Estudantes da Escola Naval| Foto: Marinha/Divulgação

A União perdeu mais uma batalha na tentativa de reformar (aposentar), compulsoriamente, um segundo-sargento que é transexual. O Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª. Região indeferiu pedido da Marinha de cassar uma decisão favorável à permanência da militar (homem biológico) em seus quadros.

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Em outubro de 2017, a Marinha iniciou um processo de reforma compulsória da militar (homem biológico). Ela já tinha sido afastada em setembro de 2014, quando um laudo médico atestou sua incapacidade de continuar nas Forças Armadas. O diagnóstico foi de “transexualismo e dislipidemia mista (altos níveis de colesterol e triglicéridos no sangue)”, sendo citado o código F.64,0 da Classificação Internacional de Doenças (CID) e o uso de roupas femininas.

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A militar transexual recorreu à Justiça alegando não ter problemas de saúde e que, portanto, poderia continuar a trabalhar. Além disso, apontou que era contrário à lei e à dignidade o fato de a Marinha não permitir o uso do nome social (nome feminino) na identidade funcional.

A Marinha, em sua defesa feita pela Advocacia-Geral da União (AGU), apontou que, em primeiro lugar, não poderia autorizar a transferência da militar, por não se oficial, apenas segundo-sargento. Acrescentou ainda que eram diferentes as formas de ingresso nos quadros feminino e masculino, sendo que a Escola de Aprendizes-Marinheiros, pelo qual a militar transexual havia entrado na corporação, previa apenas pessoas do sexo masculino. A Marinha sustentou ainda que não existiam normas militares que permitissem a mudança do quadro masculino para o feminino, tornando assim o pedido da militar ilegal.

Quanto ao nome social, o disposto no art. 142, § 3.º, X, da Constituição Federal garantiria à Marinha o direito de adotar suas próprias regras, em função das situações especiais dos militares, considerando a peculiaridade de sua atividade.

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O caso foi parar na 27ª. Vara Federal do Rio de Janeiro, que suspendeu o processo de reforma da militar e indicou o uso do nome social. Para fundamentar sua decisão, o juiz afirmou que a transexualidade não a tornava incapaz para atuar como militar ativa na Marinha.

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A União, então, recorreu ao TRF2. Por meio de um agravo de instrumento, pediu a suspensão da decisão do juiz da 27ª. Vara Federal do RJ e o prosseguimento do processo de afastamento definitivo da militar transexual da Marinha.

O desembargador Marcelo Pereira da Silva, da 8ª. Turma do TRF2, negou o pedido da União. Para fundamentar sua decisão, o magistrado utilizou o voto do ministro do SupremoTribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, em processo ainda não julgado sobre o direito dos transexuais serem tratados com o gênero com o qual se identificam. Apesar de estar no CID, na opinião de Barroso – os outros ministros do STF ainda não votaram –, a transexualidade deve ser olhada sob a “perspectiva do direito de reconhecimento”.

Ao mesmo tempo, citando a lei Lei 9.519/1997, que dispõe sobre a reestruturação dos Corpos e Quadros de Oficiais e de Praças da Marinha, o desembargador lembrou que o artigo 9º da norma estabelece que os Oficiais da Marinha, de ambos os sexos, “são iguais em direitos e obrigações nos termos da Constituição, observados os valores, princípios e normas nela estabelecidos”.

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“Considerando que a pessoa transexual é caracterizada exatamente pela identificação com o gênero oposto ao do seu sexo biológico, admitir a tese da União, segundo a qual não seria possível a transposição do quadro masculino para o feminino, equivaleria a dizer que transexuais não podem ser admitidos no serviço militar”, escreveu o desembargador Marcelo Pereira da Silva.

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“Não sendo a transexualidade, por si só, circunstância incapacitante para qualquer trabalho, e podendo a autora continuar a prestar o serviço militar independentemente de sua identidade de gênero, a suspensão do processo de reforma é uma medida necessária neste momento processual”, continuou.