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Os Estados Unidos nunca viram uma eleição como esta. Um vírus misterioso vindo da China aterrorizou o país, matou cerca de 180 mil americanos e agora é transformado em arma política para neutralizar o presidente. Metade do país ainda está em quarentena. Os governos - nacional, estadual e local - pela primeira vez induziram uma recessão artificial, mas severa.
O país está convulsionado por motins, saques e violência urbana, mas com a novidade de que muitos governadores e prefeitos fizeram vista grossa para a anarquia ou a contextualizaram como uma reação legítima à injustiça social.
Joe Biden, candidato democrata à presidência, está incomunicável há quase quatro meses, tanto que o Partido Democrata acredita que sua companheira de chapa pode muito bem ser a próxima presidente muito mais cedo do que tarde. E a imprensa procura proteger Biden de si mesmo abortando o escrutínio jornalístico usual - com a certeza tácita de que ele não é cognitivamente capaz de conduzir uma campanha normal e, de fato, em um momento desprotegido de confusão e perplexidade, pode afundar todo a agenda progressista de 2020. O resultado é um candidato virtual, com questões virtuais e uma campanha virtual. Como, então, podemos julgar quais questões serão importantes?
1. O lockdown
Os americanos seguiram, mais ou menos, os bloqueios de março a junho que pareceram, pelo menos por um tempo, desacelerar a disseminação do coronavírus. É claro que “achatar a curva” para evitar a superlotação dos hospitais logo se transformou, de forma sorrateira, na tarefa impossível de deter o vírus fechando a economia e colocando a população em quarentena. Suponho que a teoria era "tínhamos que destruir a saúde de uma sociedade para garantir que ela fosse saudável".
Observando a Suécia e a diminuição gradual dos casos nos estados mais atingidos do nordeste dos EUA, vimos que o vírus tem voz ativa nessas medidas. Ele parece determinado a ter um pico inicial seguido por uma calmaria e outro pico menor, antes de achar mais difícil infectar vítimas mais vulneráveis.
Em breve, talvez em um ano ou mais, aprenderemos sobre o real impacto de quarentenas forçadas - o abuso de substâncias, o abuso de crianças, o retrocesso em milhões de jovens estudantes sem aprendizagem e supervisão do ensino fundamental e médio, diagnósticos de saúde perdidos, cuidados preventivos relegados ou cirurgias canceladas. E a cifra provavelmente será muito maior do que a contagem de mortes por coronavírus, a fadiga pós-viral e a morbidade de pacientes atingidos, mas em recuperação. Em outras palavras, nunca houve escolhas azul/vermelho ou democrata/republicano, apenas as ruins, as piores e as que estão entre elas.
Justo ou não, o lockdown como questão política está agora cristalizado no debate "volta às aulas/não volta às aulas" para milhões de alunos do país, sendo que a maioria ficará assintomática se infectada. Na medida em que Trump apresenta o argumento moral de que em tais cenários onde não há nada a ganhar temos muito mais a perder mantendo as crianças em casa do que na escola, e que podemos proteger professores vulneráveis por meio de realocações do ensino em sala de aula, ele vencerá a questão.
A insistência de Biden de que as escolas permaneçam fechadas é, provavelmente, uma questão perdida, porque os eleitores sabem que famílias presas dentro de casa são cada vez mais inviáveis - econômica, física e psicologicamente, e de uma forma que supera até mesmo seu medo do vírus. Como avô de uma criança com necessidades especiais, posso atestar que os meses sem ensino qualificado e estímulo em sala de aula foram desastrosos - eles já eliminaram bastante do impressionante progresso alcançado no ano passado por professores qualificados e enfáticos.
2. Covid-19
Como qualquer outro desastre natural ou causado pelo homem - do 11 de setembro ao Katrina e a crise financeira de 2008 - o presidente em exercício é elogiado ou culpado, dependendo se a catástrofe é vista como decrescente ou crescente, mesmo que esteja muito além da capacidade de um presidente agravar ou mitigar qualquer desastre.
A Covid-19 até agora é um beco sem saída, já que é possível argumentar que os EUA se saíram melhor do que o Reino Unido ou a Espanha, mas pior do que a Alemanha, ou discutir se proibições de viagens e quarentenas deveriam ou não ser impostas. A questão não é o status passado do vírus, mas o fato de que sua trajetória até o dia 3 de novembro - dia da eleição -, se tornará política. Se o segundo pico diminuir, o vírus parecer diminuir e as pessoas recuperarem a confiança instintivamente, com notícias de vacinas iminentes e tratamentos muito melhores, então Trump se beneficiará dessa realidade. Se observarmos um terceiro pico no momento - digamos, um que atinja fortemente os professores que voltaram a trabalhar em alguns estados -, Biden vai dizer: "eu avisei".
