A morte do jornalista saudita Jamal Khashoggi, do Washington Post, no dia 2, no consulado da Arábia Saudita poderá ter uma série de impactos negativos para um país que tentava passar a imagem de estar se modernizando gradualmente, com a concessão de mais direitos às mulheres – como a possibilidade de dirigirem -, a autorização para o funcionamento de cinemas, proibida por mais de 30 anos, e para a realização de concertos e shows.
O impacto imediato é a deterioração da imagem saudita nos Estados Unidos. O país do Oriente Médio já não tinha uma boa imagem porque 15 dos 19 terroristas envolvidos no 11 de setembro eram sauditas.
A operação que resultou na morte do jornalista também assusta potenciais investidores na Arábia Saudita. O príncipe herdeiro Mohammed bin Salman tem um audacioso plano para reduzir a dependência de seu país do petróleo. Mas, empresas e investidores já olhavam o país com cautela, devido ao envolvimento do país na guerra do Iêmen e no bloqueio ao Catar.
Também reacende uma luz amarela no painel das instituições financeiras: até quando vale a pena investir em países conhecidos por violar os direitos humanos.
Outro problema criado pela morte de Khashoggi é em relação aos grandes negócios entre a indústria de defesa americana e a Arábia Saudita. O presidente americano Donald Trump é um forte defensor deles. Mas importantes líderes de seu partido, o Republicano, já ameaçam bloquear os negócios no Congresso.
1) Piora da imagem saudita
A morte do jornalista Jamal Khashoggi no consulado saudita em Istambul é um desastre absoluto para a reputação internacional da Arábia Saudita. Mesmo lideranças favoráveis ao regime de Riad nos Estados Unidos já estão pedindo sanções contra o país.
Vale a pena lembrar, no entanto, que a Arábia Saudita não tinha muita reputação a ser arruinada. Claro, graças à sua enorme riqueza e importância geopolítica, o país sempre conseguiu o que queria em Washington. Mas uma das razões pelas quais a reação ao assassinato do jornalista se transformou tão rapidamente em ameaças de sanções é que o país tem relativamente poucos apoiadores entre o público dos EUA.
A maioria dos americanos tem opiniões desfavoráveis da Arábia Saudita há anos, apesar de uma cara campanha de publicidade feita pelos sauditas para melhorar sua imagem no exterior.
A última vez que a Arábia Saudita foi vista favoravelmente por uma clara maioria dos norte-americanos foi há quase três décadas.
O que explica a reputação negativa de longa data da Arábia Saudita? Dois grandes eventos que parecem se correlacionar com mudanças nas visões dos EUA sobre a Arábia Saudita na história recente. Uma é a Guerra do Golfo de 1991. O outro, os ataques terroristas contra os Estados Unidos em 11 de setembro de 2001.
A Arábia Saudita desempenhou um papel fundamental em ambos os eventos, para melhor ou para pior. Foi um aliado vital no Oriente Médio quando os Estados Unidos enviaram tropas para combater o Iraque de Saddam Hussein em agosto de 1990. Mas, uma década depois, sua reputação foi manchada porque 15 dos 19 terroristas envolvidos no 11 de Setembro tinham passaportes sauditas.
Depois de 2001, com persistentes alegações sobre o envolvimento saudita em ataques terroristas e financiamento de clérigos extremistas, a maioria dos norte-americanos adotou uma visão negativa de seus aliados. Antes de ser presidente, Donald Trump estava entre os que defendiam tal visão. Durante um debate presidencial em 2016, o candidato republicano disse que os sauditas eram "pessoas que empurravam os gays de prédios" e "matavam mulheres e as tratavam horrivelmente".
A Arábia Saudita estava inteirada de sua reputação. O país vinha renovando seus esforços internacionais de relações públicas no ano passado, ao mesmo tempo em que príncipe herdeiro Mohammed bin Salman foi criticado por liderar uma guerra no Iêmen e um embargo regional contra o Catar.
Mas há pouca evidência de que eles fizeram muito progresso com o público em geral. O assassinato de Khashoggi parece ter a chance de derrubar ainda mais a reputação da Arábia Saudita entre os americanos.
Uma pesquisa recente conduzida pela YouGov para a Economist após o desaparecimento do jornalista revelou que apenas 4% dos americanos viam a Arábia Saudita como aliada, uma queda de seis pontos percentuais em um ano. Enquanto isso, 15% do país disseram que era um inimigo.
Esses números devem causar profunda preocupação em Riad. Eles mostram que a Arábia Saudita tem pouca "base" entre o público americano, de modo que autoridades eleitas como Graham podem apelar para uma audiência interna criticando as ações sauditas. A menos que a Arábia Saudita possa argumentar convincentemente que ainda serve à política externa dos EUA, os políticos americanos podem seguir sua audiência interna - e reconsiderar se o país é realmente um aliado, afinal.
