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Protesto de centrais sindicais contra a reforma trabalhista, em maio deste ano, em Brasília | Nilton Fukuda /Estadão Conteúdo
Protesto de centrais sindicais contra a reforma trabalhista, em maio deste ano, em Brasília| Foto: Nilton Fukuda /Estadão Conteúdo

Enquanto a pressão para que o Congresso crie uma alternativa para o imposto sindical não sai, sindicatos correram ao Supremo Tribunal Federal (STF) na tentativa de conseguir que a corte considere inconstitucional os artigos da reforma trabalhista (Lei 13.467/2017) que acabam com a contribuição compulsória. Como a norma torna o imposto facultativo e não há mais receita garantida, os sindicatos entraram em uma situação inédita: a de tentar reduzir drasticamente os gastos, também com a possibilidade de demissões em massa.

Até agora, o STF já tem em mãos seis processos sobre o tema: cinco ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) e uma arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF).

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As ADIs são de autoria da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte Aquaviário e Aéreo, na Pesca e nos Portos (ADI 5.794); Central das Entidades de Servidores Públicos (ADI 5.810); Confederação Nacional dos Trabalhadores na Movimentação de Mercadorias em Geral e Logística (ADI 5.811); da Federação Nacional dos Empregados em Postos de Serviços de Combustíveis e Derivados de Petróleo (ADI 5.813) e da Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Telecomunicações e Operadores de Mesas Telefônicas (ADI 5.815).

Já a ADPF 498 foi ajuizada pela Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL).

As ações argumentam que o fim do imposto sindical deveria ter sido feito por meio de uma lei complementar, como está previsto no inciso III do artigo 146, alínea “a” da Constituição, e não por um projeto de lei. Elas lembram que a contribuição sindical defendia os trabalhadores mais vulneráveis, por isso o constituinte a considerou obrigatória para todos os trabalhadores de uma categoria. Os sindicatos citam ainda que a reforma trabalhista teria ferido a Convenção 144 da Organização Internacional do Trabalho, que determina a consulta de empregados e empregadores para mudanças significativas da legislação trabalhista.

Já a ADPF 498, ajuizada pela confederação dos profissionais liberais, questiona a Súmula 666 do Supremo, que afirma que a contribuição prevista no inciso IV do artigo 8ºda Constituição só pode ser exigida dos filiados a sindicato. A Constituição, alegam, criou o sistema confederativo, composto de sindicatos de primeiro grau, federações e constituições para a defesa do trabalhador. Para eles, a reforma trabalhista causará o “desabamento da representação dos trabalhadores na democracia brasileira”, criando desigualdade entre as entidades de patrões e empregados.

Muitos sindicatos se aproveitavam dos recursos recebidos para exercer atuação política, bancar campanhas eleitorais, à revelia do que pensa a maioria das pessoas que eles representam.

Números

O Brasil tem 17 mil sindicatos, 10,8 mil deles de trabalhadores, de acordo com levantamento realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). “Dos quais temos apenas cerca de 10% que são real e efetivamente representativos”, afirmou Gilberto Stürmer, professor de Direito da PUCRS e autor do livro “A Liberdade Sindical”, em entrevista para a Gazeta do Povo em agosto desse ano.

Muitos sindicatos, como tinham financiamento garantido, também se aproveitavam dos recursos recebidos para exercer atuação política, bancar campanhas eleitorais, à revelia do que pensa a maioria das pessoas que eles representam. Isso era feito de várias formas, com apoio tácito ou explícito a candidatos, com ações questionáveis como impressão de material político, terceirização de piquete, etc. Fazer articulação política para conseguir mudar leis em prol de uma categoria é legítimo, mas não o é usar uma categoria para favorecer determinados candidatos ou partidos.

