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No Colorado, funcionários de seção eleitoral preparam as cédulas de votação. Imagem de 3 de novembro de 2020.
No Colorado, funcionários de seção eleitoral preparam as cédulas de votação. Imagem de 3 de novembro de 2020.| Foto: AFP

A audiência dos canais de notícias da televisão paga brasileira explodiu durante a cobertura das eleições norte-americanas de 2020, na semana passada. Nunca antes o Brasil acompanhou com tanto afinco um pleito presidencial dos Estados Unidos. O sistema de eleição indireto, via Colégio Eleitoral, e a adoção de cédulas físicas, contudo, deixou os brasileiros um pouco confusos - e rendeu uma enxurrada de memes nas redes sociais.

Apesar da estranheza à primeira vista, é preciso salientar que o sistema, usado desde o fim do século 18, ainda se justifica para os norte-americanos. O Colégio Eleitoral foi a solução encontrada pelos Pais Fundadores (os Founding Fathers), líderes políticos que participaram da Revolução Americana, para garantir a eleição no país que – ainda que à época fosse bem menor do que é hoje – já tinha um grande território. Conduzir uma campanha eleitoral por todo os EUA era uma missão praticamente impossível.

O voto indireto também evitava que figuras muito locais dos estados mais populosos pudessem ser eleitas, já que ainda não havia uma identidade norte-americana unificada. Acreditava-se que esses candidatos acabariam governando em prol de seus territórios de origem, deixando os outros de lado.

“(...) talvez o ponto mais importante a entender sobre o Colégio Eleitoral – e sobre a Constituição dos EUA em geral – é que os Pais Fundadores não tinham a intenção de criar uma democracia PURA. Eles queriam governar por conta própria, é claro. Eles tinham acabado de lutar numa revolução em parte porque não tinham representação no Parlamento. Os princípios de autogoverno eram muito importantes para eles. Ao mesmo tempo, eles sabiam que, por uma questão histórica, as democracias puras tendem a implodir”, diz Tara Ross, jurista norte-americana especialista no assunto.

Não significa, porém, que o Colégio Eleitoral seja imune a disputas. Na história dos EUA, o sistema de votação adotado pelo país já resultou em situações peculiares, de judicialização até empate. Confira:

1. Empate

No começo do século 19, os partidos eleitorais norte-americanos ainda estavam tomando forma e as grandes legendas eram o Partido Democrata-Republicano e o Federalista. Na época, as regras eleitorais do país eram diferentes e o Colégio Eleitoral tinha poder para escolher apenas o presidente, enquanto os eleitores votavam em dois nomes, sendo que o vice-presidente seria a pessoa que ficasse em segundo lugar.

Em 1800, porém, houve um empate entre os democratas-republicanos Thomas Jefferson e Aaron Burr, o que fez com que a eleição tivesse que ser decidida pela Câmara dos Representantes. Essa foi a primeira de duas vezes em que isso ocorreu na história do país. A decisão final, que terminou na eleição de Jefferson, é creditada a Alexander Hamilton, primeiro secretário do Tesouro norte-americano e um ferrenho defensor do Colégio Eleitoral - dizia que se o sistema não era perfeito, era, ao mesmo, “excelente”. Federalista, Hamilton detestava as duas opções, mas tinha um desafeto maior com Burr. Fez, portanto, lobby para que Jefferson, que não era o favorito, acabasse eleito. Três anos depois, Hamilton seria morto por Burr em um duelo.

2. Decisão pela Câmara dos Representantes

A segunda ocasião em que a Câmara dos Representantes norte-americana precisou decidir um pleito presidencial no país foi em 1824. Além disso, foi a primeira vez em que o candidato a receber o maior número de votos populares não foi eleito. Todos os candidatos nesse ano eram do Partido Democrata-Republicano e Andrew Jackson conquistou 99 delegados no Colégio Eleitoral; John Quincy Adams conquistou 84; William H. Crawford conquistou 41; Henry Clay conquistou 37.

Como nenhum dos candidatos recebeu a maioria necessária de delegados (metade mais um), novamente a eleição precisou ser decidida pela Câmara dos Representantes – que, pela regra, deveria escolher um entre os três mais votados, excluindo o quarto colocado. Adams fez um forte lobby com os apoiadores de Clay, o candidato “excluído”. No fim, o apoio foi fundamental para que Adams conquistasse o posto de sexto presidente norte-americano, mesmo sem ter recebido a maioria dos votos nas urnas. Uma vez no posto, nomeou Clay secretário de Estados dos EUA, em agradecimento.

3. Comissão não tão imparcial assim

Em 1876, o foco da disputa já recaía sobre os partidos Republicano e Democrata. As eleições deste ano foram disputadas pelo republicano Rutherford B. Hayes e pelo democrata e Samuel J. Tilden, do Partido Democrata. No voto popular, Tilden venceu por 3%. Os votos de 20 delegados, contudo, foram contestados pelo Partido Republicano.

As legendas concordaram em criar uma comissão formada por 15 pessoas, entre membros do Congresso e da Suprema Corte, que estudariam os votos contestados e decidiriam de forma imparcial a quem eles seriam destinados. Nesse meio-tempo, porém, um dos juízes da comissão, que era um político independente, acabou eleito para o Senado e abandonou o grupo. Acabou substituído por um juiz republicano, acabando por desequilibrar a formação da comissão e sendo decisivo para a vitória de Hayes.

4. Intervenção da Suprema Corte

Disputada por George W. Bush (Partido Republicano) e Al Gore (Partido Democrata), as eleições presidenciais de 2000 nos EUA pareciam não ter fim. Isso porque houve uma controvérsia a respeito dos votos da Flórida, estado que fornece o terceiro maior número de votos no Colégio Eleitoral (29). Enquanto a Justiça da Flórida ordenou a recontagem de cédulas, a Suprema Corte dos EUA acabou decidindo, por 7 a 2, que a ordem judicial estadual era inconstitucional.

No dia 13 de dezembro daquele ano, Gore acabou reconhecendo que havia perdido para Bush no estado - e, consequentemente, em todo o pleito. Se ele quisesse, poderia ter levado a disputa ao Congresso, mas optou por não fazê-lo.

A eleição norte-americana de 2000 foi um dos casos em que o candidato que venceu na votação popular acabou perdendo no Colégio Eleitoral. Apesar de Al Gore ter obtido 48,48% dos votos totais contra 47,87% de Bush, o republicano conquistou 271 delegados, ao passo em que o candidato democrata ficou com 266.

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