O intenso e constante desenvolvimento da tecnologia ocorrido nos últimos 10 anos vem causando profundas transformações na vida e na rotina das pessoas, assim como nas relações nos âmbitos privado e público. É possível afirmar que estamos vivendo uma nova era: uma era digital, cujo físico cede lugar ao virtual e o oculto, ao desvelado.
O significado de vida privada adquire novos contornos, compatíveis com o acesso instantâneo público e universal às informações e aos dados particulares de pessoas naturais e jurídicas, anteriormente sigilosos e reservados. A intensidade pela qual informações são geradas e agregadas (bigdata), de maneira a dar sentido a situações antes não observadas, também impacta a vida particular dos sujeitos, os quais têm suas informações constantemente disponibilizadas para fins privados e comerciais.
Nesse sentido, a realidade em constante transformação também alcança o ambiente do direito como um todo. Vai desde a perspectiva material, por meio da geração de novos paradigmas que impõem a edição de novas leis e a revisão dos marcos legislativos vigentes, até uma perspectiva de mercado jurídico, com a atuação das empresas de lawtech.
No Direito Tributário, a realidade não é outra. Além de surgirem novas formas de manifestação de riqueza, intensificam-se as hipóteses de colaboração entre fiscos no âmbito interno e internacional, entre fisco e contribuintes e entre contribuintes. Isso ocorre com o propósito de incrementar o nível de eficiência na fiscalização e arrecadação de tributos, além de reduzir custos e aumentar a segurança jurídica do contribuinte nas suas relações com as administrações fazendárias.
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As tecnologias disruptivas e a economia colaborativa estão no centro das inovações que impactam o direito tributário. Temas como a tributação dos serviços over-the-top transmitidos via streaming, o tratamento tributário das transações realizadas com criptomoedas, as atividades realizadas por meio de plataformas blockchain, reflexos tributários da robotização e do SAAS (software as a service), entre outros, reclamam a atenção e a meditação dos operadores do direito em matéria tributária.
Por outro lado, não há como identificar manifestações de riqueza passíveis de tributação, avaliar a legitimidade e a eficiência de soluções para obtenção de dados, sem conhecimento prévio da respectiva tecnologia.
Os serviços over-the-top transmitidos por meio de streaming consubstanciam-se na disponibilização provisória de conteúdo de som e de imagem pela internet. A contratação da utilidade se dá diretamente entre o usuário e aquele que disponibiliza o referido conteúdo.
É um mecanismo de distribuição de dados por meio de pacotes cujas informações distribuídas não são armazenadas pelo usuário. A transmissão ocorre em alta velocidade e permite o acesso ao conteúdo de forma parcial ou integral, circunstância que, acrescida ao baixo custo, torna-os bastante atraentes, desencadeando uma adesão em massa a tais utilidades.
Em decorrência da necessidade de se tributar os serviços over-the-top, que são fonte de significativas receitas para os seus fornecedores, a Lei Complementar nº 157 estabeleceu a sua tributação por meio do ISS.
Por outro lado, o Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) editou o Convênio ICMS nº 106, que previu a cobrança do imposto sobre a comercialização de transferência de dados por meio da internet, de softwares, jogos, aplicativos e arquivos eletrônicos, desde que sejam padronizados, e estabeleceu como contribuinte o detentor do site ou da plataforma eletrônica, o qual deverá ter inscrições estaduais em todos os estados da Federação em que operar.
Em face de tal autorização convencional, os estados estão editando, no âmbito das suas respectivas competências, normas regulamentares para atribuir efetividade à referida cobrança.
Os municípios, de sua parte, também estão adequando suas legislações para instituir concretamente a cobrança sobre os serviços over-the-top, transmitidos por streaming e sobre o SAAS (software as a service).
Ocorre que, aparentemente, as normas estaduais e as municipais estão resultando em dupla cobrança sobre a mesma manifestação de riqueza, o que demanda a busca por solução consentânea com as regras e princípios do sistema constitucional tributário nacional.
O bitconin e outras espécies de criptoativos também estão no centro das investigações tributárias. Estes são ativos digitais criptografados e registrados em um sistema notarial distribuído e cuja função vai além de mero meio de pagamento ou reserva de valor, ou seja, sua função não se resume ou é similar à da moeda, o que explica o uso do termo criptoativo e não criptomoeda.
Ao fim e ao cabo, a ideia é criar uma representação digital para todos os ativos físicos, a chamada tokentização de ativos, tornando a transação uma atividade muito mais simples e veloz.
