Documentos oficiais do Centro Provincial de Controle e Prevenção de Doenças de Hubei, obtidos pela emissora de TV americana CNN, confirmaram o que outros relatos, reportagens e relatórios publicados anteriormente já afirmavam: a China falhou ao lidar com o surto inicial de Covid-19 no país e tentou esconder do mundo os números reais da doença que, posteriormente, viria a se espalhar pelo mundo.
Em reportagem publicada na noite desta segunda-feira, a CNN revelou, com base nestes documentos verificados, que o número de casos relatados publicamente pela China era bem menor do que o registrado no país; que em determinados momentos houve um atraso de até três semanas entre a realização de testes e os resultados; e que no início de dezembro de 2019 houve um aumento expressivo de pacientes com sintomas de gripe – similar aos de Covid-19 – em três cidades chinesas.
“Juntos, os documentos representam o vazamento mais significativo de dentro da China desde o início da pandemia e fornecem a primeira janela sobre o que as autoridades locais sabiam internamente e quando”, afirma a reportagem.
Minimizando a gravidade do surto
A TV afirma que, em 10 de fevereiro, por exemplo, a China teve mais do que o dobro de casos confirmados de Covid-19 do que os divulgados oficialmente na província de Hubei, onde o vírus foi inicialmente detectado. Segundo a reportagem, esse número mais elevado, de 5.918 novos casos, nunca foi revelado na época, já que o sistema de contabilização dos registros parecia “minimizar a gravidade do surto”. Naquele dia, a China anunciou à imprensa e à Organização Mundial de Saúde (OMS) apenas 2.478 casos.
O governo chinês rejeitou veementemente – e continua rejeitando – as acusações feitas pelos EUA e outros governos ocidentais de que Pequim ocultou deliberadamente informações relacionadas ao vírus, sustentando que tem sido transparente desde o início do surto.
A papelada, segundo a CNN, cobre um período entre outubro de 2019 e abril deste ano, e revela o que parece ser um “sistema de saúde inflexível, limitado pela burocracia hierárquica e procedimentos rígidos que estavam mal equipados para lidar com a crise emergente” de saúde pública.
“Em vários momentos críticos, na fase inicial da pandemia, os documentos mostram evidências de erros claros e apontam para um padrão de falhas institucionais”, afirma a reportagem. A CNN diz ter entrado em contato com a chancelaria da China e com a Comissão Nacional de Saúde, assim como a Comissão de Saúde de Hubei, para comentar o caso, mas não obteve resposta.
"Se a China tivesse sido mais transparente e também mais agressiva ao responder [ao surto inicial do novo coronavírus], claramente teria havido um impacto na disseminação do vírus em Wuhan, em Hubei, na China e talvez também no resto do mundo", disse à CNN Dali Yang, professor de Ciência Política da Universidade de Chicago.
Lentidão na testagem
Segundo a reportagem, um dos fatos mais impressionantes revelados pelos documentos diz respeito à lentidão com que os pacientes com Covid-19 foram diagnosticados. Mesmo quando as autoridades em Hubei tentaram mostrar ao público que lidaram com eficiência e transparência no início da pandemia, os documentos revelam que os profissionais de saúde tiveram de atuar com testes e mecanismos de notificação falhos.
Um dos relatórios citados pela CNN, do começo de março, diz que o tempo médio entre o início dos sintomas e o diagnóstico confirmado foi de 23,3 dias, o que especialistas ouvidos pela TV disseram que poderia dificultar significativamente as medidas para monitorar e combater a doença.
Surto de influenza
Os documentos também revelaram que, na primeira semana de dezembro de 2019, houve um aumento de 20 vezes nos casos de gripe registrados na província de Hubei, comparado ao número registrado no mesmo período do ano anterior. As cidades de Yichang, Xianning e Wuhan registraram o maior número de casos de influenza naquele período.
Os documentos mostram que os testes realizados em pacientes com influenza retornaram um grande número de resultados "desconhecidos". Contudo, especialistas ouvidos pela reportagem alertaram que isso não indica, necessariamente, que esses resultados eram casos de coronavírus não detectados.
De acordo com os analistas, embora não seja possível afirmar que este aumento de casos de influenza já sinalizava para um surto de uma outra doença infecciosa – e os documentos de Hubei não fazem essa ligação direta –, isso, pelo menos, teria complicado a tarefa dos funcionários de saúde em identificar o novo coronavírus entre a população.
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