3. Economia
Nem mesmo Biden pode argumentar que a economia americana antes da pandemia estava inerte. Ele sabe que ela vinha em uma crescente e registrava marcas históricas. Sua fraqueza - os enormes déficits - é neutralizada como um problema porque Biden e Kamala Harris, para cumprir suas agendas de fantasia, tomariam emprestado muito mais do que até mesmo Trump. As pesquisas, compreensivelmente, continuam sugerindo mais confiança do eleitor em Trump do que em Biden em questões econômicas. Para que a economia - e não o lockdown e o vírus - seja a notícia principal, ela precisará continuar em recuperação ou sofrer uma súbita crise.
4. Violência e a anarquia social
Os destroços nos centros de nossas principais cidades devem ser o principal assunto da campanha de Trump, visto que mesmo os prefeitos das cidades democratas e a indústria de notícias da TV a cabo não podem censurar toda a violência doentia e niilista. A esquerda e seus apaziguadores são os donos da violência. Inicialmente, eles habilitaram orgulhosamente as manifestações na esperança de transformar a indignação pela morte de George Floyd em outro mandado racial contra Trump, como ocorreu em Charlottesville.
O meme de que os "stormtroopers" de Trump querem dominar as cidades é agora uma piada velha, visto que os Antifa parecem ansiosos para assar o pessoal da polícia de Portland dentro de uma delegacia com saídas bloqueadas, enquanto saqueadores de Chicago avidamente roubam lojas da Gucci e Nikes, considerando seus atos como justiça de "reparações”.
Se Trump colocar a questão de que ele é o único impedimento lógico entre tudo isso e a civilização, ele terá uma enorme ajuda. O recurso de Biden parece ser ficar quieto sobre a violência e terceirizar o apoio dos manifestantes a Harris, enquanto ele de vez em quando faz um aceno à polícia e afirma que quer acabar com o financiamento da polícia sem desfinanciar a polícia. Em um sentido mais amplo, Biden parece fixado nas questões inertes de maio-junho do passado que muitas vezes derrubaram as intenções de voto para Trump, mas parece perplexo com o fato de que os verdadeiros desafios são as questões de agosto-outubro que são bastante diferentes, fluidas e que parecem convergir na direção de Trump.
5. A vice de Biden
Em termos democratas, Kamala Harris foi a única escolha viável, uma vez que Biden limitou explicitamente sua escolha de candidata a uma mulher e implicitamente a uma negra. A única outra candidata com estatura era Susan Rice, que nunca foi eleita para nada; mas, mais importante, parece incapaz de dizer a verdade e tende a alienar todos com quem lida.
Mas Harris tem seus próprios problemas que explicam por que ela saiu das primárias democratas mais cedo, sem apoio. Ela é rude, frequentemente mal preparada, demagógica e parece pensar que seu papel como vice é triplo: 1) trotskização de sua recente personalidade social de extrema esquerda que falhou miseravelmente nas primárias; 2) uma piscadela e aceno de renascimento “centrista”, referindo-se cuidadosamente à sua carreira como promotora da Califórnia (quando na verdade ela era uma promotora vingativa); e 3) tranquilizando privadamente os esquerdistas, doadores, sandernistas e a multidão da Antifa/BLM de que se eles elegerem Biden agora, logo elegerão Harris, que voltará à sua essência esquerdista radical, já que não terá que enfrentar eleitores como fez em 2019. Em suma, sua nomeação gerou vertigens de curto prazo; mas, em retrospecto, seus negativos de longo prazo começarão a se tornar um problema.
6. Socialismo
O novo e velho Joe Biden não é um socialista convertido. Ele é um menchevique ingênuo que não tem ideia da natureza daqueles que lhe falam o que dizer e fazer. Até agora, ele misturou a mensagem de que está debilitado e pessoalmente temeroso por causa do coronavírus - compreensível devido à sua idade e saúde - com suas frases banais habituais ("primeiro, segundo,..."; "Vamos lá, cara") e apela à obediência patriótica à quarentena. Durante todo o processo, ele evita dizer aos Estados Unidos o que ele defende e contra o que é - e se as agendas de Bernie Sanders, Alexandra Ocasio-Cortez, Kamala Harris e Elizabeth Warren também são as suas.
Seja antes ou durante os debates, Biden terá que responder sim ou não ao fracking, reparações, confiscos de armas semiautomáticas pelo governo (nem mesmo o governo dos EUA pode comprar de volta o que alguém nunca “teve”), Medicare for All, o fim da construção do muro de fronteira, dissociação com a China, assistência médica gratuita para estrangeiros ilegais, imposto sobre fortunas, uma alíquota de imposto de renda a mais de 40% sobre as rendas mais altas e retomada do acordo nuclear com o Irã e do acordo climático de Paris. A coisa mais estranha sobre essa estranha campanha de Biden é que todos nós sabemos o que a esquerda mais radical defendeu nas primárias, todos nós sabemos que Biden e Harris abraçaram essa mensagem perdida e, ainda assim, sabemos que ninguém dirá simplesmente “New Green Deal? Claro que sim! Reparações? Claro! Fronteiras abertas? Por que não?”.
