A menos que você seja alguém que pensa que decapitar pessoas é uma maneira apropriada de avançar uma causa política repressiva, o fim iminente do Estado Islâmico (ISIS, na sigla em inglês) é uma notícia bem-vinda. No entanto, nós devemos ser cautelosos com o discurso de “missão cumprida” prematuro e ter prudência em tirar lições de um resultado que, do contrário, é digno de celebração.
Próximos do fim, aqui está uma avaliação preliminar de Stephen Walt, professor de Relações Internacionais da Universidade de Harvard, sobre o que a derrota do ISIS significa na forma de cinco questões e algumas respostas provisórias.
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O Estado Islâmico foi um “estado revolucionário” genuíno?
Eu acredito que foi. Em 2015, eu escrevi um artigo apontando as similaridades entre o ISIS e outros movimentos revolucionários (por exemplo, o movimento jacobino, os bolcheviques, o Khmer Vermelho, etc), e eu estabeleci algumas lições bastante óbvias tiradas daqueles movimentos históricos.
Cada um deles proclamava uma visão extrema de transformação da sociedade, acreditava que as forças da história (ou a divina providência) estavam ao seu lado e garantiam o seu sucesso, recorreu à extrema violência para avançar em seus objetivos e possuía uma capacidade de inspirar pessoas em terras distantes.
Ainda assim, eu argumentei que o Estado Islâmico não era tão perigoso quanto muitos afirmavam porque a maior parte dos movimentos revolucionários não conseguiram exportar seu modelo nem sobreviver por muito tempo, a menos que eles conquistassem o controle de um país poderoso. Felizmente, embora o ISIS fosse mais rico que a maior parte das organizações terroristas, ainda era um estado muito fraco.
Por que o Estado Islâmico perdeu?
Por muitas razões. A derrota do ISIS foi determinada por várias causas e não deveria nos surpreender. Apesar de seu comportamento assustador e de seu acesso a algumas modestas rendas de petróleo, ele era muito mais fraco que a Rússia bolchevique, a França revolucionária ou ainda a maior parte de seus vizinhos próximos.
De fato, o ISIS podia emergir e obter o controle de um vasto deserto em grande parte vazio por causa do vácuo de poder criado pela invasão do Iraque pelos EUA e a subsequente revolta na Síria. Uma vez que o grupo se estabeleceu em Raqqa e no território ao redor, seu exemplo, sua ideologia e o seu apoio material causaram problemas em outros lugares, mas a fraqueza inerente do grupo limitou a sua habilidade de espalhar sua mensagem e colocou-o em desvantagem uma vez que seus vizinhos reconheceram o problema que representavam.
Movimentos revolucionários às vezes obtêm sucesso porque eles apreciam a vantagem da surpresa – como o Estado Islâmico fez quando logo apareceu – mas se torna mais difícil para eles se expandirem ou sobreviverem quando países mais poderosos estão atentos ao perigo e passam a agir para contê-lo. O Estado Islâmico não foi uma exceção.
Além disso, a ideologia radical do ISIS e suas práticas abomináveis (incluindo decapitações, escravidão sexual e coisas do tipo) alienou muitos quando seguiu sua tendência de tratar muçulmanos que não partilhavam de suas visões extremas como apóstatas.
Não é fácil unir os Estados Unidos, Rússia, Iraque, o regime de Bashar al-Assad na Síria, o Irã, a Arábia Saudita, a União Europeia, a Jordânia, os curdos e outros em uma frente comum, mas os brilhantes estrategistas liderando o Estado Islâmico conseguiram isso. E uma vez que isso foi feito, seu pretensioso califado estava destruído.
Finalmente, a campanha contra o ISIS funcionou em parte porque os Estados Unidos sabiamente permitiram que forças locais agissem e não tentou erradicar o Estado Islâmico sozinho. O poder aéreo americano cumpriu um importante papel nisso assim como o aconselhamento e treinamento fornecido por outras unidades dos EUA. Mas atores locais com uma participação mais imediata no resultado e maior crédito e legitimidade local participaram na ofensiva mais forte. Este prudente uso do poder americano tornou mais difícil para o Estado Islâmico retratar o ataque estrangeiro como contra o “Islã” visto que a maior parte das vítimas do ISIS eram os próprios muçulmanos.