2) Projeto de crescimento ameaçado
Ele era o homem que vendeu ao mundo a visão de uma economia saudita não dependente do petróleo. Agora o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman pode se tornar o maior risco para o seu próprio projeto.
E, o que é crucial para os planos econômicos do príncipe Mohammed, os líderes empresariais globais que ele cortejava estão se distanciando. Os executivos-chefe do JPMorgan Chase, Ford e Uber estão entre as dezenas de executivos e formuladores de políticas que descartam os planos de participar do fórum de negócios que o príncipe promoverá na semana que vem em Riad, a capital
Para um líder que apostou o futuro de seu país com um aumento de investimentos estrangeiros, este é um indicador preocupante. “O que parece ser a cumplicidade oficial da Arábia Saudita no desaparecimento de Jamal envia sinais errôneos às pessoas e grupos que o príncipe herdeiro precisa para mudar a Arábia Saudita na direção que ele quer”, disse Gregory Gause, um especialista sobre assuntos sauditas na Texas A&M University.
Os investidores que o príncipe herdeiro precisa já vinham vacilando. Aparentavam estar bem em reuniões luxuosas, pelo menos até Khashoggi desaparecer, mas o dinheiro não fluia. O investimento estrangeiro direto caiu mais de 80% no ano passado. Em uma entrevista neste mês, o príncipe disse que dados preliminares sugerem uma recuperação parcial em 2018. Mas para atingir suas metas para 2020, o investimento precisa aumentar.
Mesmo antes do caso Khashoggi, os líderes empresariais haviam visto o suficiente no governo do príncipe Mohammed para ficarem desconcertados. Em casa, a Arábia Saudita deteve dezenas de proeminentes empresários locais como parte de uma suposta repressão à corrupção. No exterior, lançou um boicote ao Catar e se envolveu em disputas com a Alemanha e o Canadá que ameaçaram acordos comerciais com esses países.
O príncipe Mohammed também abandonou uma política externa tradicionalmente discreta e buscou afirmar o poder saudita - o que o levou a intervir na guerra civil do Iêmen. Mais de três anos de bombardeio saudita, dirigido contra rebeldes apoiados pelo Irã, deixou milhares de civis mortos.
A oposição a qualquer uma de suas iniciativas não é tolerada, gerando um clima de medo. Um economista que questionou o plano de venda da Aramco, a petrolífera saudita, foi preso. O mesmo aconteceu com mulheres ativistas que tinham feito campanha pelo fim da proibição de dirigir e com dezenas de pessoas acusadas de colaborar com o Catar - uma acusação também dirigida contra Khashoggi, antes que desaparecesse. “Eles perderam muito terreno”, disse James M. Dorsey, especialista em Oriente Médio da Universidade Tecnológica Nanyang.
3) O debate sobre investimentos e direitos humanos
Como executivo-chefe da maior gestora de ativos do mundo, Larry Fink começou o ano com um chamado para as milhares de empresas nas quais a empresa detém participações: mostrar como elas fazem uma contribuição positiva para a sociedade. Agora, a BlackRock, que administra mais de US$ 6 trilhões em recursos, está enfrentando um desafio comparável.
Apesar de a BlackRock e o restante do setor financeiro terem apontado a Arábia Saudita como um importante gerador de recursos, eles também foram obrigados a agir após relatos de que o jornalista dissidente Jamal Khashoggi foi morto dentro do consulado saudita em Istambul. "O mundo das empresas não é preto e branco", disse Fink.
Se a história serve de guia, os direitos humanos nunca foram muito persuasivos no cálculo de Wall Street, o principal centro financeiro mundial. A Líbia é um exemplo recente. Uma vez que os governos ocidentais suspenderam as sanções contra Moammar Kadaffo, os banqueiros rapidamente correram, ignorando a brutalidade de seu regime.
Na Arábia Saudita, a resposta dos líderes do setor, incluindo Fink, Steve Schwarzman, do Blackstone Group, e Jamie Dimon, do JPMorgan Chase, foi a de retirar-se de uma cúpula econômica em Riad na próxima semana, um evento destinado a mostrar os esforços de reforma do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman.
"É fácil não ir à conferência porque é só uma conferência, e é uma ótima declaração", disse John Wilson, diretor de pesquisa e governança corporativa da Cornerstone Capital Group. Mas questões maiores permanecem, acrescentou ele. "Falando estritamente de uma perspectiva de valores, você quer evitar cumplicidade em quaisquer violações de direitos humanos que estejam ocorrendo."
Mesmo assim, muitos bancos pretendem participar da conferência. O Morgan Stanley, um dos maiores bancos do mundo, enviará representantes, mas o diretor executivo James Gorman não irá, de acordo com uma pessoa a par do assunto.
