Considere esse fato chocante: apesar das terríveis imagens de mais um ataque com armas químicas contra civis na Síria, a intervenção humanitária do último dia 13, liderada pelos Estados Unidos, com o objetivo de proteger os cidadãos, era fundamentalmente ilegal. Sob a ótica da lei internacional atual, o presidente Donald Trump não tem autorização para lançar um único míssil a fim de impedir futuros ataques, ainda que o propósito de salvar vidas civis seja justo e claro.
Não importa o quão sábia você considere a intervenção por parte dos EUA, juristas comumente concordam que a Carta das Nações Unidas não permite o uso da força militar para impedir ataques com armas químicas, independentemente da perversidade de tal ato, sem a aprovação do Conselho de Segurança da ONU. Essa exigência me parece moralmente errada e prejudicial aos objetivos de se opor a regimes de governo “desonestos” e de proteção aos direitos humanos.
Tenho pesquisado a crise na Síria e constatado que, quando se trata de proteger os inocentes de atrocidades, a legislação internacional é profundamente fraca.
Antes que mais uma série de ataques terríveis contra civis seja iniciado – na Síria ou em qualquer outro lugar – é importante que se melhore a estrutura legal falha da ONU a fim de autorizar o uso da força em resposta a ataques com armas químicas contra civis. Mas como?
Regras do passado
Vamos considerar o que está em vigor atualmente. Segundo a carta da ONU, Estados podem lançar mão da força contra outras nações somente em caso de auto-defesa ou quando autorizados pelo Conselho de Segurança do órgão. O conselho inclui cinco membros permanentes com poder de veto: Estados Unidos, Reino Unido, França, China e Rússia.
Essas regras foram criadas logo após a Segunda Guerra Mundial, e foram pensadas para melhorar a estabilidade global. Ao conceder poder de veto às cinco maiores potências mundiais, a Carta assegurou que nenhuma decisão do Conselho de Segurança poderia levar a um conflito entre essas nações.
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Hoje, entretanto, essas normas autorizam que um único Estado paralise qualquer decisão do Conselho de Segurança, incluindo ações cujo intuito é prevenir atrocidades em massa contra civis. A Rússia, em apoio ao regime de Bashar al-Assad, tem vetado repetidamente qualquer proposta de ação de força contra a Síria. Isso deixa aos EUA poucas opções de uso legal da força contra o regime, até mesmo para evitar ataques químicos.
Tais proibições não impediram, contudo, que Estados Unidos, Reino Unido, França e outros países de agirem para salvar civis. Em casos como a intervenção humanitária da Otan no Kosovo, em 1999, e o ataque a mísseis promovido por Donald Trump contra a Síria em 2017, a força militar foi usada em violação ao direito internacional a fim de proteger civis.
Notavelmente, a opinião pública aceitou, de modo tácito – até mesmo pode ter aplaudido –, essas manobras “ilegais”.
De fato, um dia após o bombardeio norte-americano de 13 de abril, 12 dos 15 membros do Conselho de Segurança da ONU votaram contra ou se abstiveram de votar a proposta da Rússia de condenar os ataques à Síria. Tal posicionamento indica o apoio generalizado, ou ao menos a aceitação, pela intervenção.
Apesar dessa confusão, a crise atual mostra que há meios decisivos pelos quais os EUA podem agir para melhorar a lei internacional e diminuir violências do gênero contra civis no futuro.
Etapas positivas
Primeiramente, os EUA devem buscar formalmente a aprovação do Conselho de Segurança da ONU para realizar uma intervenção na Síria. Ao apresentar um propósito claramente humanitário para a ação e, provavelmente, incorrer em um veto russo, os Estados Unidos demonstrarão, mais uma vez, a discrepância entre Justiça e legalidade na conjuntura atual. Vai ficar claro ao mundo como a lei internacional está desatualizada.
A seguir, os Estados Unidos devem trabalhar para impedir futuros ataques de armas químicas contra civis, promovendo uma iniciativa internacional a fim de atualizar a Carta da ONU. Uma iniciativa nesse sentido seria capaz de desenvolver propostas para autorizar intervenções humanitárias legítimas, mesmo em casos de impasse no Conselho de Segurança. Provavelmente, a intervenção contra o uso de armas químicas obteria maior apoio do que outras propostas de intervenção humanitária.
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Terceiro, os norte-americanos precisam usar da diplomacia para mobilizar uma coalizão global que apoie a adoção de tais propostas na ONU. Isso não será fácil. Em 72 anos de história, a ONU adotou poucas mudanças em seus princípios de governança, e os atuais membros do Conselho de Segurança não têm muito incentivo para reduzir sua influência nas decisões globais.
Apesar disso, os objetivos finais desse tipo de intervenção – a promoção dos princípios de humanidade, legitimidade e coerência no Direito Internacional – fazem com que os esforços futuros valham a pena. Embora a adoção bem-sucedida dessas mudanças possa estar distante, o debate pode provocar efeitos duradouros no processo de melhora de um sistema atualmente defasado. Esses desenvolvimentos ajudariam, a longo prazo, promover os Direitos Humanos, deter futuros ataques químicos contra civis e, finalmente, fortalecer a capacidade da lei de promover a humanidade e a Justiça no sistema internacional.
*Andrew Bell é professor-assistente de Estudos Internacionais na Universidade de Indiana, nos Estados Unidos.
©2018 The Conversation. Publicado com permissão. Original em inglês.
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