Em debate sobre o direito ao esquecimento, realizado nesta segunda-feira (21) em Brasília, a ministra Cármen Lúcia, presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), disse que a corte encontrará um "equilíbrio" para que a liberdade de expressão não fira a dignidade das pessoas ao mesmo tempo em que a liberdade de uma pessoa não se sobreponha à de todas as outras.
O Supremo decidirá sobre o direito de uma pessoa de não permitir que um fato ocorrido em um determinado momento de sua vida seja exposto ao público indefinidamente -o chamado direito ao esquecimento.
"Nós encontraremos, com certeza, o equilíbrio que é virtuoso para deixar que a liberdade garanta a dignidade, mas que a liberdade de um não se sobreponha à de todos os outros de tal maneira que nós não tenhamos mais condições de saber qual é a nossa história", disse Cármen Lúcia.
"É preciso reconhecer que, para que eu tenha futuro, é preciso que eu tenha passado. Ter passado é ter identidade, e um povo não vive sem identidade."
A ministra não adiantou qual é o seu entendimento sobre o assunto, já que deverá analisá-lo no Supremo. Porém, a partir de sua experiência como relatora da ação que permitiu que biografias sejam feitas sem a autorização do biografado ou de familiares, Cármen Lúcia defendeu a construção da memória coletiva com base em relatos de histórias verídicas sobre indivíduos.
O debate foi realizado na sede da OAB do Distrito Federal pela Aner (Associação Nacional de Editores de Revistas) e o Instituto Palavra Aberta.
Para Eduardo Mendonça, professor de direito constitucional, que também participou do evento, reconhecer o direito ao esquecimento "não é a resposta adequada" ao conflito entre liberdade de expressão e direito à intimidade.
Mendonça disse que será um problema dar ao Estado o poder de decidir em que momento uma informação deverá ser apagada, nos casos em que a informação, no momento de sua publicação, estava correta e não teve o objetivo de desmoralizar as pessoas citadas.
"Nós queremos que 17 mil juízes sejam os editores do debate público?", questionou Mendonça. "O Brasil não precisa de mais censura, já há censura demais no Brasil."
A subprocuradora-geral da República Deborah Duprat, que representou o procurador-geral, Rodrigo Janot, disse que o direito ao esquecimento, como conceito autônomo, não existe no ordenamento jurídico brasileiro.
"Nós não temos no nosso ordenamento jurídico o direito ao esquecimento", afirmou. "Nosso direito consagrado é o direito à memória e à verdade".
O CASO NO STF
O caso que será julgado no STF é o de Aída Curi, que foi assassinada em 1958. A família recorreu ao STF e pediu uma indenização pela exploração da imagem dela no programa "Linha Direta", da TV Globo.
Familiares disseram que sofreram um "massacre" de órgãos de imprensa na época do crime e reclamaram que, mais de 50 anos depois, a Globo veiculou programa com a imagem real de Aída, com cenas de violência.
A Globo, por sua vez, argumentou que o conteúdo abordado no programa se limitou a fatos públicos, retirados de arquivo e de livros, e que os direitos de imagem não se sobrepõem ao direito coletivo da sociedade de ter acesso a fatos históricos.
O caso está sob relatoria do ministro Dias Toffoli, que realizou audiência sobre o tema em junho. Não há data para o julgamento. O resultado terá reflexo sobre todos os casos semelhantes -a chamada repercussão geral.
O advogado Gustavo Binenbojm, que também participou do debate nesta segunda, disse que o conceito de direito ao esquecimento foi importado da Europa, onde nasceu no contexto do pós-guerra e já tem sido superado em julgamentos recentes.
Em 2012, segundo o advogado, a Justiça da Itália, por exemplo, negou o pedido de um político para tirar do site de um jornal uma notícia sobre uma denúncia contra ele. A Justiça determinou apenas que o jornal publicasse, junto com a notícia original, um link com nova reportagem informando que o político havia sido absolvido.
"Informação lítica não está sujeita a ser retirada por mero decurso do tempo. Pode causar dissabores, mas a sociedade tem direito de saber", disse Binenbojm.
Já Anderson Schreiber, procurador do Estado do Rio de Janeiro, afirmou que há muita confusão no debate sobre o direito ao esquecimento. "O objetivo não é enterrar acontecimentos de interesse público histórico, mas garantir o direito de o indivíduo se proteger de uma memória opressiva de um fato desatual que está impedindo o desenvolvimento de sua personalidade", disse.
Schreiber citou como exemplos casos de transexuais que na Europa recorrem à Justiça para impedir a divulgação de sua situação anterior à mudança de sexo.
"A origem desse conceito é proteger o sujeito de uma projeção pública de forma desatual se comparada à sua situação atual", disse.
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