Alterar o sexo no registro civil de transexuais, ainda que não tenham realizado cirurgia de redesignação sexual – a chamada “mudança de sexo” –, seria chancelar o que já está reconhecido no plano psicológico do indivíduo. Partindo dessa ideia, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli deu provimento, nesta quarta-feira (22), ao Recurso Extraordinário (RE) 670.422, uma das duas ações que tramitam na Corte sobre o assunto e da qual é relator. Os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Rosa Weber acompanharam o entendimento de Toffoli, enquanto Marco Aurélio pediu vista da matéria.
No STF desde 2012, o RE 670.422, que teve repercussão geral conhecida, busca reformar decisão da 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), cujo acórdão entendeu que, no registro de nascimento do autor da ação, caso haja a modificação do prenome, deve constar a condição de transexual.
Já no início da sessão, Toffoli se referiu ao caso como “difícil”, dada a necessidade de ponderação entre diversos princípios pertinentes à pessoa humana.
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“Intimidade, identidade de gênero e felicidade, de um lado, e os [princípios] da publicidade, da informação, da veracidade, da confiança dos registros públicos e da segurança jurídica de outro”, afirmou o ministro, acrescentando que “a conclusão final é de que deve ser respeitada a dignidade humana”.
Para o ministro, mesmo que a pessoa não tenha realizado a cirurgia de transgenitalização, ela estará suscetível a uma série de constrangimentos por manter um sexo no registro civil em descompasso com sua aparência física e prenome – no caso em questão, a alteração do nome já havia sido autorizada pelas primeiras instâncias. “Não é o sexo do indivíduo, a identidade biológica, que faz a conexão do sujeito com a sociedade, mas sim a sua identidade psicológica”, disse em seu voto.
Alexandre de Moraes, que votou com Toffoli, disse não ser razoável a exigência de que a pessoa transexual assuma os riscos e os custos de uma cirurgia – dada a espera pela realização da operação pelo Sistema Único de Saúde (SUS) – para ter sua identidade refletida no registro civil. Barroso, em raciocínio similar, afirmou que “a identidade de gênero não se resume à genitália”, devendo o transexual poder optar livremente pela realização ou não da cirurgia, enquanto Rosa Weber afirmou que “a identidade de gênero não tem correspondência necessária com o sexo biológico”. Fachin, que também seguiu o relator, disse que “o TJ-RS, de muitos acertos, inventou um terceiro gênero que não deve ser acolhido”.
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O ministro Marco Aurélio, por sua vez, pediu vista da ação. Quando voltar a julgamento, o processo será analisado em conjunto com a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.275, que pede a declaração de inconstitucionalidade do artigo 58 da Lei n. 6.015/1973, a Lei de Registros Públicos. Tal disposição traz que “qualquer alteração posterior de nome só por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público, será permitida por sentença do Juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandado e publicando-se a alteração pela imprensa”. O próprio Marco Aurélio é relator da ADI.
Necessidade de decisão judicial
O voto de Toffoli também trouxe a necessidade de que decisão judicial para que se altere o registro dos transexuais seja realizada independentemente da cirurgia de transgenitalização. A alteração, segundo o ministro, deverá ser averbada à margem do assento de nascimento, com a anotação de que o ato foi realizado por determinação judicial, vedada a inclusão do termo “transexual”. A autoridade responsável também deverá determinar a expedição de mandados específicos para a alteração de registros vinculados a órgãos públicos pertinentes, como o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Tais órgãos devem preservar o sigilo dos atos.
O ministro também deixou claro que a participação desses indivíduos em atividades como competições esportivas e concursos públicos restritos a um dos sexos caberão às autoridades competentes, com a identificação dos suportes fáticos em cada caso concreto, vez que o STF não teria a capacidade para pensar “em todas as situações do mundo fático”.
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