveram que cortar benefícios de seus executivos, incluindo passagens aéreas em primeira classe e hotéis e restaurantes caros. No Judiciário, não existe essa preocupação em reduzir despesas desnecessárias. Se fosse uma empresa privada, poderia quebrar”.

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