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| Foto: Jim Watson/AFP

Como um candidato desacreditado conseguiu se eleger presidente dos Estados Unidos de forma tão surpreendente? A principal tese é a seguinte: Donald Trump esteve o tempo inteiro com a razão. Esse fato escapou à mídia, às pesquisas e às elites republicanas, mas ele contava com o apoio de uma maioria silenciosa – e isso debaixo do nosso nariz. Vai demorar um tempo para “cair a ficha” dessa nova realidade, mas a questão do momento é: como foi que isso aconteceu? Veja abaixo algumas das explicações mais plausíveis:

Viés de confirmação

Um “viés de confirmação” é uma tendência de interpretar novas evidências como confirmação das suas teorias já existentes. Desde o momento em que ele desceu da escada rolante da Trump Tower 17 meses atrás, muitas das elites jamais conseguiram visualizar plenamente Trump como presidente dos Estados Unidos, o que dificultava muito para imaginá-lo ganhando a candidatura do partido – até que isso aconteceu, de fato – ou ganhando a Casa Branca – até que isso aconteceu, de fato. O viés de confirmação não significa uma preferência por um resultado em particular. Em vez disso, ela é uma condição da psicologia: todos os seres humanos tendem a valorizar as informações que validam suas expectativas preexistentes e a ignorar novos dados que as contrariem.

Onda antiglobalização

A vitória de Trump deve ser vista como parte de uma onda global de reação à imigração, ao comércio e à globalização. Faz um tempo já que Trump vem se referindo a si mesmo como “Mr. Brexit” em seus discursos, atraindo fortes paralelos entre o referendo inglês para a saída da Inglaterra da União Europeia e a sua própria campanha: as elites europeias consideraram inconcebível que o Brexit fosse acontecer – até que aconteceu, de fato. É bom observar também a ascensão de nacionalistas em toda a Europa continental. A campanha Clinton, cega por um excesso de confiança, ridicularizou e afastou os jornalistas que defenderam que o Brexit apontava para uma provável vitória de Trump.

Apolítico

O ano de 2016 foi realmente o ano dos políticos não-profissionais – mais ainda até do que 2008. Poucos entre as elites em dezembro de 2014 acreditavam que não teríamos ninguém com sobrenome Bush ou Clinton como presidente em 2017. Mas surgiu uma fome voraz e uma sede de mudança, por mais imperfeito que esse agente de mudança pudesse ser (só 38% dos eleitores nas pesquisas de boca de urna afirmaram que Trump teria a qualificação necessária para ser presidente – o que significa que um quinto do eleitorado do próprio Trump não acredita que ele é qualificado, mas o apoiou ainda assim).

Adversária fraca

Hillary, que está sob o olhar do público há quatro décadas e que há 25 anos conta com proteção de agentes do serviço secreto, insistiu durante as primárias que não era parte do establishment do Partido Democrata. Ninguém, nem mesmo ela, botou fé nisso. O fato de que ela penou para vencer Bernie Sanders, um socialista septuagenário de Vermont, nas primárias da Califórnia, em junho, deveria ter sido um sinal de alerta. O fato de que Bernie ganhou tantas das primárias nos estados dominados por democratas conservadores, como o oeste da Virginia, também indicava que boa parte do seu apelo se baseava mais num desafeto com o status quo do que em sua ideologia de extrema esquerda.

O dedo do FBI

O diretor do FBI, James Comey, merece uma parcela significativa do crédito/culpa/responsabilidade, qualquer que seja a palavra que você preferir, pela derrota de Hillary. A porcentagem de possíveis eleitores que passaram a enxergar a ex-secretária de Estado como indigna de confiança estourou depois da bomba que foi a declaração feita pelo diretor do FBI, apenas 11 dias antes da eleição. Ao sugerir que a investigação dela poderia ser reaberta, ele cortou o entusiasmo dos democratas e motivou os republicanos a acompanharem-no. Comey, que contribuiu financeiramente para as campanhas de John McCain em 2008 e Mitt Romney em 2012, terá o ódio eterno dos democratas agora, por mais que tenha tentado mitigar, no último domingo, o estrago feito. Mas já era tarde demais. Dezenas de milhões de votos já haviam sido lançados, e a retração de Comey recebeu uma parcela mínima da atenção do público.

Soberba de Hillary

A campanha de Hillary errou feio. Os principais oficiais da campanha pecaram pelo excesso de complacência e autoconfiança. Eles acreditaram em sua própria propaganda, colocaram muita fé em seus modelos e taxaram como medrosos quem quer que duvidasse. Hillary perdeu as primárias em Wisconsin e Michigan, mas até a última hora não investiu quase nada em conquistar o seu apoio. É evidente o fracasso de sua equipe ao ver a corrida se acirrando em ambos os estados.

Preconceito contra Hillary

A misoginia também continua seguindo firme e forte nos EUA. Seria desonestidade intelectual fingir que o gênero de Hillary não pesou contra ela em seus esforços para quebrar o que é a última barreira na luta das mulheres. Estados como Ohio e a Pensilvânia nunca tiveram mulheres eleitas para os cargos superiores (governador ou senador), e não é possível ignorar a realidade de que pelo menos alguns dos eleitores nesses lugares não gostavam da ideia de ter uma presidenta.

Teoria cíclica

A história, na verdade, esteve o tempo todo do lado de Trump. O pêndulo vai e volta. Os EUA têm um longo histórico de alternar seus presidentes com figuras de temperamento oposto. Trump, com seu jeito arrogante e de cabeça quente, é o anti-Obama em quase todos os aspectos. Obama, ostensivamente cerebral, intelectual, foi reconhecido como o oposto de Bush filho, que era mais intuitivo. Este, por sua vez, foi visto como uma reação a Clinton, que foi visto como uma reação ao pai de Bush. Reagan era o anti-Jimmy Carter; Nixon, o anti-Lyndon Johnson; Kennedy, o anti-Eisenhower. O historiador Arthur Schlesinger chamou esse fenômeno de “teoria cíclica”.

Agenda doméstica

Assim como aconteceu na década de 1930, muitos norte-americanos querem que a atenção volte às questões domésticas. A coalizão republicana não é tão belicosa quanto os neoconservadores que vêm controlando o partido. As elites surtaram quando Trump disse que os EUA poderão não ser obrigados a cumprir suas obrigações sob o acordo da Otan. É difícil de imaginar que isso o tenha feito perder um único voto sequer.

Voto envergonhado

Há um número de norte-americanos que tiveram vergonha de revelar nas pesquisas que votaram em Trump. Os pesquisadores têm muita coisa para explicar. Ao conversar com os repórteres na noite passada, a gerente da campanha de Trump, Kellyanne Conway (uma pesquisadora em treinamento), disse que era real o fenômeno do “eleitor de Trump enrustido”. Ronald Reagan e Arnold Schwarzenegger, ambos atores à época em que concorreram ao cargo de governador da Califórnia, superaram no dia da eleição os resultados das enquetes por motivos semelhantes. Havia provas, ao longo do ciclo eleitoral, de que Trump se saía melhor em enquetes online e automatizadas do que com entrevistadores reais, porque as pessoas se sentem mais anônimas assim ao revelarem suas preferências. A isso poderíamos chamar de Efeito Bradley reverso.

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