Pessoas correm às agências do American Union Bank, em 1931, um dos muitos bancos que faliram durante a Grande Depressão| Foto: US Social Security/Arquivo

Há dez anos, falia o banco de investimentos Lehmann Brothers, o quarto maior dos Estados Unidos à época, acendendo o estopim para a mais grave crise econômica mundial em 80 anos. Países em todo o mundo, em maior ou menor grau, foram atingidos. Em 2009, pela primeira vez em décadas, a economia mundial se retraiu. Alguns países saíram rapidamente da crise, outros sentiram os efeitos até recentemente, como é o caso da Grécia. 

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Crises de proporção global tem se tornado mais frequentes. Desde 1929, quando a pior delas foi detonada pelo crash da Bolsa de Valores de Nova York aconteceram, pelo menos quatro que tiveram grande impacto ou atingiram fortemente algumas das maiores economias do mundo: no início dos anos 80, países da América Latina – incluindo o Brasil – foram atingidos pela crise da dívida; em meados daquela década estourou a bolha do mercado imobiliário no Japão, travando o forte crescimento daquele país; em meados dos anos 90, a crise voltou aos mercados emergentes, atingindo novamente o Brasil; e, em 2008, a crise que ficou conhecida como a do “subprime, com raízes no aumento na inadimplência dos financiamentos imobiliários. 

Essas crises não são um fenômeno recente. Dois livros – “Salve-se quem puder: uma história da especulação financeira” (Companhia das Letras), de Edward Chancellor, e “Manias, Pânicos e Crises”, de Charlie Kindleberger e Robert Aliber (Saraiva) – mostram que o fenômeno é mais antigo. As duas primeiras que tiveram um impacto internacional foram a Mania das Tulipas, detonada nos Países Baixos, em 1637, e a Crise dos Mares do Sul e da Companhia do Mississipi, em 1720. 

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Leia, a seguir, as cinco principais crises que movimentaram a economia mundial a partir de 1929:

1929 - A Grande Depressão

Após a Primeira Guerra Mundial, os Estados Unidos entraram em uma fase de grande prosperidade econômica, particularmente nos anos 20. A Europa estava completamente arrasada pelo conflito. Mas os “anos felizes” não duraram muito. A partir de 1925, a Europa começou a se reerguer, recuperando mercados consumidores e passando a comprar menos dos norte-americanos. 

Embora as exportações americanas tenham diminuído, o ritmo de produção permaneceu o mesmo. Com os estoques em alta e os preços em queda, várias empresas foram à falência. O marco da crise de superprodução foi a queda das ações da Bolsa de Valores de Nova York, em 29 de outubro de 1929. 

Nos três anos seguintes, o PIB mundial encolheu 15%. Só nos Estados Unidos, a produção industrial encolheu 46% entre 1929 e 1932. O desemprego chegou a 25%. 

Para complicar o cenário, muitos países passaram a adotar medidas protecionistas, o que favoreceu uma maior retração. Nesses três anos, o comércio exterior americano encolheu 70%; o britânico, 6%; o francês, 54%; e o alemão, 61%. 

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A recuperação nos Estados Unidos começou em 1933. Para superar a crise, o presidente Franklin Roosevelt (1933-1945) adotou um programa de medidas conhecido como New Deal, que rompia com o princípio da não intervenção do Estado na economia. Entre as medidas que foram adotadas estavam o controle dos preços de diversos produtos, a realização de obras públicas para oferecer trabalho aos desempregados, a criação de seguro-desemprego e o controle das produções agrícola e industrial, para que se tornassem compatíveis com o nível de consumo. 

Foram necessários 10 anos para que o PIB americano voltasse aos níveis de 1929. E mesmo no início da Segunda Guerra Mundial, o desemprego ainda era elevado: 15%, em 1940. 

1980 - A crise da dívida dos países da América Latina

Nos final dos anos 60 e em boa parte dos anos 70, países latino-americanos aproveitaram o crédito barato e abundante e se endividaram rapidamente. Os recursos foram aplicados principalmente em projetos de infraestrutura. Os países tiveram altas taxas de crescimento. Entre 1967 e 1974, o PIB brasileiro, por exemplo, dobrou de tamanho. 

