Foto oficial da 54ª Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul e Estados Associados, em 2019, em Santa Fé, na Argentina. Imagem ilustrativa.| Foto: Alan Santos/PR
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Nascido em 26 de março em 1991, o Mercosul foi a instituição criada por Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai com o ideal de criar uma integração comercial maior entre os países e fazer frente à globalização crescente que se iniciou com o fim da União Soviética. A Venezuela aderiu ao Bloco em 2012, mas está suspensa desde dezembro de 2016, por descumprimento de seu Protocolo de Adesão e, desde agosto de 2017, por violação da Cláusula Democrática do Bloco.

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O bloco está prestes a completar 30 anos, e apesar dos alguns avanços geopolíticos, ainda patina economicamente quando comparado com outros.

Apesar de ser considerado um bloco econômico, o Mercosul encontra-se numa etapa prévia, que é a união aduaneira (uma adoção de tarifa externa comum e a livre circulação das mercadorias oriundas dos países associados). Essa união, entretanto, está longe do ideal e a produção dos países é pequena se comparada com outros blocos.

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Por exemplo: apesar de os países do Mercosul terem mais que o dobro do território da União Europeia, o PIB somado do bloco é de 2,5 trilhões de dólares, enquanto da UE é de 18,75 trilhões.

Visão histórica do Mercosul

Para entender as raízes do Mercosul, a Gazeta do Povo conversou com o professor José Maria de Souza Junior, coordenador do curso de Relações Internacionais das Faculdades Rio Branco em SP, que resumiu a história do bloco e sua importância geopolítica:

“O Mercosul, apesar de ser principalmente a tentativa de criação de um mercado comum, ele tem também um componente político-histórico forte, e está relacionado com a aproximação de Brasil e Argentina na década de 1980. Com a superação das diferenças políticas dos regimes militares e com o retorno dos regimes democráticos nos dois países, eles decidiram se fortalecer e se aproximar.

Raúl Alfonsín e José Sarney procuraram um ao outro para sustentar os governos civis. É claro que isso não era o carácter principal da sustentação dos regimes democráticos, mas ajudou no sentido de diminuir a ideia de que os países fossem inimigos. Esse argumento poderia ser usado pelos militares como pretexto para tomar o poder. Com essa aproximação, a ameaça externa do país vizinho deixa de existir.”

O professor exemplificou os problemas resolvidos pela aproximação dos dois países com o Mercosul, citando a questão do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (se Brasil e Argentina iriam desenvolver armas nucleares), as questões de segurança energética envolvidas com a Usina de Itaipu e a construção da Usina de Corpus Christi (que acabou não acontecendo).

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O Mercosul acabou sendo celebrado como a consolidação da aproximação de Argentina e Brasil. Paraguai e Uruguai foram convidados de forma a fazer uma cobertura mais completa do Conesul, com a exceção do Chile, que seguiu um caminho diferente.

O professor ressaltou o momento em que o bloco foi criado, logo depois do Fim da Guerra Fria, com a consolidação da globalização:

“Havia quase que um consenso que, com o fim da bipolarização, o capitalismo de mercado iria resolver boa parte dos problemas da sociedade, inclusive no plano internacional. Isso foi um equívoco, mas no momento parecia plausível. Nessa entrada da globalização, nesse momento de ruptura, os países em desenvolvimento tentaram entrar nesse esquema novo de uma maneira aglutinada.”

Segundo o professor era uma forma de fazer resistência a outras ideias que estavam sendo discutidas no momento, como a Iniciativa para as Américas e a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), que era o plano de livre comércio pensado pelos Estados Unidos e que abrangeria continente americano inteiro.

Souza Junior levanta alguns motivos pelos quais o comércio interno do Mercosul é pequeno em relação a outras regiões do mundo:  "a nossa complementariedade produtiva é baixa, ou seja, os membros do Mercosul produzem coisas muito parecidas. Também somos responsáveis por uma parcela pequena do PIB mundial. Isso significa que as oportunidades de negócios e as transações mais significativas se encontram em outros centros econômicos como Estados Unidos, Europa, China, na Ásia como um todo."

