As crescentes deserções de militares venezuelanos, que resultaram do agravamento da crise econômica e de direitos humanos do país, possibilitaram um melhor entendimento sobre a repressão e constante vigilância do chavismo dentro das próprias Forças Armadas Bolivarianas. A abrangência e influência do exército cubano sobre os assuntos da Venezuela também ficou mais evidente. Agora, uma reportagem publicada pela agência de notícias Reuters oferece mais detalhes sobre como tudo isso foi operacionalizado entre o falecido Hugo Chávez e seu mentor cubano, Fidel Castro.
Ainda em 2008, logo depois de Chávez ter sofrido uma derrota em um referendo que poderia ter lhe garantido reeleições sem limites de mandatos, ambos os países assinaram dois acordos que davam à Cuba amplo acesso ao setor militar da Venezuela, com liberdades para espioná-lo e reformá-lo, segundo a reportagem.
Tais acordos foram assinados em 26 de maio daquele ano por Gustavo Rangel, então ministro da Defesa da Venezuela, e pelo general Álvaro López, primeiro vice-ministro das Forças Armadas Revolucionárias de Cuba. De acordo com a Reuters, os tratados permitiram ao exército cubano “treinar soldados na Venezuela; rever e reestruturar partes do Exército venezuelano; e treinar agentes de inteligência venezuelanos em Havana”. Além disso, mudaram a missão do serviço de inteligência militar, que passou de espionar os rivais estrangeiros a vigiar os próprios soldados e oficiais.
Sob os termos do primeiro acordo, ao qual a Reuters teve acesso, o Ministério de Defesa de Cuba supervisionaria uma reestruturação da Diretoria de Inteligência Militar (DIM) e a assessoraria para a criação de "novos órgãos". A DIM também enviou grupos de até 40 oficiais para Havana para treinamento de espionagem.
O segundo acordo criou o Grupo de Coordenação e Ligação da República de Cuba (Gruce), um comitê composto por oito especialistas militares cubanos que enviavam assessores cubanos à Venezuela para inspecionar unidades militares e treinar soldados com a justificativa de “modernizar” as forças venezuelanas. O objetivo escondido nas entrelinhas, porém, era impedir golpes internos, como a tentativa fracassada de derrubar Chávez em 2002.
Tortura e morte no DGCIM
Ao fim do treinamento cubano, os novos agentes começaram a se infiltrar nos quarteis. A reportagem entrevistou mais de 20 ex-militares e oficiais de inteligência venezuelanos que contaram que esses agentes compilavam relatórios sobre soldados vistos como baderneiros, relatavam qualquer sinal de deslealdade e até interceptavam telefones dos oficiais, incluindo comandantes de alto escalão, para investigar possíveis conspirações.
Em 2011, a DIM passou a se chamar Direção Geral de Contrainteligência Militar (DGCIM), que recentemente foi acusada pela ONU (Organização das Nações Unidas) de execuções e torturas e que foi sancionada pelo governo dos Estados Unidos. Estima-se que atualmente a unidade tenha 1.500 militares ativos.