Então a campanha contra o Estado Islâmico é um raro sucesso na história das políticas internacionais dos Estados Unidos?
Certamente, mas segurem os aplausos. Como os leitores sabem, eu tenho sido muito crítico com as políticas internacionais dos EUA, incluindo a recorrente tendência de Washington em entrar em guerras que não é capaz de vencer. Porém, a campanha contra o ISIS parece ser um claro sucesso militar e nós devemos reconhecê-la como tal.
Ao mesmo tempo, os americanos devem resistir à tentação de se parabenizarem demais. Para começar, não podemos esquecer que o Estado Islâmico nunca teria emergido se a administração de George W. Bush não tivesse decidido invadir o Iraque em 2003 e organizado a ocupação subsequente. Ao ajudar a derrotar o ISIS, os Estados Unidos estavam apenas resolvendo um problema que haviam criado.
Mas, mais importante, as circunstâncias eram propícias para derrotar o Estado Islâmico.
Como apontado anteriormente, o ISIS era um oponente de baixa categoria que não possuía recursos abundantes, poder militar sofisticado ou aliados poderosos. Suas ações o tornaram uma diversa coalizão unida por uma crença compartilhada que precisava ser destruída.
E a coalização contra o Estado Islâmico possuía um objetivo militar claro e simples: retirar o controle territorial do grupo eliminando o máximo possível de seus apoiadores e destruir as pretensões do ISIS de representar o “verdadeiro Islã” ou ser um modelo para o futuro na região. Sem minimizar os desafios militares específicos envolvidos, este era o tipo de briga que os Estados Unidos (e seus parceiros locais) deveriam ser capazes de ganhar e este era o tipo de adversário que eles deveriam ser capazes de derrotar no campo de batalha.
Nós devemos ser cuidadosos, no entanto, em concluir que este sucesso em particular é um modelo para futuros conflitos ou uma justificativa dos esforços dos EUA em “desenvolver nações” em outros lugares. Em particular, as condições que tornaram a derrota do ISIS possível não existem no Afeganistão, no Iêmen ou na Líbia, motivo pelo qual os esforços dos Estados Unidos nestes locais falharam repetidamente.
Além do mais, a derrota do Estado Islâmico traz à tona outros problemas, incluindo o destino dos curdos, o desejo de Assad em restaurar sua autoridade naquela parte da Síria, o papel do Irã e da Turquia e provavelmente o surgimento de novas organizações jihadistas. Derrotar o Estado Islâmico é um claro ganho, mas seu significado mais amplo não deveria ser exagerado.
Donald Trump possui algum crédito nesta questão?
Sim, mas muito menos do que ele provavelmente assumirá ter. Donald Trump criticou as políticas da administração de Barack Obama em relação ao Estado Islâmico repetidamente durante sua campanha em 2016 e ele prometeu que o ISIS seria derrotado “muito, muito rápido” caso fosse eleito.
No entanto, a queda de Mosul e Raqqa (esta última, considerada a “capital” do califado) e o fim iminente do Estado Islâmico dificilmente corroboram com sua versão uma vez que a campanha que finalmente derrotou o ISIS foi organizada e implementada pela administração de Obama, e Trump não teve nenhuma participação nela.
Ele realmente deu aos comandantes militares maior autoridade para agirem por sua conta, mas não forneceu nenhum recurso adicional significante ou modificou a estratégia básica estabelecida pela administração anterior. Ele merece crédito por manter a estratégia herdada e talvez ter acelerado um pouco as coisas, mas se fosse honesto (o que ele não é), Trump daria grande crédito a seu predecessor (o que ele não fará).
A queda de Raqqa é um momento decisivo na campanha contra o “extremismo violento”?
É muito cedo para dizer. Quando o Estado Islâmico surgiu, a maior preocupação era a sua habilidade em servir como um “multiplicador de forças”, utilizando seus recursos para espalhar sua ideologia radical e instigar tanto ataques organizados quanto isolados em outros países. Caso continuasse ativo, muitos temiam que seus sucessos permitiriam uma nova legitimidade a um grupo de ideais perigosos e violentos.
