Por 7 votos a 4, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou nesta quarta-feira (14) que o motorista não pode fugir de local de acidente, entendendo constitucional o artigo 305 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB).
Os magistrados decidiram sobre ação em que um motorista tinha recorrido ao princípio da não autoincriminação, de que “ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo”, previsto no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal, para ser absolvido de ação na Justiça. No dia 2 de novembro, bêbado, o motorista colidiu com seu automóvel em outro veículo, tendo escapado logo em seguida, mas abordado na sequência pela Polícia Militar.
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Turmas recursais no Rio Grande do Sul deram razão ao motorista, aceitando a tese de que “ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo”, considerando inconstitucional o artigo 305 do CTB. Insatisfeito, o Ministério Público do Rio Grande do Sul recorreu ao STF.
O ministro Luiz Fux, relator do recurso extraordinário, considerou o fato de o motorista fugir do local do acidente “indefensável”. Segundo ele, o direito ao silêncio previsto no artigo 386 do Código de Processo Penal não significa recusa de participar do devido processo legal. “Como uma sociedade justa e solidária pode admitir que alguém fuja do local do acidente para não se incriminar?”, disse. Para ele, o princípio da proporcionalidade atua em primeiro lugar pela defesa dos direitos fundamentais e, portanto, a proibição de fugir de uma ocorrência de trânsito não violaria o direito de não se autoincriminar.
O voto de Fux foi seguido pelos ministros Alexandre de Moraes, Luiz Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Cármen Lucia e Ricardo Lewandowski. Barroso manifestou ainda a preocupação de que o Estado dê a mensagem que quem é responsável por um acidente possa se evadir do local, deixando inclusive vítimas desatendidas.
Argumentos
O ministro Alexandre de Moraes afirmou que há uma “verdadeira epidemia” de acidentes de trânsito no País e que o artigo 305 tem por objetivo obrigar que o condutor envolvido no acidente permaneça no local para que autoridades possam apurar o que ocorreu. “O fato de o artigo 305 estabelecer uma vedação ao condutor do veículo de se afastar do local do acidente não o obriga ao ficar a ter que confessar uma responsabilidade, ou a ter que abrir mão de seu direito ao silêncio, não obriga a ter de participar de uma reconstituição imediata, a realizar exames obrigatórios. Eles têm a obrigação, como condutores de veículos, de resguardar local dos fatos e aguardar a apuração.”
Moraes lembrou que estudos técnicos mostram que a partir da preservação do local do acidente e da análise deste local para apurar o que aconteceu, a prevenção se torna mais fácil. “Não só apurar eventuais responsabilidades dos envolvidos, mas também para se evitar que isso volte a ocorrer.”
O ministro Edson Fachin destacou em seu voto que, em 1981, o Brasil passou a adotar regras estabelecidas por uma convenção de trânsito celebrada em Viena, que trata, entre outros pontos, sobre o comportamento do motorista em caso de acidente. “Como o Brasil internalizou-a, portanto, é lei no Direito interno a ser considerada para a solução dos casos submetidos à prestação jurisdicional”, frisou Fachin.
“Todos nós brandimos armas contra a morosidade da Justiça, a dificuldade de responsabilização, os lapsos temporais alargados que podem se converter em impunidade. Este tipo vem na direção oposta. E, portanto, me parece que é constitucional”, disse Fachin, acompanhando o relator do caso.
O ministro Luís Roberto Barroso defendeu a existência de um direito penal moderado, mas ressaltou que, “no atual estágio da condição humana, o comportamento ético precisa de um incentivo normativo”. “Eu não me animo a retirar do Código Penal uma norma que acho que dá o incentivo correto às pessoas pararem para socorrer ou permitir a reconstrução do fato, assegurado o direito de permanecer em silêncio para não se auto incriminarem.”
Barroso disse ainda que considera o dispositivo compatível com a Constituição, porque fugir após atropelar, causar acidente ou ser parte de um acidente não são condutas compatíveis com o ideal constitucional de uma sociedade justa e solidária. “A permanência no local do delito é imunizada de qualquer intervenção penal sobre a pessoa para dar incentivo a esta prática solidária e minimamente humana de socorrer alguém. E o ato de socorrer, diante de fato de trânsito, deve ser atenuante relevante numa demonstração de culpabilidade.”
Já a ministra Rosa Weber afirmou que o artigo 305 do CTB não ofende a Constituição Federal e que a exigência de permanência do condutor no local do acidente permite sua identificação, facilita a responsabilização penal e civil e “apresenta-se como importante fator de solidariedade a incrementar a proteção à vida e integridade física da vida”.
“Eu compreendo que o artigo 305 em exame, ao expressar a preocupação do legislador federal com a administração da justiça, com a segurança no trânsito e, por conseguinte, com a preservação dos direitos - a integridade da vítima, a incolumidade pública, a saúde dos usuários da vias públicas -, não malferem os princípios da ampla defesa, da auto incriminação e da igualdade.” Após voto da ministra, a sessão foi suspensa para almoço dos ministros, tendo sido retomada às 14h30.
A ministra Cármen Lúcia, por sua vez, entendeu não ser possível considerar inválido o dispositivo por afronta a princípios fundamentais. “Não considero ter havido aqui afronta ao princípio da proporcionalidade e excesso do legislador em face da garantia constitucional que permanece hígida e considerando o princípio da responsabilidade que é de todo cidadão em relação aos outros porque não dá para como se deixar de entender o direito como instrumento de acatamento ao princípio da responsabilidade que é própria da convivência social.
Divergências
O ministro Gilmar Mendes abriu a divergência e foi seguido pelos ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Dias Toffoli.
Gilmar Mendes defendeu que a simples presença no local do crime inquestionavelmente contribuiria para uma possível indicação de autoria – ainda que o motorista não fosse culpado – e, portanto, feriria o direito da não autoincriminação. Por isso, para ele, o artigo 305 do CTB é inconstitucional.
Celso de Mello, concordando com Gilmar, acrescentou ainda que o direito da não autoincriminação no sentido “forte” não se reduz apenas a ficar em silêncio, como defendeu Fux. Inclui não cooperar na investigação penal dos fatos, entre outros precedentes.
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