“Na verdade, é uma retroalimentação, o sindicato é um dos órgãos da sociedade que mais prepara políticos para a política partidária e muito da política partidária gira em torno dos sindicatos”, atestou Stürmer. Nesse sentido, outro aspecto a se levar em conta, lembrou o professor Fernando Botelho, da Faculdade de Economia da USP, é que muitos trabalhadores – muitas vezes a maioria – não apoiam o partido beneficiado pelo sindicato sendo, portanto, injusto o uso dos recursos da instituição para isso. “O ideal seria que os sindicatos fossem um pouco mais neutros, muitos claramente têm um campo político e usam o sindicato como instrumento para isso”, disse.

Vedação legal para esse tipo de comportamento não existe, lembrou Luciene Erbano Romeiro, especialista em Direito do Trabalho. Mesmo assim, salientou, isso acaba desvirtuando a função social do sindicato prevista na Constituição. “Os trabalhadores têm de cuidar para perceber até onde realmente o sindicato está representando uma determinada categoria ou a está usando como abertura para poder ter benefícios políticos”.

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Representação

Se nada mudar no Congresso ou no Supremo, a contribuição sindical facultativa exigirá dos sindicalistas convencer os trabalhadores de uma categoria sobre a importância dos seus serviços, com dispositivos que captem os interesses da maioria e não apenas da minoria dirigente. Até agora, a minoria dirigente sempre saía vitoriosa, já que muitos estatutos preveem que as decisões possam ser tomadas em uma assembleia, independentemente do número de pessoas presentes, mesmo que seja muito pequeno – e, como a receita era certa, os sindicalistas não faziam muita questão de criar outros sistemas para consultar a maioria.

“A democracia sindical é importantíssima. (...) Sem a contribuição (...) os dirigentes terão de sair ao encontro dos trabalhadores e prestar contas. Os que não tornarem as decisões mais democráticas, não vão sobreviver”

Gilberto StürmerProfessor de Direito da PUCRS e autor do livro “A Liberdade Sindical”

Para os especialistas, a situação de greve não é a mais importante em controle de uma minoria, mas há outras questões como a negociação salarial. O professor Fernando Botelho da USP dá um exemplo. “Se a empresa fatura R$ 1 milhão e tem uma folha de R$ 500 mil e o sindicato briga por uma folha de R$ 700 mil, e a empresa não pode pagar R$ 700 mil, vai acabar mandando gente embora. Não pode existir aumento sem produtividade, aí não tem ganho real que sobreviva no tempo”. Se os trabalhadores são consultados para essas negociações, podem articular um aumento real de outra forma, sem colocar em risco os empregos.

“Claro que tem sempre o ‘carona’, que fala mal do sindicato e nunca participa de nada, não tenta melhorar a situação, ele não pode criticar”, afirmou Stürmer, da PUC-RS. Por outro lado, segundo ele, há sindicatos com poucos dirigentes, que se perpetuam no poder – porque, nas eleições para a diretoria, os estatutos também preveem que uma minoria possa decidir quem comanda – e não abrem as decisões para a categoria.

Para Botelho, para que houvesse verdadeira democracia sindical, os estatutos deveriam prever o apoio de uma maioria significativa para a tomada de decisões. “Seria importante incluir uma cláusula que qualquer decisão importante deveria ser reconhecida apenas se mais do que 50% das pessoas aparecerem para votar, por exemplo”. Lembrando que, com os recursos tecnológicos, não seria difícil conseguir essa participação.

Nos casos de sindicatos de servidores públicos, que não têm contribuição sindical e sobrevivem por outros meios, como mensalidades e acordos de financiamento, é preciso uma pressão muito maior para mudar as regras do estatuto – caso alguém se proponha, será uma briga ferrenha. Mas nos sindicatos dos trabalhadores regrados pela CLT, o fim da contribuição sindical também facilita mudar esse quadro.

“A democracia sindical é importantíssima. Sindicatos que não são representativos têm dirigentes que se perpetuam no poder e não abrem as decisões para a categoria, o que deviam fazer. Sem a contribuição, esse pessoal vai perder espaço, os dirigentes terão de sair ao encontro dos trabalhadores e prestar contas. Os que não tornarem as decisões mais democráticas, não vão sobreviver”, afirma Stürmer.