Essa possibilidade era uma preocupação genuína embora não se possa excluir a possibilidade de que o Estado Islâmico poderia ter seguido o caminho de movimentos revolucionários anteriores, moderando gradualmente suas visões e seu comportamento com o passar do tempo.
Nós jamais saberemos a resposta para esta questão e eu não me importo em não saber. Indo adiante, a derrota do ISIS pode destruir o senso de destino que atraiu alguns à sua bandeira sangrenta, e pode levar mais simpatizantes em potencial a questionarem as táticas violentas que grupos como a Al Qaeda e o Estado Islâmico adotam.
Esperemos que seja assim. No curto prazo, pelo menos, sua derrota tornará um tanto difícil para jihadistas extremistas planejarem e implementarem ataques em outros países. Por esta razão, o diretor do Estado-Maior Conjunto dos EUA (principal instância de assessoramento militar da Casa Branca), o general Joseph Sunford, acredita que “nós continuaremos a ver a redução de território, redução na liberdade de moverem-se, redução de recursos e uma menor credibilidade na narrativa”.
Ainda assim, mesmo que isso se concretize, ninguém pensa que derrotar o Estado Islâmico elimina o perigo como um todo. Como o New York Times apontou alguns dias atrás, “a organização está longe de ser vencida e se mantém mais forte hoje do que quando as tropas americanas saíram do Iraque”.
De fato, alguns especialistas – entregando-se à tendência para uma inflação da ameaça que é instintiva entre os vários tipos de segurança nacional – agora se preocupam que o perigo está crescendo nas vésperas das recentes derrotas do ISIS e seu fim iminente como uma entidade territorial. Andrew Parker, o chefe do britânico MI5, recentemente alertou que “a ameaça é multidimensional, evoluindo rapidamente e operando em uma escala e ritmo que jamais vimos antes”.
O problema central afetando o Oriente Médio de forma geral permanece sendo a falta de instituições políticas efetivas, agravado pela repetida e por vezes violenta interferência na região por parte de vários poderes estrangeiros (incluindo os Estados Unidos).
Isto é uma verdade no Egito, Líbia, Iraque, Síria, Iêmen, Somália, Afeganistão e partes da África subsaariana, e é o medo de tal futuro que levou a família real saudita a tentar uma reestruturação radical em sua economia e suas instituições políticas. Condições políticas e sociais nesses países ainda causam fúria contra a elite dominante e raiva contra os poderes estrangeiros associados a estas elites, e, em alguns casos, esta raiva leva as pessoas a juntarem-se a movimentos radicais e pegarem em armas contra aqueles que são vistos como seus opressores.
Até que instituições locais mais efetivas estejam presentes, o perigo do extremismo radical não sumirá. Porém, criar instituições locais legítimas não é algo que os Estados Unidos ou outros estrangeiros podem fazer. Eles podem ajudar nas margens, mas apenas as pessoas que moram nestes locais podem de fato cumprir esta tarefa.
Por fim, derrotar o Estado Islâmico pode ser uma clara vitória, mas não nos diz se estamos percebendo a ameaça corretamente ou se a estratégia mais ampla americana para o problema do terrorismo global é a certa. Por mais de duas décadas, a primeira resposta dos Estados Unidos ao terrorismo foi soar o alarme, exagerar sobre o perigo e responder com força, embora o atual perigo que os terroristas representam para os cidadãos americanos comuns seja minúsculo quando comparado com outros riscos. Não apenas isto comprometeu os EUA em conflitos ainda em aberto em muitos lugares, mas também ajudou a envenenar nossa política e nos distrair de ameaças muito mais sérias (como os chocantes níveis de violência armada – incluindo assassinatos em massa – em nosso país).
Não me entendam mal: eu estou feliz que o Estado Islâmico está indo em direção à lixeira da história. Mas ainda há um debate a ser feito sobre como os Estados Unidos devem tratar esta questão no futuro.
*Stephen Walt é professor de relações internacionais na Universidade de Harvard.
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