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Segundo ele, esses fatores somados dificultam o avanço econômico do bloco e aumentam a dependência de investimentos externos.

Ao ser perguntado sobre o futuro do bloco, o professor Souza Júnior critica as elites locais: “O problema é que as elites argentinas e as brasileiras não se entendem nem entre elas mesmas. No Brasil, por exemplo, estamos há 10 anos praticamente sem política externa. Temos alguns espasmos disso, mas nada significativo, que perdure, como foi na década de 1990.”

“Não existe, portanto, uma visão de que compartilhamos de problemas em comum e que seria bom que compartilhássemos das mesmas propostas de solução. A Argentina tem hoje 40% da população na pobreza, por exemplo, mas como não vemos que os problemas de lá são parecidos com os daqui, cada um tenta resolvê-los isoladamente, mas depois, no final, ninguém resolve nada”, conclui ele.

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O que o Mercosul representa para Argentina

Para entender melhor o papel da Argentina na construção do bloco, procuramos o Diretor do curso de Economia da Escola de Administração e Negócios da Universidade Austral da Argentina, Eduardo Fracchia, que gentilmente nos concedeu a entrevista abaixo.

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Apesar de ambos os professores estarem um tanto céticos quanto ao progresso do bloco, a comparação das respostas não deixa de apresentar pontos de convergência e também que desafios o bloco terá de superar nos próximos anos.

Em primeiro lugar, gostaria de saber como a Argentina vê a construção do Mercosul, histórica e politicamente, que soluções o país esperava alcançar com bloco comercial e o que conquistou de fato?

Para a Argentina o bloco resolveu uma série de problemas geopolíticos. Sobretudo durante os governos militares brasileiro e argentino havia uma rivalidade muito forte.

Dadas as devidas proporções, poderíamos dizer que aconteceu mais ou menos como a integração dos países europeus após a Segunda Guerra Mundial, quando havia um componente político e militar forte no início e que depois ganhou um caráter mais econômico.

Com a queda dos militares, a aproximação dos governos civis diminuiu um pouco essa tensão e começou a existir certo interesse na integração econômica em alguns setores, o automotivo, por exemplo. Também era a oportunidade de ter maiores possibilidades de exportação e de ter mais poderes de negociação no mercado internacional.

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Contudo, após 30 anos, se tivesse de dar uma nota de 1 a 10 ao que foi conquistado do ponto de vista econômico poderia dar um 5 ou 4. Começamos com muita força nos anos 1990, mas depois fomos arrefecendo e os resultados são muito discutíveis hoje.

Como é a relação da Argentina com os países hispânicos do Mercosul, há uma integração maior ou menor em comparação com o Brasil?

Para Argentina, Paraguai e Uruguai são países muito marginais em relação ao Brasil. O peso maior do Mercosul é o Brasil, a Argentina faz o que pode e os outros dois são muito pequenos em comparação. No caso de Uruguai, por exemplo, o país está menos dependente da Argentina atualmente do que era. O Paraguai está tendo um pouco mais de comércio conosco. Mas o Uruguai está mais aberto com outros países.

Com Brasil tínhamos mais fluxo comercial, mas isso foi se encolhendo. Mais ou menos 30% da exportação argentina ia para o Brasil, agora é algo entre 15-20%, e cresceu mais com China e outros países. E de tudo o que Brasil exporta, a Argentina representa cerca de 8%, ou seja, é pouco.

Nesses 30 anos, no entanto, tivemos alguns avanços, mas não existe nada na região comparado com Bruxelas na Europa, por exemplo. Institucionalmente o Mercosul é frágil e depende muito da vontade dos presidentes. Por exemplo, agora estamos mais ou menos separados, porque Jair Bolsonaro e Luis Alberto Lacalle, no Uruguai, têm perspectivas distintas das que tem Alberto Fernandez, na Argentina.