Os problemas começaram no final da década com a explosão dos preços do petróleo, que causou um aumento na inflação americana. A maior economia global foi obrigada a aumentar os juros para conter a inflação. Isto pesou nos países em desenvolvimento porque boa parte dos recursos fora emprestado com base em taxas pós-fixadas (definidas no pagamento). E para agravar a situação, os EUA passaram por um processo de regulamentação do sistema financeiro, o que dificultou a concessão de novos empréstimos. 

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 Nesse cenário, as economias tiveram o crescimento limitado e passaram a enfrentar severos problemas de inflação. Segundo dados do IBGE, nos anos 70 a economia brasileira cresceu 131,3%. Nos 80, 33,5%. E, de acordo com a FGV, a inflação média anual passou de 29,9%, para, 243,9% nos anos 80. 

 1985 - A bolha imobiliária e das ações no Japão

Uma onda de euforia tomou conta do Japão nos anos 80. Segundo o FMI, entre 1980 e 1991, o PIB cresceu 66,2%. Para muitos economistas, era questão de tempo para que o país asiático se tornasse a maior economia mundial, motivada pela política de manter valorizado o iene. O otimismo tomou conta das empresas e os investimentos cresceram devido à abundância do crédito. Ao mesmo tempo, cresceu o consumo. Um quadro de Van Gogh foi vendido para um empresário por US$ 90 milhões, o maior valor pago por uma pintura até hoje. 

O crédito fácil impulsionou o mercado imobiliário. O preço dos imóveis chegou a dobrar em três anos. 

Os problemas começaram em 1989. Diante da alta nos preços do setor imobiliário, o BC japonês orientou as instituições financeiras a limitarem a taxa de crescimento dos empréstimos bancários. A farra dos refinanciamentos de imóveis acabou deixando muita gente em dificuldade financeira, pois muitos contavam com o elevado valor dos aluguéis para pagar os juros dos financiamentos. 

Os preços caíram pela metade entre 1990 e 1991. O efeito se estendeu pelo restante da economia: dificuldades financeiras levaram muita gente a vender imóveis. Os preços das propriedades caíram levando a reboque o preço das ações. Os reflexos são sentidos até hoje: desde 1992, só em seis anos a economia japonesa cresceu a um ritmo superior a 2%. 

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 A crise não se restringiu ao Japão. Praticamente no mesmo período, os países da Escandinávia e a Finlândia enfrentaram bolhas imobiliárias e de ações. 

1994 - A crise dos mercados emergentes

Uma série de crises atingiu os mercados emergentes a partir de 1994. O primeiro a sentir os problemas foi o México. A confiança dos investidores no país tinha crescido a partir dos anos 90, com a adesão do país ao Nafta. O PIB crescia próximo aos 4% ao ano. No período pré-eleitoral de 1994, adotou-se uma política fiscal e monetária expansiva. Títulos mexicanos de curto prazo, emitidos em pesos, garantiam seu pagamento em dólares. Mas a instabilidade política crescia: conflitos agrários e com movimentos indígenas no Sul do país e o assassinato do líder nas pesquisas para as eleições presidenciais, Luís Donaldo Colosio. 

O aumento no risco despertou a atenção dos investidores. O peso também estava sobrevalorizado e o país tinha déficits na balança comercial. O dinheiro investido no México começou a ser retirado rapidamente. Para manter o valor da moeda, o BC mexicano começou a queimar as reservas. E no final do ano, foi obrigado a desvalorizar o peso. Um consórcio financeiro liderado pelos EUA e FMI liberou US$ 50 bilhões para o país em 1995. Nesse ano, o país passou por uma violenta recessão, com o PIB encolhendo 6,3%. 

A segunda fase da crise dos mercados emergentes atingiu os países do Sudeste Asiático em 1997. Apesar das fortes taxas de crescimento – superiores a 6% ao ano a partir de 1987, as economias tinham sérios problemas. O endividamento externo era crescente e os países passavam por “bolhas de crédito”, com facilidade na liberação de recursos para estimular o crescimento. Os países também tinham déficits nas contas externas. 

A situação começou a se complicar a partir de 1995, quando um acordo internacional resultou na desvalorização do iene japonês e do renmimbi chinês frente ao dólar americano. E, diante do aumento na inflação nos EUA, o Fed (o BC americano) começou a elevar as taxas de juro. 

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 A valorização da moeda americana criou um complicador para os países do Sudeste Asiático, que mantinham suas moedas atreladas ao dólar: suas exportações se tornaram menos competitivas. Não bastasse isso, o preço mundial dos semicondutores – um de seus principais produtos de exportação – começou a cair. 

