Há 50 anos, o ministro das Relações Exteriores de Taiwan fez uma previsão sobre o Partido Comunista Chinês que foi espetacularmente precisa.
"Uma vez que [o Partido Comunista Chinês] tenha assento na Assembleia Geral e no Conselho de Segurança, ele certamente transformará as Nações Unidas em uma frente maoísta e um campo de batalha para a subversão internacional", disse o ministro das Relações Exteriores da República da China, Chow Shu-Kai, em Nova York, após uma votação na Assembleia Geral da ONU em que a maioria esmagadora aprovou entregar o assento "China" da organização para a República Popular da China (RPC) governada pelos comunistas, substituindo o governo de Chow.
A Assembleia Geral da ONU adotou essa medida, a Resolução 2758, em 25 de outubro de 1971. Meio século depois, a previsão de Chow sobre uma campanha de subversão do Partido Comunista Chinês foi confirmada em termos inequívocos em todo o sistema das Nações Unidas.
O que se sabe sobre os esforços de subversão internacional do partido, como disse Chow, é assustador - e provavelmente isso é apenas a ponta do iceberg. Só nas últimas semanas, as autoridades chinesas silenciaram um delegado indiano em uma conferência da ONU sediada em Pequim, espalharam mentiras sobre a prática de atrocidades em massa por seus colegas e instalaram um "especialista" alinhado ao governo chinês no órgão da ONU que monitora as alegações de tortura.
A única parte da declaração de Chow que não se sustentou é a sua afirmação de que a ONU se tornaria uma "frente maoísta", mas apenas porque, em vez disso, ela se tornou uma frente para o Pensamento de Xi Jinping - a autoproclamada doutrina dominante do líder chinês, que busca moldar a governança internacional para os fins chineses.
A Resolução 2758, o pecado original do isolamento internacional de Taipei (que apenas agora está começando a se reverter), também se tornou uma desculpa para que os funcionários da ONU continuem a afastar Taiwan da enorme burocracia internacional.
Embora a resolução se referisse apenas à representação da cadeira "China" da ONU, sucessivos secretários-gerais, começando com Ban Ki-moon em 2007, fizeram a interpretação errônea de que ela significava um endosso total às reivindicações de Pequim sobre Taiwan, além de uma ordem para proibir todos os 23 milhões de cidadãos da ilha democrática de sequer acessar as dependências da ONU.
Sob o regime de Xi, os cidadãos taiwaneses não podem participar da Assembleia Mundial da Saúde, muito menos visitar as instalações da ONU. Naturalmente, essa exclusão resultou em algumas péssimas consequências, como a pandemia de Covid. "Não teríamos perdido milhões de vidas se nosso alerta tivesse sido postado nos sistemas imediatamente", disse-me o embaixador de fato de Taiwan na ONU, James Lee, no mês passado, ao falar sobre o fracasso da OMS em processar os alertas de seu país sobre os casos de vírus relatados em Wuhan em dezembro de 2019.
Se alguma vez houve qualquer dúvida sobre a posição da burocracia da ONU na questão do sucesso do Partido Comunista Chinês em marginalizar Taiwan - e nunca houve - a vice-secretária-geral Amina Mohammed resumiu a posição institucional em um vídeo que celebra o 50º aniversário da RPC na organização e as "conquistas notáveis" dessa parceria.
"Agradecemos não apenas o apoio financeiro constante da China ao longo das décadas, que permite ao sistema da ONU apoiar a paz e o desenvolvimento em todo o mundo, mas também o seu apoio às reformas históricas que estamos empreendendo para fortalecer o sistema de desenvolvimento da ONU para o futuro", disse Mohammed.
As iniciativas da China para reinventar a forma como as organizações internacionais falam sobre os direitos humanos, tentando conduzir o debate no Conselho de Direitos Humanos da ONU, são apenas o aspecto mais publicamente proeminente e agressivo da campanha de influência na ONU. (Felizmente, também é o ponto para o qual as democracias despertaram desde 2018, quando diplomatas chineses ganharam a adoção de uma resolução que invocava a sua linguagem preferida sobre direitos humanos.)
Não por acaso, a conferência em que a autoridade indiana foi silenciada era sobre sustentabilidade em transportes. É no âmbito do desenvolvimento internacional que Pequim tem seu controle mais forte e até conseguiu fazer de sua "Belt and Road Initiative" (também conhecida como Nova Rota da Seda) um pilar central das ações de desenvolvimento da ONU em todo o mundo. E talvez não por coincidência, Mohammed foi envolvida em um escândalo de corrupção por autorizar a exportação de madeira de árvores ameaçadas de extinção para a China durante sua passagem como ministra do meio ambiente da Nigéria.
Esse tipo de corrupção é endêmico no trabalho da organização, como indica a prisão em 2017 de Patrick Ho, diretor de um think tank afiliado ao conglomerado de energia chinês CEFC, sob a acusação de suborno. Ho vinha promovendo a Belt and Road Initiative no sistema da ONU, até mesmo subornando diplomatas africanos, incluindo o então presidente da Assembleia Geral. Como um relatório sobre o incidente apontou, a prisão de Ho foi o terceiro caso de suborno relacionado às ações da China para influenciar a ONU desde 2015.
Além da corrupção, e da incorporação dos projetos de influência geopolítica de Pequim no léxico de desenvolvimento da ONU, o partido começou a controlar a própria burocracia pela qual a organização funciona, e conseguiu instalar funcionários desde os níveis mais subalternos até os mais altos cargos executivos em agências da ONU, como a União Internacional de Telecomunicações.
São escritórios sobre os quais a maioria das pessoas nunca ouviu falar e que considerariam irrelevantes para suas vidas. Mas cada cargo executivo é um trampolim para que Pequim tenha o domínio de um sistema de governança global que já começou a usar como arma para sua vantagem.
O comentário de Chow de que a ONU se tornaria um "campo de batalha para a subversão internacional" também é correto porque há, de fato, uma batalha desde que Washington começou a enfrentar o duplo problema da interferência da China e da exclusão de Taiwan.
Na administração Trump, isso começou com uma campanha bem-sucedida para interromper a sequência de vitórias de Pequim em eleições na ONU, ao reunir aliados dos EUA em apoio ao candidato de Cingapura para liderar a Organização Mundial de Propriedade Intelectual em 2020.
E o governo Biden se mostrou disposto a elevar o tom na questão do isolamento total de Taiwan na ONU. Em uma declaração na semana passada, o Departamento de Estado dos EUA disse que autoridades americanas haviam se reunido com seus homólogos taiwaneses e "reiterado o compromisso dos EUA com a participação significativa de Taiwan na Organização Mundial da Saúde e na Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas", entre outras coisas.
Se o esforço dos EUA para reintegrar Taiwan, como defendem Michael Mazza e Gary Schmitt, acadêmicos do American Enterprise Institute, em um novo relatório, levará a uma campanha "dura" liderada pelos EUA para a inclusão do país, utilizando todo o domínio de Washington para esse esforço, ainda é incerto. Mas apenas colocando Taiwan no centro da agenda dos EUA é que Washington pode ter uma chance de erradicar a corrupção autoritária na ONU, porque essas duas questões são frentes diferentes no mesmo campo de batalha.
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