Na França, a cúpula do G7, grupo que reúne os sete países mais desenvolvidos do mundo, terminou nesta segunda-feira (26) após um fim de semana de muita confusão e sem progressos significativos nas questões mais urgentes do mundo, como a guerra comercial entre EUA e China, o acordo nuclear com o Irã e as mudanças climáticas.
Ao fim do encontro, não houve uma declaração conjunta substantiva, um comunicado que, em anos anteriores, refletiu os valores compartilhados entre Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido. Três assuntos, porém, dominaram o fim de semana de reuniões na litorânea cidade francesa de Biarritz.
Guerra comercial
As declarações do presidente dos EUA, Donald Trump, sobre a guerra comercial com a China deixaram seus interlocutores confusos, para dizer o mínimo.
Na manhã de domingo, durante um café com o primeiro-ministro britânico Boris Johnson, um repórter perguntou a Trump se ele tinha "dúvidas" sobre a recente escalada de sua guerra comercial com a China. Então, pela primeira vez, ele pareceu mostrar arrependimentos sobre a direção que as coisas haviam tomado. "Sim, claro. Por que não", ele disse. "Pode ser. Eu tenho dúvidas sobre tudo".
Seus comentários atraíram manchetes internacionais. Várias horas depois, a secretária de imprensa da Casa Branca, Stephanie Grisham, tentou reformular os comentários de Trump, dizendo que eles foram tirados de contexto.
"O presidente foi perguntado se ele 'pensava em escalar a guerra comercial com a China'. Sua resposta foi muito mal interpretada. O presidente Trump respondeu afirmativamente - porque lamenta não ter aumentado as tarifas", disse ela em comunicado. Posteriormente, o principal consultor econômico de Trump, Larry Kudlow, falou a repórteres que Trump teve dificuldade em ouvir a pergunta.
Contudo, na segunda-feira, Trump voltou a dar esperanças para a paz comercial. Ele disse que a China havia sinalizado que estaria disposta a voltar à mesa de negociações. "A China ligou ontem à noite... disse que vamos voltar para a mesa. Então, vamos voltar para a mesa", disse, sem oferecer mais detalhes. O anúncio animou o mercado financeiro, embora a China ainda não tenha confirmado a retomada das conversas. No Brasil, porém, o impacto foi negativo, com desvalorização do Real e do Ibovespa.
A visita inesperada do ministro iraniano
Outro assunto que gerou confusão durante o G7 foi a visita inesperada do ministro das Relações Exteriores do Irã, Mohammad Javad Zarif. Ele foi convidado pelo seu colega francês, Jean-Yves Le Drian e ficou por cinco horas em Biarritz, onde se encontrou com o presidente francês Emmanuel Macron e diplomatas alemães.
Em comentário à imprensa, Trump disse que já sabia da visita a Zarif e que Macron havia falado com ele antes de dar prosseguimento ao planejamento da reunião com o iraniano. "Macron falou comigo, ele me perguntou", disse Trump. "Eu disse que se você quiser fazer isso, tudo bem. Eu não considero isso desrespeitoso, especialmente quando ele me pediu aprovação".
Trump até fez um aceno ao país persa ao dizer que seu objetivo não é uma mudança de regime, mas que o Irã abandone seu programa nuclear.
Macron está buscando intermediar uma conversa entre o governo Trump e o Irã, em uma tentativa de salvar o acordo nuclear de 2015, do qual os EUA se retiraram em 2018 - mas que ainda tem como signatários França, Reino Unido, Alemanha, China e Rússia. O francês chegou a sugerir um encontro entre o presidente americano e o iraniano, Hassan Rouhani, nas próximas semanas.
Embora Trump tenha considerado essa possibilidade “realista”, ele já havia afirmado anteriormente que os EUA não devem mudar sua política de sanções ao Irã tão cedo. Rouhani, por sua vez, disse que está aberto a um encontro com Trump. "Temos que negociar, temos que encontrar uma solução e temos que resolver o problema", declarou nesta segunda-feira.
Meio ambiente e ajuda à Amazônia
Sem sombra de dúvidas foi o assunto do G7 que mais repercutiu no Brasil. Os incêndios na Amazônia foram incorporados à pauta um dia antes do início da cúpula, por pressão de Macron. À parte da troca de alfinetadas entre o presidente francês e o presidente Jair Bolsonaro na internet, o grupo dos sete países decidiu dar 20 milhões de euros (R$ 91 milhões) em suporte financeiro e logístico para combater as chamas na floresta amazônica.
A maior parte desse dinheiro deve ser destinada ao envio de aviões de combate a incêndios, mas não ficou imediatamente claro se a ajuda virá somente ao Brasil ou se também será destinada ao combate de incêndios na Bolívia.
Ainda não se sabe se o Brasil aceitará a ajuda do G7. Bolsonaro questionou as verdadeiras intenções dos países desenvolvidos: “Será que alguém ajuda alguém sem retorno? O que eles querem lá?”, disse o presidente a jornalistas logo após o anúncio de Macron sobre o suporte financeiro. Já o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, disse que a ajuda era bem-vinda.
Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido também concordaram com uma assistência de médio prazo para o reflorestamento, a ser apresentada na Assembleia Geral da ONU no final de setembro. O Brasil, por sua vez, teria que concordar em trabalhar com ONGs e populações locais, segundo o governo francês.
Na semana passada, Macron comentou que os incêndios na Amazônia eram uma “crise internacional” e que deveriam ser tratados com prioridade no encontro do G7. Disse também que Bolsonaro mentiu quanto ao seu comprometimento ambiental e que, por isso, colocaria a França contra o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia - um posicionamento que foi criticado por Alemanha e Reino Unido.
Bolsonaro interpretou o comentário de Macron como uma afronta à soberania do Brasil e afirmou que o país não pode “aceitar que um presidente dispare ataques descabidos e gratuitos à Amazônia, nem que disfarce suas intenções atrás da ideia de uma ‘aliança’ dos países do G7 para ‘salvar’ a Amazônia, como se fôssemos uma colônia ou uma terra de ninguém”. Bolsonaro também disse que o governo brasileiro está buscando junto ao governo colombiano um plano conjunto “entre a maioria dos países que integram a Amazônia” para “garantir nossa soberania e riquezas naturais” - já sinalizando que não chamará a Venezuela de Nicolás Maduro para conversar sobre o assunto.
O documento final
Apesar dos desentendimentos, os líderes dos sete países emitiram um comunicado com cinco pontos de convergência.
Quanto ao comércio, eles se comprometeram a chegar a um acordo em 2020 para simplificar as barreiras regulatórias e modernizar a tributação internacional no contexto da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Além disso, o grupo diz que quer “mudar” a Organização Mundial do Comércio (OMC) para que ela seja mais eficaz na proteção à propriedade intelectual e que possa resolver disputas mais rapidamente, erradicando práticas desleais.
Quanto ao Irã, os sete países têm dois objetivos: garantir que o país persa nunca possa adquirir armas nucleares e promover a paz e a estabilidade na região. O grupo, porém, diverge fortemente sobre a melhor maneira de fazer com que isso aconteça.
O G7 também reafirmou a existência e a importância da declaração de autonomia de Hong Kong em relação à China; e se posicionou a favor de um cessar-fogo na Líbia.
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