Uma série de ataques especulativos passou a atingir as moedas da região. Os primeiros, em maio de 1997, atingiram a Tailândia. Inicialmente, o país resistiu a desvalorizar a moeda local, mas diante do esgotamento de reservas, foi obrigado a fazê-lo. O alvo seguinte foi a Indonésia. A taxa de câmbio despencou e uma ajuda do FMI foi insuficiente para conter o problema. A procura por dólar era grande e as empresas sentiram violentamente o impacto. Protestos nas ruas resultaram, em maio de 1998, na queda do ditador Suharto, que estava no poder há 31 anos. 

Outros países da Ásia, como a Coreia do Sul e a Malásia, também foram afetados. A partir de 1998, o foco mudou de atenção. A crise na Ásia diminuiu a demanda por commodities, o que acabou reduzindo os preços do petróleo e dos minerais não ferrosos, importante produtos de exportação da Rússia. O país teve uma saída problemática do comunismo. Dados do Fundo Monetário Internacional mostram que o PIB encolheu 40,1% entre 1991 e 1996. Com esse quadro, o país foi obrigado a desvalorizar o rublo e suspender o pagamento de dívidas a credores estrangeiros. A crise também marca a ascensão ao poder de Vladimir Putin, um ex-funcionário da KGB (a polícia secreta dos tempos do comunismo). E, de acordo com dados do Banco Mundial, somente em 2007 que a Rússia conseguiu que a sua economia voltasse aos níveis de 1989. 

O próximo país a ser atingido foi o Brasil. Apesar de o Plano Real, de 1994, ter sido bem sucedido para acabar com a forte inflação que marcara o país desde os anos 80, o país apresentava problemas estruturais, como juros elevados e câmbio sobrevalorizado. E mesmo com o corte de despesas e o aumento da carga tributária, o Brasil sofria com o aumento da dívida externa e a dívida pública. 

A situação piorou com as crises nos países asiáticos e na Rússia. O fluxo de recursos internacionais para os países emergentes se esvaiu. Sem opção, o Brasil foi obrigado a desvalorizar o real em janeiro de 1999. Por dois anos seguidos (1998 e 1999), a economia brasileira patinou. 

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2008 -  A crise mundial do subprime

A crise mundial de 2007-8 é considerada pelos economistas como a pior desde o crash da Bolsa de Valores de Nova York. A economia mundial vinha crescendo a taxas próximas a 5% desde 2004, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI). Mas os problemas no mercado imobiliário americano se acentuaram, com o aumento da inadimplência por causa das altas taxas de juro, levando grandes instituições financeiras à falência, como os bancos de investimento Lehman Brothers, Bear Stearns e Merril Lynch. Isto contribuiu para causar uma grande crise global de confiança. 

Países como Estados Unidos e Reino Unido foram obrigados a intervir no sistema financeiro. O governo norte-americano saiu em socorro de suas instituições financeiras. O congresso daquele país aprovou um pacote de US$ 700 bilhões para comprar ações de instituições com problemas de liquidez. Na Inglaterra, o primeiro-ministro Gordon Brown anunciou um pacote de 500 bilhões de libras esterlinas (US$ 867 bilhões) para socorrer o sistema bancário do país. 

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Na Islândia, os três maiores bancos privados tiveram de ser assumidos pelo governo. A cautela passou a ditar a ordem no sistema financeiro: fontes de crédito secaram, com o dinheiro indo para aplicações mais seguras, mas menos rentáveis, como os Treasuries americanos. O resultado foi um freio no crescimento: a economia mundial se expandiu 3% em 2008 e encolheu 0,15%, em 2009. 

O Brasil anunciou uma medida provisória que possibilitou que bancos oficiais pudessem comprar participações em instituições financeiras menores. Além disso, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) disse que ajudaria empresas exportadoras em dificuldades após perdas com operações de derivativos de câmbio. 

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A crise teve consequências. Com a retração do crédito, países altamente endividados como Portugal, Espanha, Grécia e Itália passaram a enfrentar problemas para rolar suas dívidas. Em maior ou menor grau, tiveram de adotar medidas de ajuste. Entre 2008 e 2013, a economia grega encolheu 26,5%, não se recuperando, até hoje, aos níveis pré-2008. E, politicamente, as fortes turbulências mundiais contribuíram para a expansão de movimentos populistas e antissistema.