Por três votos a dois, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) absolveu, nesta terça-feira (18), o industriário desempregado Israel de Oliveira Pacheco, 30, das acusações de estupro e roubo que o levaram, em 2008, para trás das grades. Inicialmente condenado a 13 anos de prisão, o réu teve a sentença reduzida para 11 anos.
O ministro Luiz Fux acompanhou os colegas Marco Aurélio Mello, relator do caso, e Rosa Weber, para concluir que um exame de DNA ao qual Pacheco se submeteu o eximiu da participação no crime sexual, ocorrido em maio de 2008 em Lajeado (RS). Votaram pela manutenção da condenação de Pacheco os ministros Alexandre de Moraes e Luís Barroso.
Segundo a Defensoria Pública do Rio Grande do Sul, Pacheco passou cerca 10 anos preso, entre regimes fechado e semi-aberto, por um crime que não cometeu. Hoje, ele está em livramento condicional no Rio Grande do Sul.
O caso é considerado por especialistas em exames genéticos e perícia criminal um marco, que deve provocar mudanças na jurisprudência sobre as sessões de reconhecimento de suspeitos em delegacias de polícia. Isso porque, Pacheco foi condenado mesmo com o exame de DNA apontando que ele não estava na cena do crime. O homem foi reconhecido por duas vítimas, embora elas tivessem alegado à polícia que o agressor se cobriu e pediu para que elas não olhassem para seu rosto durante o crime.
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“Esse é um caso que ilustra bem a necessidade de o Brasil avançar no uso da ciência como meio de combate ao crime. Hoje, dominamos as técnicas forenses mais avançadas, capazes de dar aos juízes segurança para decidirem com base científica. É preciso começar a usar essa expertise, que aponta culpados e também inocentes”, disse o presidente Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF), Marcos Camargo.
Defensor público que atua no caso desde 2011, Rafael Raphaelli disse que “foi uma longa luta para afastar a condenação de uma pessoa que sempre acreditamos ser inocente. Trabalho que começou na origem com meus colegas. O principal foi que óbices formais foram superados para que o direito material tivesse prevalência no caso. A prova científica teve maior peso do que o reconhecimento pessoal, que é causa muito comum de erros judiciários”.
DNA
Israel de Oliveira Pacheco foi preso acusado de ter estuprado uma jovem no Rio Grande do Sul, em 2008. Ele sempre negou o crime. Depois da condenação, um exame de DNA comprovou que não era dele o sangue encontrado na colcha do quarto em que ocorreu o ataque, mas sim de um suspeito que havia acusado o próprio Pacheco pelo estupro, o auxiliar de expedição Jacson Luis da Silva, 30.
Além disso, o cruzamento de dados da Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos, formada por peritos criminais estaduais e da Polícia Federal, detectou que Jacson Silva estava vinculado a outros dois casos de estupro.
O Judiciário passou a cobrar do Instituto Geral de Perícias (IGP) o resultado do exame sobre as manchas de sangues achadas no local do crime. Foram vários ofícios até que, em maio de 2009, um ano depois do crime e 10 meses após a prisão de Pacheco, o IGP informou o primeiro resultado. Ele era totalmente favorável ao réu.
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“Podemos excluir que o material biológico presente no fragmento de tecido da colcha pertença ao suspeito Israel”, apontaram as peritas Cecília Helena Fricke Matte e Trícia Cristine Kommers Albuquerque.
A Defensoria pediu então que Silva fosse ouvido a respeito do resultado do exame. Pelas leis brasileiras, Silva não precisava doar uma amostra de sangue para comparação com o sangue localizado no quarto. A defesa de Silva disse que ele não iria se manifestar.
Para a Defensoria Pública, Procuradoria Geral da República (PGR) e o ministro relator do caso no Supremo, Marco Aurélio Mello, a prisão de Israel Pacheco se tratou de um erro do sistema judiciário. Mas o Ministério Público estadual e decisões do Judiciário na primeira e na segunda instâncias do Rio Grande do Sul afirmam que Pacheco foi reconhecido pela vítima e pela mãe dela.
O crime
A história que levou à condenação de Pacheco, que hoje está em livramento condicional, começou na noite de 14 de maio de 2008, quando a vendedora L.D., então com 20 anos, e sua mãe, M.D., 54, chegaram em casa em Lajeado (RS) após um dia de trabalho. Elas descobriram que na casa havia um invasor, armado com uma faca e com o rosto coberto pelo capuz de um casaco de frio.
O homem rendeu as duas e as amarrou com uma fita adesiva. Deixou a mãe num quarto e empurrou a filha para outro, onde começou a violentá-la. No início do ato, contudo, L. fingiu que estava tendo um ataque de asma e disse que poderia morrer se não tomasse um copo de água. O homem a liberou para ir buscar a água. A jovem, então, correu e se trancou no outro quarto com a mãe. O ladrão tentou invadir o quarto, mas elas arrastaram um móvel e conseguiram trancar a porta. Um vizinho ouviu os gritos de socorro e disse que estava chamando a polícia. O invasor fugiu, levando um computador, um telefone celular e outros objetos avaliados em R$ 4,3 mil.
As duas vítimas disseram à polícia que só viram um homem na casa. Ele provavelmente se cortou ao entrar pelo telhado, pois deixou uma mancha de sangue na colcha da cama. Dois seguranças das imediações, ouvidos em depoimento, disseram que só viram um homem suspeito nas redondezas. Não houve nenhuma prisão em flagrante. A polícia começou a investigar.