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Os primeiros querem abrir o Mercosul, querem levar adiante tratados de livre comércio, que haja um pouco de independência das leis do bloco.

Estamos, portanto, com mais tensões internas. Por isso a cúpula que se realizará em Buenos Aires no final de março será importante para tentar diminuir essas dificuldades.

Ela será realizada virtualmente e é uma pena que Bolsonaro não possa vir, porque ele ainda não fez uma visita oficial à Argentina.

Há alguma solução para o bloco para que este não dependa tanto das trocas de bandeiras políticas de cada país?

As trocas de governo de direita e de esquerda vão também como que criando blocos distintos no continente. Agora Argentina está próxima de Venezuela, Equador e México. Brasil, Uruguai e Colômbia formam outro bloco atualmente.

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Creio que isso só se resolveria com alguma institucionalidade que fornecesse alguns protocolos comuns que funcionassem com alguma autonomia. Isso daria ao bloco mais independência desses vaivéns políticos, mas isso é difícil de solucionar.

Bruxelas, na União Europeia, tem um papel assim, ela dá algumas diretrizes. Aqui não, cada presidente que chega saca o telefone e tenta negociar com outro que geralmente não tem as mesmas prioridades.

É possível que o Mercosul faça frente à dependência econômica de seus membros em relação aos países mais desenvolvidos?

É difícil diminuir a dependência econômica da região em relação aos outros países mais desenvolvidos. Porque não temos tanto peso econômico como outras regiões. Tome por comparação o tratado de livre comércio que foi celebrado recentemente entre os países da Ásia e do Pacífico. São cerca de 2 bilhões de pessoas e uma parcela tremenda do PIB mundial. Isso sim que é um bloco!

A jogada estratégica seria que América Latina inteira fosse um bloco comum de livre comércio. Isso daria mais protagonismo à região em relação aos países desenvolvidos.

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Um bloco que funcione, em princípio, teria mais força em tratados internacionais, pois você chega à mesa com mais “massa crítica” por assim dizer. Mas na Argentina, hoje, dependemos muito de Estados Unidos e China.

O Acordo entre União Europeia e o Mercosul, que já está sendo negociado há anos, poderia mudar um pouco essa dinâmica. Poderia ser um relançamento do bloco e dar mais potencial para ele no futuro. Mas isso está um pouco parado porque a França colocou obstáculos em relação ao meio-ambiente e há protecionismo em seu agronegócio para os produtos latino-americanos, que são muitos fortes nesse setor.

Quais serão os passos do Mercosul nos próximos dez anos?

Em relação ao futuro, sou moderadamente pessimista e gosto mais das soluções propostas atualmente por Bolsonaro e Lacalle: de maior abertura comercial e menos restrições internas. Hoje o Mercosul é muito protecionista e este é um dos motivos pelos quais Chile, por exemplo, nunca se aproximou do bloco.

Então eu diria que isso, mais a falta de instituições, são problemas a serem resolvidos. Além disso, atualmente, o Mercosul não é tema que entusiasme a população. Faz tempo que não vejo um artigo interessante sobre isso num jornal argentino. Não é algo que as pessoas discutam e pensem em como aproveitar as vantagens do Mercosul . Parece-me que não é mais um tema estratégico.

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No entanto, os políticos gostam muito do Mercosul, pois é uma forma de manter relações com a região. E aos empresários o bloco foi muito útil em alguns setores como o setor automotivo que estão bem ligados no Brasil e na Argentina, mas em outros setores é preciso fazer mais.

Poderiam ser pensados projetos de energia e infraestrutura comuns e desenvolver muitas coisas, mas talvez o que mais falte é cumprir com o que os países concordaram ao assinar o tratado de 1991 que era “velar e cuidar da coordenação macroeconômica” e isso é difícil, cada país pensa em sua economia de uma maneira diferente e o bloco fica como que desintegrado.

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