Pela primeira vez na história, o Irã atacou diretamente Israel. O país do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu informou na quarta-feira (9) que forças iranianas haviam disparado 20 mísseis contra as bases militares de Israel nas colinas de Golã (território sírio ocupado por Israel desde 1967). O ataque foi interceptado e ninguém ficou ferido.
Um dia depois, Israel deu a sua resposta: atacou dezenas de instalações militares ligadas ao Irã em território sírio. O Exército israelense disse em um comunicado que seus caças tinham como alvo os pontos de inteligência e logística iraniana em Damasco, bem como armazéns de munição, postos de observação e militares. “Este foi de longe o maior ataque que fizemos contra bases iranianas", disse o porta-voz do Exército israelense, tenente-coronel Jonathan Conricus.
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O Irã calou, até a manhã desta sexta-feira (11), quando acusou Israel de inventar pretextos para atacar a Síria. O porta-voz do ministério iraniano das Relações Exteriores do Irã, Bahram Ghasemi, disse que seu país "condena com firmeza os ataques" na Síria e que Damasco tem "todo o direito de se defender".
Tudo isso aconteceu um dia depois de o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ter anunciado a retirada do país do acordo nuclear do Irã, e há poucos dias da transferência oficial da embaixada dos EUA em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, quando são esperados confrontos na fronteira com Gaza e em Jerusalém.
A tensão na região está chegando em um nível que não é visto há muito tempo. Entrevistamos três especialistas em política internacional, o professor da UnB Pio Penna Filho, o professor do curso Clio Tanguy Baghdadi e o professor da PUC-Rio Márcio Scalércio, para compreender o contexto em que ocorrem as agressões entre Irã e Israel.
Qual é a origem da rivalidade entre Irã e Israel?
São basicamente três questões que explicam a rivalidade entre os dois países: as relações com os Estados Unidos, a religião e a geopolítica regional.
Israel é um tradicional aliado dos EUA desde a sua criação, em 1948. O Irã, entre o final da segunda guerra mundial e a revolução iraniana de 1979, também era — inclusive foram os americanos que apoiaram o programa nuclear do Irã durante os anos 1950 para fins pacíficos. Entretanto as relações entre Irã e EUA mudaram com a revolução iraniana, que teve um caráter anti-americano e instaurou no país um governo teocrático. A partir daí, os Estados Unidos começaram a ser vistos pelo Irã como rivais. Israel também entrou na lista dos inimigos do país.
A religião também tem um grande peso nessa rivalidade. Desde que foi criado, Israel, um estado judaico, é visto como um outsider em uma região dominada pelos muçulmanos. Os países de maioria muçulmana não aceitaram a criação de Israel, dando origem à Guerra dos Seis Dias — um conflito entre Israel e Síria, Egito, Jordânia e Iraque — em 1967. Israel saiu vencedor, com o apoio dos EUA. De uma certa maneira, os muçulmanos se sentem ofendidos com a presença de Israel, como conta o professor de política internacional do Clio, Tanguy Baghdadi.
Por fim, a disputa pelo poder na região também antagoniza os dois países. Atualmente Israel e Irã são considerados os grandes players da região. Israel é muito poderoso, dono de um aparato militar moderno, e o Irã está fazendo investimentos pesados em segurança, além de possuir um numeroso exército. Outro agravante é o vínculo do governo iraniano com os xiitas do grupo terrorista Hezbollah, que ocupa regiões ao sul do Líbano e que não reconhece a existência de Israel.
Por que o conflito está ocorrendo em solo sírio?
Israel afirma que o ataque do Irã contra suas posições ocorreu nas colinas de Golã. Este território está sob controle de Israel desde 1967 e foi anexado pelo país em 1981, porém esta manobra não foi reconhecida pela comunidade internacional, que ainda as considera um espaço sírio. No contra ataque, Israel lançou mísseis nas bases iranianas localizadas na Síria.
Este conflito está se desenvolvendo em território sírio pelas circunstâncias da própria guerra civil da Síria, em que Irã e Israel ocupam lados opostos — Irã apoiando, junto com a Rússia, o governo de Bashar al-Assad, e Israel, ao lado dos EUA, dando suporte aos rebeldes. Neste momento, Assad está se consolidando no poder, ou seja, isso representa uma grande presença do Irã e suas tropas em território sírio, que faz fronteira com Israel. Essa aproximação é vista como ameaça por Israel, que não exitará em atacar caso se sinta ameaçado.
Qual a relação destes ataques com a saída dos EUA do acordo nuclear do Irã?
Não se pode dizer que houve uma consequência direta, mas os dois acontecimentos fazem parte de um mesmo contexto. O fato de os Estados Unidos se retiraram do acordo nuclear do Irã aconteceu por uma pressão de Israel e da Arábia Saudita, e a partir disso, esses dois países passaram a entender que não há nada que impeça o Irã de iniciar um conflito. O ataque de Israel às bases iranianas na Síria é uma mostra que Israel está se antecipando e tentando diminuir o poder do Irã no país de Assad.
Para o professor do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio, Márcio Scalércio, a saída dos EUA do acordo nuclear do Irã pode ter sido entendida como um sinal verde para que ações mais agressivas, de ambos os lados, possam acontecer. Israel se sente incomodado com a presença iraniana na Síria e pode ter aproveitado o ensejo do endurecimento americano para atacar as posições iranianas.
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Quais são as chances de uma guerra entre Irã e Israel?
A chance existe, embora seja impossível estabelecer uma probabilidade exata. Segundo os especialistas em relações internacionais ouvidos pela reportagem, seria uma guerra muito difícil para o mundo todo, devido ao grande potencial militar dos dois países. “Acho que eles [Irã e Israel] e os países da região vão tentar evitar uma guerra, mas se Israel calcular que o Irã é uma ameaça ao seu Estado, eles vão atacar, e o Irã vai reagir. Tem muita coisa para acontecer ainda, mas a tensão está chegando em um nível que não é visto na região há bastante tempo”, disse Baghdadi.
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Já o professor de Relações Internacionais da UnB, Pio Penna Filho, afirma que as chances de uma escalada do conflito são muito pequenas. “Não interessa a ninguém uma guerra entre esses dois países. O que o Irã quis fazer é mostrar sua força, mas esse tipo de linguagem não funciona com Israel. Caso um conflito venha a acontecer será muito perigoso, já que o Irã é o único país da região que tem condições de travar uma guerra contra Israel”, afirmou.