Nunca houve candidatos tão contorcionistas que renegaram as propostas que, alegavam, os conduziriam à vitória, enquanto se reinventavam como algo que não são - com a certeza de que voltariam ao que realmente são se fossem eleitos.
7. Tuítes versus confusão mental
O proverbial eleitor indeciso nos cerca de dez estados é a chave para a eleição. Sem muito suor, Trump vai incendiar sua base e os velhos eleitores de Perot/Reagan/Tea Party que se esconderam em 2008 e 2012 ou votaram em Obama. Ele pode muito bem conquistar de 10 a 15% dos votos negros e 40% dos votos latinos. Mas ele ainda pode perder, dadas as muitas novas variáveis, como a votação em massa pelo correio e a possibilidade de fraudes.
A sabedoria convencional nos lembra que Trump precisa conquistar a maioria dos suburbanos independentes nos principais estados onde a disputa entre democratas e republicanos é mais acirrada. A questão é simples: eles temem receber apenas uma mensagem gravada quando pedirem por ajuda em situações de perigo mais do que rejeitam os tuítes de Trump, seus epítetos e seus gritos sobre “notícias falsas”?
O que mais incomoda esses eleitores essenciais: Trump enlouquecido reclamando sobre como repórteres tendenciosos divulgam notícias falsas, ou dez segundos de silêncio mortal enquanto Biden procura em vão por sua esposa ou um repórter bajulador para conduzi-lo de volta ao seu raciocínio? Em contraste, os membros de gabinete e conselheiros mais hábeis de Trump - Barr, Pompeo e o recém-chegado Scott Atlas - estão cada vez mais aparecendo em papéis de destaque e visíveis, e provando ser inestimáveis para a campanha.
8. Desconhecidos conhecidos
Em poucos dias, todos os tipos de notícias de última hora podem mudar o pulso da eleição. Outros estados do Golfo Árabe se juntarão aos Emirados Árabes Unidos no reconhecimento de Israel? A Rússia intervirá na Bielorrússia? A China provocará um incidente com Hong Kong ou Taiwan ou lançará seu pit bull da Coreia do Norte para confundir Trump? A saúde dos septuagenários Biden e Trump permanecerá constante? Será que John Durham vai conseguir provas de que a investigação da interferência russa era um verdadeiro golpe para destruir Trump? Será que Kamala Harris vai abraçar totalmente os movimentos Antifa e BLM? Todos nós sabemos que algum tipo de surpresa deve vir em outubro, apenas não sabemos sua magnitude e efeito.
9. Eleição virtual
Ninguém sabe também como podemos eleger um presidente por meio de campanhas virtuais, convenções virtuais e talvez debates virtuais e votação pelo correio. Suspeitamos que os desafios cognitivos de Joe Biden são o estímulo para o esforço da esquerda para citar o vírus como base para mudar as regras. Mas mesmo quando as regras mudam, elas nem sempre mudam como os reformuladores anteciparam.
10. Células adormecidas
Em 2016, dinheiro não importava. Hillary Clinton conseguiu mais verba e gastou mais do que Trump em quase todos os estados. As pesquisas eleitorais estavam erradas. Os eleitores mentem para os pesquisadores porque não querem seus nomes em listas eletrônicas ou se recusam a dizer em voz alta o que gostam sobre Trump, ou simplesmente se divertem com a ideia de bagunçar análises de esquerda.
Pior do que isso, em 2016, foram as chances absurdas de que Clinton venceria - muitas vezes atingindo disparidades absurdas, como 4 em 1 ou 10 em 1. Robbie Mook, estrategista democrata, foi declarado um gênio e provou ser um tolo. A campanha de Trump foi tida como tola, dirigida pelo grande tolo Steven Bannon, e ainda assim provou ser muito mais sofisticado em suas análises e estratégias. O recorde de vendas de armas, queda nas avaliações da NBA, pesquisas estranhas, a crença dos próprios eleitores de que Trump vai ganhar ou que seus vizinhos vão votar nele, etc. significam alguma coisa? Estamos em agosto de 2016, quando as pesquisas simplesmente não podem estar erradas - de novo?
Em suma, quanto mais Trump fala sobre sua empatia pelo habitante do subúrbio e do centro da cidade, ambos privados de seus direitos civis à proteção e segurança por causa do policiamento deliberadamente fraco em estados democratas, quanto mais ele expressa sua perplexidade, mas inegável compaixão pelo declínio cognitivo trágico e constante de Biden, e quanto mais ele parece ocupado demais para tuitar sobre coisas que não sejam o acordo histórico entre Israel e os Emirados Árabes Unidos, uma vacina iminente contra a Covid e descobertas de tratamento, indicadores de aumento econômico inesperado e seus esforços para salvar as crianças do país do desastre que seriam dois anos letivos perdidos, é mais provável que os eleitores indecisos se virem a seu favor.
E é mais provável que ele frustre as pesquisas de opinião que usam as velhas metodologias esperando resultados diferentes.
* Victor Davis Hanson é colaborador do National Review e autor do livro "The Case For Trump"
© 2020 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.