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9 de Julho na comemoração do Bicentenário: festa deixa de lado discussão sobre erros do passado | Juan Mabromata/AFP"
Integração
Relação Brasil-Argentina é exemplo de política imatura
Quando os países europeus aceleraram sua integração, na década de 80, os latino-americanos beberam da mesma fonte e buscaram alianças que promovessem o desenvolvimento. Mas o modelo econômico imediatista e a falta de amadurecimento político não permitiram que a reunião em um bloco funcionasse como estímulo ao crescimento da mesma forma que no Velho Mundo.
Um bom exemplo das pedras que surgiram pelo caminho é a relação Brasil-Argentina, até hoje atravancada por ameaças e retaliações.
Com a consolidação do Mercosul, em 1991, a integração passa a ser um objetivo comum. Mas isso nunca quis dizer que os países tivessem as mesmas expectativas em relação a ela. "Para mim, a Argentina teve uma visão mais econômica do bloco, e com isso buscou obter vantagens para si. Já para o Brasil ele teve uma razão mais política, de plataforma para a inserção no mundo", analisa a especialista em comércio exterior Daniela Comin.
A última década foi marcada por barreiras, como as impostas pela Argentina à importação de alimentos do Brasil nos últimos meses. Com isso, o Mercosul continua como uma união imperfeita.
"O bloco permanece estagnado, sem grandes avanços, principalmente porque não existe uma política comum."
Se internamente não se alcança uma política de desenvolvimento industrial concisa, seria demais querer este resultado dos países reunidos.
As comemorações de bicentenários da independência na América Latina estão sendo desperdiçadas, na opinião de analistas. O foco da efeméride, que poderia ser corrigir o que deu errado nos projetos de desenvolvimento nacional nesses 200 anos de república, tem sido erguer megafestas para agradar aliados. No caso da presidente argentina Cristina Kirchner, na semana passada, com direito a quatro trocas de roupa e penteado durante o festejo.
"As efemérides deveriam ter esta função: passar a limpo os problemas enfrentados até agora e decidir o que será daqui para a frente", diz a professora de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro Francisca Nogueira de Azevedo. "Mas não se vê que os governos tentem tirar lições do passado", completa o professor de Economia da Universidade Federal do Paraná Gabriel Porcile.
Para ele, que é uruguaio, o atraso mais comprometedor na região é o tecnológico. "Se comparamos a América Latina aos países em desenvolvimento da Ásia, se observa uma maior dificuldade de reduzir a diferença tecnológica em relação a países avançados", diz. "Seria preciso consolidar o investimento em educação, que foi um componente muito importante também em outras ex-colônias, como Austrália e Nova Zelândia."
A base exportadora focada em commodities, do pau-brasil à soja, costuma ser apontada como a principal razão para o atraso tecnológico. O México é um exemplo de que o baixo investimento em tecnologia atravanca o desenvolvimento a ponto de reduzir vantagens como a proximidade ao maior mercado mundial e o livre acesso a ele. "Sem políticas internas que promovam o ensino e a tecnologia, não adianta ter um mercado que estimule as vendas", pondera Porcile.
A opinião é disseminada ao longo do subcontinente e não se restringe a economistas. "(Há) uma encruzilhada política e de modelo de país, de modelo econômico, a respeito do país que vamos ser: se meramente agroexportador ou industrializado", disse o secretário de Cultura argentino Jorge Coscia ao jornal La Nación esta semana.
A crise institucional por que passa a Argentina, cujo governo não consegue aprovar nada no Congresso e abriu guerra contra os produtores rurais, torna ainda mais difícil refazer o rumo econômico, quase dez anos após a crise de 2001.
Um tal projeto de desenvolvimento fez falta nos últimos 100 anos. A participação do país no PIB latino-americano, que chegou a 50%, hoje é de meros 10%. Para piorar, vítima de seguidos golpes, nos últimos 80 anos apenas três presidentes eleitos pelos argentinos conseguiram completar o mandato.
A instabilidades política latino-americana se soma nos últimos anos a um autoritarismo disfarçado de democracia. "Esses novos governos chamados de populistas na verdade atendem a uma demanda social reprimida", diz Francisca, referido-se a programas assistencialistas de Venezuela, Bolívia e Equador.
Como cereja (ou abacaxi?) do bolo do atraso, a corrupção entranhada na cultura latina distancia cada vez mais as ex-colônias de suas colegas asiáticas.