Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça negou, de forma unânime, habeas corpus de devedor que teve seu passaporte bloqueado pela Justiça de primeiro grau. No entendimento dos magistrados da Corte, a decisão judicial de restrição de saída do país como meio para o pagamento voluntário da dívida não foi ilegal, na medida em que o devedor não indicou meios menos onerosos – e mais eficazes – para quitar o débito.
A retenção de passaportes como coação para saldar dívidas começou a ser aplicada pela Justiça com o advento do Código Civil de 2015. Ainda que não fale especificamente no bloqueio do documento, o artigo 139 da lei traz, em seu inciso IV, que o juiz pode “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.
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Até então, porém, o STJ não tinha entendido de forma favorável à retenção do documento. Em junho, a Quarta Turma deu parcial provimento a recurso em habeas corpus para desconstituir a medida. Na ocasião, os magistrados afirmaram que a decisão foi desproporcional, tendo violado o direito constitucional de ir e vir do réu.
Nesse caso mais recente, a ministra Nancy Andrighi, relatora da matéria no tribunal superior, reconheceu que a medida de restrição de saída do país sem prévia garantia da execução da dívida pode implicar, de forma potencial, ameaça ao direito de ir e vir. Isso porque a determinação impediria o devedor, no período em que a medida estiver vigente, de ir aonde quiser.
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Ainda, Nancy observou que o juiz de primeiro grau aplicou a medida coercitiva sem observar o contraditório. Ao mesmo tempo, contudo, apontou que o devedor não propôs nenhum meio menos oneroso para executar a dívida. Essa atitude do réu, de acordo com a ministra, violaria os deveres de boa-fé e colaboração, explicitado no artigo 805 do Código Civil de 2015:
Art. 805. Quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado.
Parágrafo único. Ao executado que alegar ser a medida executiva mais gravosa incumbe indicar outros meios mais eficazes e menos onerosos, sob pena de manutenção dos atos executivos já determinados.
Por esse motivo, segundo Nancy, não houve manifesta ilegalidade ou abuso de poder a ser reconhecido pelo habeas corpus.
“(...) A única solução aplicável ao caso concreto é a manutenção da medida restritiva impugnada (anotação de restrição à saída do país sem prévia garantia da execução), ressalvada a possibilidade de sua modificação superveniente pelo juízo competente na hipótese de ser apresentada sugestão de meio alternativo”, escreveu a ministra na decisão, que foi acompanhada de forma unânime pelos demais magistrados da Terceira Turma.
Bloqueio da CNH
O juízo de primeiro grau ainda determinou o bloqueio da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) do devedor, fato que também foi contestado no habeas corpus encaminhado ao STJ.
Nesse ponto, a Corte não vislumbrou que o impedimento de dirigir veículo automotor ameaçava o direito de ir e vir do réu, um dos requisitos desse tipo de ação. Na decisão, Nancy colocou que: “ questão relacionada à restrição do direito de dirigir pela suspensão da carteira nacional de habilitação deve ser enfrentada, portanto, pelas vias recusais próprias, não sendo possível sua apreciação na sede do habeas corpus”.
Tema polêmico
O tema deve render muita polêmica até que chegue ao Plenário das Cortes Superiores, a fim de pacificar a jurisprudência nacional sobre esse tipo de medida. Em matéria de 2017 sobre o assunto, especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo ficaram divididos quanto à possibilidade de bloqueio de passaporte como método coercitivo para saldar dívidas.
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Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Sérgio Staut Júnior considerou a medida uma afronta ao direito de ir e vir da pessoa, “uma forma absolutamente equivocada de fazer uma cobrança de dívida civil”. Para o professor, enquanto no âmbito penal a liberdade dos indivíduos pode ser sacrificada, a tendência do direito privado é – ou deveria ser – de caminhar no sentido oposto.
O advogado Renato Almada, especialista em direito processual civil, por outro lado, disse que a restrição seria válida para devedores contumazes, que agem de má-fé. Deveria haver, portanto, uma análise bastante aprofundada do caso concreto. Almada lembrou que o Código Civil de 1973 já previa a possibilidade de o juiz tomar atitudes consideradas atípicas, sendo que o Código de 2015 só deixou a questão mais clara, ainda que de forma não explícita. Leia a matéria completa.
Recurso em habeas corpus n. 99.606 – SP (2018/0150671-9)
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