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Futuro

Enquanto os sindicatos não conseguem uma solução para financiar suas atividades, seus dirigentes temem entrar em um período de dificuldades sérias, sem recursos ou apoio da categoria, deixando trabalhadores desassistidos.

Tendo em vista os trabalhadores mais vulneráveis, que muitas vezes necessitam do sindicato para não serem enganados, esse “tempo de ajuste” pode ser prejudicial. Essa questão, porém, na opinião de Fernando Botelho, da USP, não se resolve mantendo sindicatos que sobrevivem apenas à base de imposto sindical, porque essas instituições não têm sido vantajosas para esses trabalhadores. “Empresas não demitem funcionários com muito valor. A existência de trabalhadores vulneráveis, trocados facilmente, é um problema mais profundo do Brasil, o país realmente deveria estar se preocupando por ajudar que essas pessoas sejam mais produtivas e valiosas, mas são outros os caminhos que devem ser adotados para melhorar esse cenário”, afirma.

“Em uma economia forte como queremos tem espaço para os sindicatos, para moderar o poder das empresas e preservar ganho de trabalhadores. Mas não sindicatos como os de hoje, com sua função desviada. Existe futuro sim, mas para outro tipo de sindicato. O tipo de sindicato que temos hoje precisa acabar, o quanto antes”

Fernando BotelhoFaculdade de Economia da USP

Apesar desse cenário, quem torce o nariz para sindicalistas, quando percebe sua atuação desvirtuada, não pode esquecer que eles são chamados a exercer um papel essencial na sociedade. Quando os sindicatos são fortes e representativos, ganham o governo, as empresas e, principalmente, os próprios trabalhadores, frisa André Gambier Campos, pesquisador do Ipea, em seu estudo “Sindicatos no Brasil: o que esperar no futuro próximo?”, publicado em dezembro de 2016, texto em que aparecem as consequências negativas da atual estrutura histórica dos sindicatos, fruto de anos de contribuição compulsória e unicidade sindical.

Por isso que, para especialistas como Fernando Botelho, da USP, as mudanças feitas nesse sentido na reforma trabalhista e as futuras que possam vir, com a futura liberdade sindical – quebra da unicidade prevista hoje em lei –, podem quebrar um ranço no mercado de trabalho no Brasil que há muito já deveria ter sido eliminado. “Em uma economia forte como queremos tem espaço para os sindicatos, para moderar o poder das empresas e preservar ganho de trabalhadores. Mas não sindicatos como os de hoje, com sua função desviada. Existe futuro sim, mas para outro tipo de sindicato. O tipo de sindicato que temos hoje precisa acabar, o quanto antes”, finaliza.

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*** Confira a nova redação dada à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em relação ao imposto sindical:

Art. 545. Os empregadores ficam obrigados a descontar da folha de pagamento dos seus empregados, desde que por eles devidamente autorizados, as contribuições devidas ao sindicato, quando por este notificados.

Art. 578. As contribuições devidas aos sindicatos pelos participantes das categorias econômicas ou profissionais ou das profissões liberais representadas pelas referidas entidades serão, sob a denominação de contribuição sindical, pagas, recolhidas e aplicadas na forma estabelecida neste Capítulo, desde que prévia e expressamente autorizadas.

Art. 582. Os empregadores são obrigados a descontar da folha de pagamento de seus empregados relativa ao mês de março de cada ano a contribuição sindical dos empregados que autorizaram prévia e expressamente o seu recolhimento aos respectivos sindicatos.

Art. 583. O recolhimento da contribuição sindical referente aos empregados e trabalhadores avulsos será efetuado no mês de abril de cada ano, e o relativo aos agentes ou trabalhadores autônomos e profissionais liberais realizar-se-á no mês de fevereiro, observada a exigência de autorização prévia e expressa prevista no art. 579 desta Consolidação.

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