O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) vai discutir se a obrigação de identificação civil pode ser excepcionada, em algum grau, pela garantia constitucional da liberdade religiosa. A União recorreu ao STF contra uma decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que garantiu a uma freira a liberdade de tirar a foto para a carteira nacional de habilitação (CNH) vestindo seu hábito religioso, que cobre parte da cabeça. O Contran do Paraná havia proibido a foto com a peça, com base em uma norma administrativa.
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O ministro Luís Roberto Barroso, relator do Recurso Extraordinário (RE) que chegou ao Supremo, considerou que “a questão constitucional consiste, apenas, em definir se uma obrigação relacionada à identificação civil pode ser excepcionada pela liberdade religiosa assegurada pelo art. 5º inciso VI da Constituição”. Não se trata de uma questão de fato, porque o TRF-4 já tinha considerado que o uso do hábito não impedia o reconhecimento da fisionomia da freira.
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Barroso reconheceu a importância das obrigações relacionadas à identificação civil, mas afirmou que “a identificação civil, como qualquer ato estatal, encontra limites nos direitos e liberdades individuais” e que, portanto, os meios escolhidos pelo Estado para assegurar essa identificação não podem violar a liberdade de consciência e de crença. O ministro também ponderou que “decisões sobre religião, vida afetiva, trabalho, ideologia e outras acepções personalíssimas não podem ser subtraídas do indivíduo sem violar sua dignidade”, embora “a vida em comunidade [imponha] responsabilidades e deveres ao indivíduo em relação à coletividade”.
Liberdade religiosa
O caso veio à tona a partir da representação de uma freira da Congregação das Irmãs de Santa Marcelina perante o MPF. A irmã havia sido proibida de tirar foto para a CNH utilizando seu traje religioso, com base na Resolução 192/2006 do Contran, que proíbe fotos com “óculos, bonés, gorros, chapéus ou qualquer outro item de vestuário/acessório que cubra parte do rosto ou da cabeça”.
O MPF, no entanto, acionou a Justiça por meio de uma Ação Civil Pública, porque considerou ilegal a aplicação dessa vedação à freira. Para os procuradores, o hábito não é um acessório estético, mas parte da identidade das Irmãs de Santa Marcelina e impedir seu uso seria uma violação da liberdade de culto. O MPF argumentou ainda que exigir a retirada do hábito seria como obrigar o aparo de barba ou bigode, o que afrontaria a “capacidade de autodeterminação das pessoas”.
O TRF-4 deu razão aos procuradores. No acórdão, os desembargadores decidiram que a resolução 192/2006 – uma norma infra legal – não poderia contrariar o artigo 5º, inciso VI da Constituição. “A garantia fundamental constitucional insculpida no artigo 5º, VI, da Carta da República não pode sofrer mitigação por norma infralegal, sob pena de manifesto enfraquecimento do sistema de proteção dos direitos fundamentais intergeracionais albergado pelas Constituições modernas”, escreveram os desembargadores.
A União recorreu da decisão alegando que ela desrespeitou o artigo 5º, inciso VIII da Constituição, que diz que “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”. O recurso sustenta que a liberdade religiosa é limitada pelo inciso VIII e que, portanto, “não pode se sobrepor a uma obrigação comum a todos”.
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