Mais de duas mil crianças foram separadas de seus pais desde que o secretário de Justiça, Jeff Sessions, anunciou a nova política de imigração, determinando que os funcionários do Departamento de Segurança Interna encaminhassem todos os casos de entrada ilegal nos EUA para serem processados criminalmente.
Entre essas crianças, a história de três irmãos brasileiros que entraram para as estatísticas do governo Trump ficou conhecida. Com 8, 10 e 17 anos, eles cruzaram a fronteira dos EUA ilegalmente com a mãe, Jaene Silva de Miranda, mas foram apreendidos durante a travessia. Assustados e sem saber onde a mãe estava, eles foram levados ao abrigo Estrella del Norte, em Tucson, no Arizona, em 29 de maio. Só conseguiram falar com Jaene, que estava detida na cidade de Eloy, 17 dias depois por intermédio da cônsul honorária do Brasil no Arizona, Rosilani Novaes, segundo informou o jornal Estado de S.Paulo.
De acordo com o Itamaraty, os responsáveis do abrigo Estrella del Norte e os representantes do centro de detenção onde Jaene está presa acertaram que a mãe e os filhos poderão se falar por telefone uma vez por semana. Após o contato com os irmãos, Rosilani disse que os menores custodiados relataram que estão sendo bem tratados no local de albergamento, recebem comida de boa qualidade, participam de atividades de recreação e estão tendo aulas de inglês e espanhol.
Centenas de crianças de várias nacionalidades, em especial salvadorenhos, guatemaltecos e hondurenhos, estão passando pela mesma situação dos filhos de Jaene. Apesar dos relatos de que estão sendo bem tratados, a situação gerou comoção internacional e está mudando o debate sobre imigração nos Estados Unidos. Entenda.
Por que as famílias estão sendo separadas?
No dia 7 de maio, o procurador-geral dos Estados Unidos (cargo equivalente a ministro da Justiça no Brasil), Jeff Sessions, anunciou que iria prender e processar qualquer pessoa que cruzasse a fronteira do país ilegalmente.
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“Se você atravessar ilegalmente com uma criança, nós o processaremos e essa criança será separada de você, provavelmente, conforme exigido por lei. Se você não quer que seu filho seja separado de você, não o traga para o outro lado da fronteira ilegalmente. Não é nossa culpa se alguém fizer isso”, disse ele à época em um discurso em San Diego.
A medida ficou conhecida como política da tolerância zero e prevê que os adultos devem ficar detidos em prisão federal enquanto aguardam o julgamento e, como as crianças não podem ficar presas, elas são separadas de suas famílias.
Qual a situação dessas crianças?
Depois que são separadas de seus pais ou responsáveis, a maioria das crianças é levada a abrigos dirigidos pelo Escritório de Reassentamento de Refugiados do Departamento de Saúde e Serviços Humanos. Essas unidades, de acordo com a CNN, foram criadas para abrigar crianças que cruzaram a fronteira sozinhas. Autoridades do departamento afirmam que atualmente 11.700 crianças estão sob a custódia do escritório de Reassentamento de Refugiados.
Desde a semana passada, quando a medida começou a surgir como uma crise para o governo Trump, se espalharam pela mídia histórias de menores sendo arrancados dos braços dos pais, e estes incapazes de saber para onde seus filhos foram levados. As condições dos abrigos e a falta de profissionais para atender à demanda crescente de crianças também é alvo de críticas.
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Entidades de direitos humanos apontam que separar as crianças de seus pais e mantê-los nesses abrigos é “cruel e desumano” - o que o governo tem negado veementemente.
Isso já não acontecia antes?
Processar e prender pessoas que cruzam ilegalmente a fronteira dos Estados Unidos não é algo novo. Em 2005, sob a administração de George W. Bush, o Departamento de Segurança Interna e o Departamento de Justiça dos EUA passaram a adotar uma abordagem de tolerância zero em relação àqueles que chegavam ao país de forma ilegal, conhecida como Operação Streamline. Segundo a União Americana de Liberdades Civis, com esta prática os imigrantes ilegais são detidos por um período entre um ou 14 dias antes de serem julgados coletivamente.
A diferença para a política de “tolerância zero” de Trump, é que, até então, os adultos que viajavam com crianças eram poupados.
Antecessor de Trump, o democrata Barack Obama, seguiu um protocolo similar durante seu governo, mas mantinha as famílias juntas sob a custódia do departamento de imigração.
A secretária de Segurança Interna, Kirstjen Nielsen, disse que em administrações anteriores crianças foram separadas de seus pais ou responsáveis, embora tenha admitido que em menor escala.
Essa nova política está funcionando?
O número de famílias que tentam entrar nos EUA sem documentação diminuiu ligeiramente entre abril e maio, mas em comparação com maio de 2017, houve um aumento de 435%. O número de crianças desacompanhadas apreendidas passou de 4.302 em abril para 6.405 no mês passado, de acordo com dados alfandegários do Departamento de Segurança Nacional.
Nas duas primeiras semanas da politica de “zero tolerância”, 658 menores - incluindo muitos bebês e menores de três anos - foram separados dos adultos com quem viajavam. Segundo a BBC, em muitos casos as famílias são reunidas depois que os pais são liberados da prisão, entretanto, há relatos de famílias que ficaram separadas por semanas e até meses.
Até o momento os dados são insuficientes para que seja possível alegar consistentemente que a política mais dura esteja diminuindo a imigração ilegal. E também não está claro se isso vai ocorrer porque muitas dessas pessoas vão em direção aos Estados Unidos para tentar escapar de uma realidade muito cruel, de pobreza e violência.
Como os pais podem achar seus filhos?
Segundo o Departamento de Segurança Interna, os contatos entre os adultos presos e as crianças se dá por meio de telefonemas e videoconferências. Também afirmou que pais que estão procurando por seus filhos podem conseguir informações por meio de um canal telefônico gratuito, mas advogados dos imigrantes estão relatando que a linha está sobrecarregada e não funciona, segundo noticiou a CNN.
Como isso está repercutindo na política interna dos EUA?
A situação se tornou um teste moral para o presidente Donald Trump e sua administração. Trump coloca a culpa nos democratas, que se recusam a fechar um acordo sobre uma nova lei de imigração - na qual Trump quer incluir a construção do muro na fronteira com o México. Por outro lado, democratas afirmam que o presidente tem o poder e dever de parar com a medida que separa as crianças de seus responsáveis na fronteira.
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Até mesmo os republicanos estão virando as costas para Trump, tentando se distanciar da política de ‘tolerância zero’ - uma mudança na dinâmica da política de imigração que ficou evidente nesta segunda-feira à medida que a face do debate passou de ‘violentos membros de gangues de rua’ para ‘crianças jovens e desnorteadas isoladas por agentes federais em gaiolas de metal’.
Líderes religiosos também são críticos da política de ‘tolerância zero’ e até mesmo a esposa de Trump, a primeira-dama Melania Trump, que raramente se manifesta sobre questões políticas, disse ser contra a separação das famílias de imigrantes.