O bitcoin é uma moeda virtual criptografada baseada em um sistema peer-to-peer, ou seja, as transações são realizadas entre sujeitos iguais, não havendo barreiras ao ingresso dos interessados no sistema. A validação das transações é feita pelos chamados mineradores – sujeitos que se habilitam e utilizam sua capacidade computacional para tal finalidade. As operações são efetuadas por meio do blockchain, uma rede de computadores descentralizada na qual ocorre o registro das operações de forma definitiva.
A rede é operada por todos aqueles que a compõem e possui grande margem de segurança contra hackers e ataques virtuais que ocasionariam, por exemplo, o furto de dados. Em razão da descentralização, não há operadores para os quais convergem as transações. A segurança do sistema é elevada porque a confiança não é atribuída a um terceiro, ente central, mas à própria tecnologia. Todos os participantes estão conectados entre si e todas as informações disponíveis são distribuídas entre eles.
Todos são, ainda, responsáveis pela manutenção do sistema e pela conferência das operações, em razão do que possuem uma cópia das transações.
Metaforicamente, a rede pode ser equiparada a um livro razão, do qual todos os operadores possuem uma cópia. A figura do intermediador, garantidor de confiança, foi substituída por um protocolo matemático, baseado em criptografia. A maior inovação trazida pelo blockchain é a possibilidade de transações seguras, imutáveis e rastreáveis, em uma rede distribuída, sem a necessidade de um intermediário, o que certamente levará à muita resistência das administrações fazendárias, dada as peculiaridades para obtenção de informações sobre as transações.
Para que os sujeitos tenham acesso aos seus criptoativos é necessário que façam uso de uma chave (senha) pública e uma privada, ou seja, há um duplo sistema de segurança. A chave pública, que permite o acesso às informações financeiras, precisa ser fornecida pelo detentor dos ativos, caso contrário, de fato não há como fiscalizar as operações, a não ser que tal sujeito tenha entregue a referida chave ao utilizar seus ativos para fazer uma compra em um estabelecimento.
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De qualquer forma, o fato é que investidores e mineradores podem auferir rendimentos com a comercialização dos referidos ativos que e como qualquer outra manifestação de riqueza, deve estar sujeita à tributação. A receita federal qualifica o bitcoin como ativo financeiro, em razão do que deve estar sujeito ao Imposto sobre a Renda incidente sobre ganho de capital. No entanto, não há, por ora, solução para as hipóteses de retenção do imposto na fonte, para as remessas internacionais e para as compras realizadas com cartão de crédito, entre outras ocorrências.
Outros temas que merecem reflexão quanto ao seu tratamento tributário são: (i) a robotização; (ii) a inteligência artificial (artificial intelligence – AI); (iii) a internet das coisas (internet of things – IOT); e o (iv) big data. Este último se refere ao volume intenso de dados que são transmitidos por meio da rede mundial de computadores, gerados por todos os dispositivos e aplicativos que utilizamos, além daqueles que são gerados pelas mídias sociais.
Há, inclusive, eletrodomésticos e dispositivos vestíveis conectados entre si, geradores de dados que tornam mais práticos e eficientes os dispositivos para utilização em nosso dia a dia.
No âmbito da internet das coisas, celulares conectados a computadores, a TVs, a eletrodomésticos, entre outros, inclusive veículos, têm conferido maior agilidade e eficiência às tarefas diárias dos seus usuários.
Em relação a tais dispositivos e suas funcionalidades surgem questões afetas à tributação, especificamente quanto à natureza da solução tecnológica em cada caso. Sendo certo que, no mais das vezes, a A.I, o I.O.T e o big data estão relacionados ao incremento da eficiência dos dispositivos conectados, não há manifestação de riqueza a ser tributada em relação aos usuários.
No entanto, questiona-se se o uso da internet poderia caracterizar serviço de comunicação, com a consequente incidência de ICMS; ou, ainda, se tratar-se-ia de uma forma de prestação de serviços, tributável pelo ISS; ou se nenhuma dessas hipóteses seria factível.
Pensamos que todas as situações aqui referidas, no que diz respeito ao seu tratamento tributário, não se acomodam ao sistema tributário em vigor. O avanço tecnológico e as mudanças por ele implementadas na sociedade estão a reclamar profundas alterações no texto constitucional. Alterações legais e regulamentares não são o bastante para uma tributação com satisfatório nível de segurança jurídica.
*Betina Treiger Grupenmacher é advogada, pós-doutora, professora de Direito Tributário da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e uma das organizadoras do IX Congresso de Direito Tributário do Paraná, que acontece em Curitiba de 8 a 10 de agosto.
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