O banco de investimento participou de um empréstimo de US 11 bilhões para o primeiro empréstimo do fundo soberano no mês passado. E quando o país começou a abrir seu mercado para estrangeiros investirem em ofertas públicas iniciais( IPOs) em 2015, o Morgan Stanley foi um dos primeiros bancos a abrir discussões com empresas sauditas sobre vendas potenciais de ações.
Para alguns bancos, a escolha tem sido fácil: fique com o cliente, especialmente porque os mandatos de transações provavelmente durarão por muitos anos. Para outros, as considerações éticas eram uma questão de discussões intensas. "As empresas têm um impacto sobre a situação dos direitos humanos? Absolutamente o fazem", disse Wilson, da Cornerstone Capital. "Eles se converteram em um participante-chave no diálogo nacional".
4) Pressão para conter a venda de armas à Arábia Saudita
A indignação internacional em relação ao assassinato de Jamal Khashoggi, jornalista e colaborador do Washington Post, galvanizou parlamentares e críticos que tentam restringir as vendas americanas de armas à Arábia Saudita.
O reino é o maior importador de armas dos EUA e há anos vem sendo criticado por grupos de direitos humanos por prender dissidentes e jornalistas e matar civis em uma campanha militar no Iêmen.
O senador republicano Rand Paul, repetidamente vem pedindo a seus colegas que as vendas de armas sejam interrompidas, disse que vai combater o próximo acordo de armas saudita que chegar ao Congresso americano. No ano passado, Paul e seus aliados ficaram quatro votos aquém do necessário para garantir o bloqueio das vendas de armas ao reino. Mas, segundo ele, agora haverá "um clamor popular.”
Esses esforços poderiam comprometer a venda de bilhões de dólares em armamentos feitos por empresas de defesa dos EUA e colidir com o desejo do presidente Donald Trump de continuar a exportar aviões, mísseis e tanques para o reino, o que ele considera como vital para a economia americana.
Desde que Khashoggi desapareceu durante uma visita a um consulado saudita na Turquia no dia 2, Trump disse repetidas vezes que não queria prejudicar acordos de armas com o reino nem prejudicar empregos em empresas como Boeing, Lockheed Martin e Raytheon.
Trump afirmou que esses acordos valem US $ 110 bilhões, mas muitos especialistas em defesa dizem que o presidente exagerou o valor desses acordos. No ano passado, a Arábia Saudita comprou US $ 5,5 bilhões em armas dos EUA, segundo dados do Pentágono.
A tensão sobre a venda de armas ocorre em meio a preocupações com a guerra no Iêmen liderada por uma coalizão liderada pela Arábia Saudita. Um relatório da ONU disse que a coalizão já matou milhares de civis e, em um incidente particularmente horrível, uma bomba matou 40 crianças em um ônibus escolar. A CNN informou que a bomba foi fabricada pela Lockheed Martin, o que alimentou preocupações no Congresso.
Mohammed bin Salman, o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, que está sob pressão para explicar o desaparecimento de Khashoggi, tornou-se um parceiro de negócios preferido da indústria de equipamentos de defesa dos EUA que buscam expandir suas vendas internacionais. Quase todos os principais fabricantes americanos de armas fizeram negócios com o reino, em coordenação com o governo dos EUA.
"É difícil para um presidente recusar o que parece dinheiro fácil", disse Trevor Thrall, professor associado de segurança internacional da George Mason University e membro sênior do Instituto Cato. "Todo mundo ama os sauditas na indústria de defesa. Eles são um ótimo cliente".
Byron Callan, analista de defesa do banco de investimento Capital Alpha Partners, disse que apesar do alvoroço pela aparente morte do jornalista, os negócios continuarão ininterruptamente. "Continuamos acreditando que a morte de Jamal Khashoggi não levará a uma grande ruptura nas vendas de defesa dos EUA ou da Europa para a Arábia Saudita, mas a questão pode perdurar em 2019-2020 e a guerra no Iêmen", escreveu ele em nota. para os investidores. "Acreditamos que é implausível que Trump corte as vendas para a [Arábia Saudita]".
Uma ruptura na venda de armas causaria problemas a curto prazo para a indústria de defesa, mas elas são uma pequena fração de sua receita e são tímidas em comparação com o que vendem ao Pentágono. Por enquanto, em vez de se preocupar com o potencial de perda de receita, a indústria espera que a situação se acalme, disseram analistas.
Nos últimos anos, o reino fechou alguns acordos importantes, incluindo um contrato de US$ 222 milhões para a compra de oito helicópteros pesados e um contrato de US$ 60 bilhões que inclui ac negociação de 84 caças F-15 fabricados pela Boeing.