O presidente do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), ministro Dias Toffoli, alterou o regimento interno, derrubando barreiras que inibiam o uso político do órgão.
Toffoli revogou o artigo 15 do regimento, retirando a quarentena que impedia os conselheiros de usar o CNJ como trampolim para conquistar vagas em tribunais.
Leia também: Moro reclama de hostilidade de ‘agentes do PT’ e diz que petistas “querem controlar a Justiça”
Ouça: Ethos #03: Sem juízes independentes não há democracia
“Não vejo razões para eliminação de uma cautela que visava impedir a utilização do cargo de conselheiro para viabilizar uma candidatura a juiz ou desembargador”, diz o advogado Sérgio Rabello Tamm Renault.
Renault foi secretário da reforma do Judiciário. Em 2004, participou da articulação para aprovar a criação do CNJ no ano seguinte.
A Secretaria de Comunicação do CNJ nega que medida comprometa isenção de juízes conselheiros.
Toffoli assumiu o CNJ em 13 de setembro. Um dia depois, apresentou ato normativo que deu origem a três resoluções assinadas no último dia 9.
O juiz Márcio Evangelista Ferreira da Silva, auxiliar da presidência, registrou em despacho que, durante a transição, a atual gestão identificou “dispositivos do regimento interno que contrariam a ordem constitucional e legal, bem como a prática do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais”.
“Vislumbrou-se a necessidade de adequá-los”, afirmou. Por ordem de Toffoli, requereu a inclusão do procedimento para julgamento em 8 de outubro. A mudança foi aprovada por unanimidade.
“Lamentavelmente, é uma forma de aparelhar mais uma vez o CNJ, depois de terem diminuído a idade para ser conselheiro”, afirma Eliana Calmon, ex-corregedora nacional de Justiça.
Leia também: Soltar Lula provocaria “situação de risco”, diz Moro em sua defesa no CNJ
“A junção dessas regras faz do CNJ um trampolim para promoções e escolhas, em detrimento do Judiciário”, diz.
A mudança pode criar facilidades para os conselheiros magistrados e para os seis membros do colegiado não oriundos do Judiciário, que, em geral, são advogados.
Esses advogados estavam impedidos de concorrer a vagas pelo quinto constitucional (vagas do judiciário que não podem ser ocupadas por juízes de carreira) em tribunais estaduais e tribunais regionais federais. Esse veto vigorava durante o mandato e dois anos depois de seu término.
Conselheiros magistrados, igualmente, não poderiam ser promovidos neste período.
A revogação da quarentena poderá comprometer o controle de tribunais fiscalizados e a isenção de conselheiros interessados nos cargos de desembargador ou de ministro.
“Depois de a sociedade brasileira ter passado por um processo traumático, como a Lava Jato, a diminuição de garantias, de isenção, não é bem-vinda”, diz o ministro aposentado Gilson Dipp, ex-corregedor nacional de Justiça.
Dipp prevê que a disputa por cargos no CNJ repetirá práticas para nomeação de ministros e desembargadores, com pedidos de apoio nos gabinetes.
Leia também: Próximo presidente pode indicar até 5 nomes para o STF; por que o eleitor deve se preocupar
O regimento permitia que os juízes auxiliares atuassem por no máximo quatro anos no CNJ. Agora, não há mais limite, desde que justificado.
Foi revogada a quarentena de juízes auxiliares do STF (Supremo Tribunal Federal), do CNJ e de tribunais superiores para concorrer ao cargo de conselheiro do CNJ, do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) ou ao cargo de ministro de tribunal superior.
Durante a convocação, juízes afastados de suas unidades não podiam “aceitar ou exercer outro encargo jurisdicional ou administrativo”, dispositivo também suprimido.
A mudança foi interpretada como forma de contornar eventual obstáculo ao secretário-geral do CNJ, desembargador Carlos Vieira von Adamek. Ele tem residência em Brasília e atuava simultaneamente na corregedoria nacional, no gabinete do ministro Luis Felipe Salomão, do STJ, e no Tribunal de Justiça de São Paulo.
Toffoli e von Adamek não comentaram as mudanças.
A Secretaria de Comunicação do CNJ afirma que “a alteração regimental não proporciona qualquer interferência no ‘controle de tribunais’ ou ‘na isenção de juízes conselheiros’, como sugerido pela reportagem”.