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Duas semanas depois do crime, após diligências que não ficam muito claras no processo, os policiais abordaram e prenderam Pacheco na estação rodoviária da cidade, quando ele se preparava para voltar para Três Coroas (RS), onde morava. Ele disse que costumava visitar a mãe em Lajeado.
Na delegacia, Pacheco foi reconhecido pelas duas mulheres. As palavras que constam dos atos de reconhecimentos assinadas pelas duas são idênticas. Pacheco foi indiciado pelo delegado responsável pelo caso, José Romaci Reis, que incluiu na “vida pregressa” de Pacheco até um homicídio.
Depois, ao longo do processo, ficou provado que era apenas uma acusação de tentativa de homicídio, da qual Pacheco foi isentado sem chegar a responder judicialmente. Ele nunca havia sido preso ou processado antes daquela data. Pesou também contra Pacheco informações repassadas por um delegado de Três Coroas, segundo o qual “a família toda” de Pacheco “é conhecida como 'Os Gameleiros' e os mesmos são acostumados a praticar furtos e aterrorizar a população”.
Em sua defesa, Pacheco disse que era inocente, que nunca esteve na casa onde ocorreu o crime e nunca tinha visto as duas vítimas. Ele estudou até a 6ª série e começou a trabalhar aos 14 anos de idade. Tinha uma filha de quase dois meses à época, se disse pobre e informou que recebia auxílio financeiro da mãe. Como não tinha advogado, o juiz nomeou para sua defesa um defensor público do estado do Rio Grande do Sul.
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O promotor de Justiça Gustavo Schneider de Medeiros acompanhou o pedido da Polícia Civil pela prisão preventiva, que foi ordenada pelo juiz André Luis de Moraes Pinto. O réu seguiu para o presídio estadual de Lajeado.
Apenas um mês e quatro dias depois do crime, o promotor de Justiça Ederson Luciano Maia Vieira apresentou denúncia contra Pacheco. Até aquele momento, em nenhum trecho do inquérito ou da denúncia é mencionada a suposta participação de Jacson Silva. A denúncia também ocorreu antes da apresentação do exame pericial nos vestígios de sangue no local do crime, que continuavam sendo analisados pelo IGP do RS.
No decorrer do processo, Pacheco foi ouvido pela Justiça e disse que, na noite do crime, estava num baile no Country Clube da cidade. Uma testemunha, Paulo de Souza, confirmou a presença do acusado no local. No entanto, o álibi de Pacheco não foi levado em conta.
Pacheco já estava há quase 45 dias preso quando o delegado José Romaci Reis avisou que acabara de indiciar um morador chamado Jacson Silva “pela prática de roubo” no mesmo caso. Ocorreu que a polícia localizou pessoas que disseram ter comprado de Silva objetos que haviam sido roubados da casa de L. na noite do estupro.
Em depoimento, Silva admitiu que vendeu os objetos, mas culpou Pacheco, àquela altura já preso pelo estupro. A Defensoria descobriu que um advogado que chegou a atuar preliminarmente para Pacheco acabou sendo contratado por Silva - ou seja, em tese Silva já poderia saber que havia uma pessoa presa e denunciada pelo Ministério Público pelo estupro.
A polícia descobriu em seguida e colocou nos autos dados inquietantes sobre Silva. Em janeiro daquele ano, M., uma mulher de 25 anos, já havia procurado a polícia para denunciá-lo por estupro. Ela contou em janeiro que estava pedalando na rodovia BR-386 quando foi derrubada por um homem numa moto Honda Biz preta. O motoqueiro disse que estava armado e mandou que ela tirasse a roupa. Ela foi estuprada, sem preservativo, em uma casa abandonada. Ele “parecia meio louco”, disse a mulher. Ela conseguiu decorar a placa da moto e no mesmo dia a polícia descobriu o dono do veículo: Jacson Silva.
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O homem foi ouvido pela polícia em janeiro e confessou ter acertado a moto na bicicleta da mulher, mas disse que foi um acidente. Ele afirmou que socorreu a mulher, levou-a à casa dele, onde mantiveram relações sexuais “consensuais”. Silva disse que ninguém estava na casa dele naquele momento.
Ao ser ouvido no caso de Pacheco, Silva passou a acusá-lo e disse que não chegou a entrar na casa em que ocorreu o estupro. O depoimento de Silva contém contradições, segundo a Defensoria Pública.
Ele disse que estava estudando num curso de gastronomia quando recebeu a ligação de Pacheco, a quem disse que havia conhecido num bar de sinuca poucos dias antes, para que pegasse com ele os objetos roubados. Silva disse foi até o local, pegou a mochila com os objetos roubados e foi embora. À polícia, também afirmou que não foi mais procurado por Pacheco. À Justiça, porém, alegou que recebeu uma outra ligação de Pacheco dias depois do crime. Da mesma forma, segundo a Defensoria, a universidade do curso de gastronomia desmentiu Silva ao dizer que a aula daquela noite ocorreu num local diferente do informado por ele.
No momento em que Silva aparece na trama, a ação penal contra Pacheco já estava em andamento. Em vez de o Ministério Público e a polícia aprofundarem a apuração sobre a possível autoria de Silva - que fora encontrado com os objetos roubados e havia sido acusado de outro estupro -, os investigadores decidiram manter a acusação contra Pacheco e colocar Silva como um participante apenas do roubo, não do estupro.
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